Projeto de pesquisadores mineiros vai criar tour em realidade virtual por tumbas do Egito

Daniele Franco
dfmoura@hojeemdia.com.br
31/10/2018 às 18:50.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:33
 (Reprodução/Facebook)

(Reprodução/Facebook)

Caminhar, reparar nos detalhes, observar os artefatos e até mesmo tocar as paredes de uma tumba no Egito pode ser possível sem sair de casa em cerca de três anos. O projeto será fruto do trabalho da equipe brasileira de arqueologia liderada por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais. Os estudiosos se preparam para escavar uma tumba inédita na Necrópole de Luxor em janeiro de 2019 e entrar para a história nos próximos anos ao criar o primeiro tour virtual em uma tumba no Egito, acessível a todos de onde estiverem.

Liderada pelo professor da UFMG José Roberto Pellini, arqueólogo e responsável pelo Programa Brasileiro de Arqueologia no Egito (Bape, em inglês), a missão parte para terras africanas no início de janeiro de 2019. A equipe de trabalho é composta por 17 pessoas, entre brasileiros, argentinos e egípcios. “Esta será a terceira missão do primeiro projeto de arqueologia liderado por brasileiros. Há pesquisadores daqui que trabalharam lá antes, mas nunca uma expedição liderada por nós”, explica Pellini, que é arqueólogo há 26 anos e passou os últimos 14 estudando no Egito.

A exploração dos brasileiros vai desbravar a Tumba Tebana 123 (TT 123), que nunca foi escavada. O processo começou em 2016 com o reconhecimento e limpeza do local e, durante esses trabalhos, Pellini conta que já foram encontrados diversos artefatos com estado de conservação bastante satisfatório. “Pedaços de sarcófagos, por exemplo, foram encontrados com desenhos e cores muito bem preservados, o que indica que o que está dentro da tumba também pode ter as mesmas características. Também conseguimos ver que há uma múmia lá dentro, então nossas expectativas são bastante positivas”.

Para o projeto de imersão em realidade virtual, os pesquisadores, à medida que escavam a tumba, produzem imagens em 3D dos ambientes, das estruturas, e criam a experiência de “visita de onde estiver”. Além das imagens, quem entrar na experiência em realidade virtual também poderá sentir os objetos como se os estivesse tocando através de luvas de impressão de tato. Algumas das primeiras imagens captadas em 3D foram compartilhadas na página do projeto no Facebook, como esta:

Com essa ferramenta, Pellini acredita que pode inaugurar uma nova prática na arqueologia, que, a seu ver, explora pouco as possibilidades de unir história a ferramentas tecnológicas. Ainda segundo o pesquisador, a concretização do projeto de realidade virtual tem o potencial de revolucionar a metodologia arqueológica, uma vez que vai permitir acesso irrestrito aos elementos e às estruturas de um sítio.

“A nossa intenção é mais do que simplesmente acadêmica, de descoberta para os estudiosos, tanto que dentro do nosso projeto também realizamos trabalhos antropológicos no local, com as pessoas comuns, para entender o olhar que elas têm sobre o patrimônio”, detalhou o professor, que ainda acrescentou que entende como de suma importância levar essas possibilidades de olhar a todas as pessoas do mundo.

Fases do projeto

No dia 10 de janeiro de 2019, os pesquisadores embarcam para o Egito para iniciar o processo de escavação da TT 123, terceira missão do Projeto Amenenhet. A expedição vai escavar, desta vez, uma sala anexa à câmara funerária, onde estariam armazenados bens do dono da tumba, que era o sacerdote Amenenhet - que também dá nome ao projeto -, nobre que serviu ao faraó Thutmosis III, da 18ª Dinastia, por volta de 1800 antes de Cristo. O sacerdote ocupava diversos cargos, entre os quais o de contador de pães, que eram distribuídos como parte dos salários no Egito Antigo.

De acordo com Pellini, a tumba tem formato de T: um corredor cercado de salas com uma estátua do morto no fim e a câmara funerária ao final. Nas salas, segundo o costume dos egípcios, ficavam os bens do morto e na câmara o corpo mumificado. A câmara será explorada na próxima missão, marcada para 2020.

Além do trabalho arqueológico, os pesquisadores ainda vão realizar trabalhos antropológicos, que vão estudar junto à população local como eles pensam e ressignificam os elementos históricos presentes no território nacional. “Um desses projetos nós chamamos de Percepções, que vai estudar o olhar das pessoas sobre os elementos através da fotografia. Para nós, isso é o que conceitualiza a tumba”, explica José Roberto Pellini.

O material colhido durante as escavações, após as análises, vai para o Museu do Cairo ou permanece na tumba, uma vez que a lei egípcia determina que todos os artefatos encontrados em sítios arquelógicos do país permaneçam lá.

Mesmo sem artefatos trazidos ao Brasil, Pellini afirma que os benefícios desse trabalho para a UFMG e para o Brasil são incontáveis. “A universidade ganha a oportunidade de ter um sítio-escola, por exemplo, onde os alunos poderão estudar sempre que quiserem; e há ainda a produção de conhecimento tutelada por pesquisadores brasileiros em uma área que é dominada por potências europeias há mais de cem anos”.

De acordo com o pesquisador, o olhar que o estudioso brasileiro leva à pesquisa arqueológica egípcia também é único. “Fomos recebidos com festas e homenagens porque tanto os europeus quanto os egípcios entendem que o olhar que o brasileiro sobre o patrimônio vem influenciado pela nossa realidade, que é semelhante à de quem vive no Egito”, explicou.

BapeReprodução/Facebook / N/A

Pesquisadores do Bape na primeira missão brasileira no Egito, em 2016

O Programa Brasileiro de Arqueologia no Egito (Bape) foi criado em 2015 após um convite do Ministério das Antiguidades egípcio. A pesquisa, no primeiro momento, estava alocada na Universidade Federal de Sergipe, onde José Roberto Pellini trabalhava. O professor, então, veio para a UFMG e o projeto, que é ligado ao trabalho dele, veio junto e passou a integrar o Departamento de Antropologia e Arqueologia da Fafich.

Desde 2016 os pesquisadores brasileiros realizam missões de exploração pelo Projeto Amenenhet, que engloba a exploração das Tumbas Tebanas 123 e 368, na margem Oeste do rio Nilo. Para Pellini, o Bape é uma demonstração da maturidade e da qualidade da arqueologia brasileira, que começa a ganhar território em áreas anteriormente exploradas há séculos por nações hegemônicas.

Para financiar o projeto, o professor contou que estão sendo feitas parcerias com a Universidade de Córdoba, que também leva pesquisadores à expedição, além de recursos que ainda estão sendo pleiteados junto à Fapemig e do CNPq. A criação do "museu virtual", por sua vez, deve ser viabilizada, segundo o Pellini, através de parcerias que já estão sendo viabilizadas com empresas especializadas que iriam ao local fazer a captação do material necessário.

A previsão, segundo ele, é que o Projeto Amenenhet seja concluído em até 10 anos, uma vez que cada temporada de escavação dura de dezembro a março, quando é inverno no hemisfério norte e as temperaturas são mais amenas. Após o término dos trabalhos, que vão desde a remoção de sedimentos ao reforço das estruturas, a tumba deve ser transformada em um museu. “Pelos trabalhos já realizados na TT 123, o governo egípcio acredita que ela será a mais bonita da necrópole”, acrescentou Pellini.

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