Artistas de BH ganham as ruas para levar cultura ao público e garantir ganha-pão

Bernardo Almeida
01/06/2019 às 21:30.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:55
 (Mitsuo Yamamoto / Divulgação)

(Mitsuo Yamamoto / Divulgação)

“Viver do chapéu” é um desafio motivado pela noção de tornar a arte acessível a todos, pelas necessidades financeiras ou por um movimento natural de quem inicia a carreira artística nas ruas e dali não se imagina fora. Em Belo Horizonte esses artistas estão por toda parte, mas são mais facilmente encontrados em praças, parques, sinais de trânsito ou enchendo de cultura os arredores da feira de artesanato da avenida Afonso Pena, aos domingos.

As origens e a faixa etária variam, como no caso do saxofonista Tanure Lisboa, de 48 anos. “É como se na rua eu estivesse um pouco desprendido, fora das amarras da indústria cultural, ainda que esteja esperando uma remuneração espontânea, então sinto que tenho uma responsabilidade com esse público. Uma experiência que me marcou muito foi uma vez em que estava tocando na Praça da Liberdade, fantasiado de Charles Chaplin, e uma criança se aproximou de mim e me deu uma rosa”, lembra.

Tanure iniciou as apresentações na rua por necessidades financeiras há cinco anos, mesma época em que o violinista e acordeonista Mateus Henrique Vitório, hoje com 22. Mateus começou a tocar para levar música de qualidade ao público no local em que iniciou a carreira, na época com uma gaita: o túnel de acesso à estação Eldorado do metrô, em Contagem. “A acústica ali é muito boa, não preciso carregar caixa de som nem nada para reveberar o som”. 

Hoje ele alia as aulas na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) com performances também dentro de ônibus e em frente ao shopping Cidade, munido de acordeão ou violino e chapéu. “Vivo de arte de rua, sempre trabalhei com isso. Comecei na época em que estudava. Hoje o gosto musical enveredou muito para sertanejo universitário, funk, e procuro levar (ao público) um Moacyr Braga, uma valsa-choro, baião, músicas francesas e argentinas”, explica Mateus, que recebe reações bastante emotivas no meio do corre-corre. “Muita gente me procura para agradecer, tem quem chore, ou pare para dizer que eu mudei a vida deles”.

No retorno das pessoas essas histórias convergem. Melhorar o dia alheio é uma resposta comum recebida pelos dois músicos e por Chico Rosa, que há dez anos se apresenta pelas ruas com a filha Isadora Rocha. Com a visibilidade adquirida, hoje eles também tocam em eventos fechados em BH e fora, com a banda Faca Amolada.

“Uma vez tocávamos no Parque Municipal, uma moça se aproximou, sentou em um banco próximo, ficou um tempo nos ouvindo, depois deixou um bilhete em que escreveu que tinha acabado de sair de casa, sem ideia de onde ir, e que nossa música havia mudado a vida dela”, conta Chico Rocha.

Desde 2011, Thais Oliveira apresenta números circenses junto com a irmã, Lais Oliveira, formando a Cia Gêmea. 

“Há o constante desafio de manter o público ali, concentrado. A arte de rua é uma escolha, um palco em que saímos da zona de conforto que o teatro entre quatro paredes oferece, porque ali você tem que agilizar ou demorar mais, se adequar ao público. O circo não nasce na lona, nasce nas feiras, nas ruas. Estamos voltando com o circo ao seu devido lugar”.

Subsistência, segurança e reconhecimento são desafios comuns

Em comparação com quem se apresenta em locais fechados, o artista de rua está sujeito a imprevistos financeiros. Músicos que se alternam entre o espaço público e shows privados relatam faturar até quatro vezes mais nos eventos que duram duas horas do que nas oito em que tocam diariamente ao ar livre. Um cenário que não escapou da situação econômica do país: desde o fim de 2015, o ganho médio caiu de R$ 150 a R$ 200 por dia para R$ 50.

Mesmo com os obstáculos, o ofício é viável, garante o artista circense Diego Gamarra, que fincou raízes há 16 anos em BH. “Conheço muitos que pagam aluguel e mantêm filhos com essa renda. Depende da qualidade do trabalho e do estilo de vida de cada um”, conta ele, que há dois anos montou um espaço cultural que serve de ponto de apoio para os demais.

Em 2016, os colegas Bruno Buscariolli, Adele Carneiro e Eliane Santos publicaram um artigo para o curso de doutorado em administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo analisando a interação dos artistas com a população em São Paulo, Embu das Artes e Belo Horizonte. Foram três meses de observação. 

“Há uma relação muito clara de performance com as doações. Quem elaborava um pouco mais juntava bastante gente; quanto melhor a performance, maior o retorno financeiro, assim como as pessoas tendem a se aproximar mais quando conhecem a música”, explica Bruno Buscariolli. 

Outra conclusão é que pessoas de mais baixa renda e estudantes tendem a doar menos. Os autores, no entanto, também relatam doações vindas de moradores de rua.

Para cativar o público, Buscariolli dá algumas dicas. “Placas com contatos de telefone ou em redes sociais ajudam quem passa e não tem tempo para parar no momento. Mas é preciso ter certo profissionalismo, compromisso com horário, mesmo após publicar no site”, diz, em referência ao portal criado para artistas de rua em São Paulo.

Regulamentação

Portal nos mesmos moldes é uma das reivindicações da artista circense Thais Oliveira. Segundo ela, o “item” faz falta na lei 11.126/18. O texto regulamenta a profissão na capital mineira e foi um primeiro passo para permitir a muitos viver exclusivamente desse ofício na cidade. 

“Vimos que a prefeitura está de portas abertas, mas ainda faltam políticas públicas para garantir estruturas, iluminação, editais e até mesmo uma rede de resolução da disputa por espaços”, diz Thais, que com seu coletivo também espera incentivar mais mulheres a sentirem seguras para montar números. “Tentamos fazer com que mais artistas possam ir às ruas sozinhas, sem precisar da presença de um namorado ou amigo”.

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