
Os três filmes brasileiros que mais debates provocaram nos últimos anos estão fortemente vinculados à atual realidade sócioeconômica do país, formando uma espécie de trilogia em que a dureza do tema é amenizada pela incursão por gêneros como suspense, comédia e drama sobre rito de passagem.
“O Som ao Redor”, “Casa Grande” e “Que Horas Ela Volta?” encontraram uma forma de falar de assuntos ásperos e urgentes sem panfletarismo, abrindo o diálogo com o público a partir de elementos de fácil identificação. Em “Casa Grande”, já disponível em DVD, os fatos são vistos pela ótica de um adolescente de família rica.
Com toques autobiográficos, já que o diretor Fellipe Barbosa estudou na mesma escola de seu protagonista e viveu algumas das dificuldades financeiras que o pai do filme tenta contornar. A narrativa acompanha Jean, um garoto como qualquer outro, que quer namorar e se divertir, mas que sofre com as decisões familiares.
Orgulhoso, o pai, Hugo (Marcello Novais, em seu melhor papel da carreira), não admite a crise, o que acaba piorando mais a relações, principalmente ao manter a sua visão burguesa, interferindo no desejo do filho de namorar uma garota que é fruto da ascensão econômica das classes C e D proporcionada nos últimos anos.
Esse choque é mais nítido na cena em que o pai ironiza o pensamento da garota sobre a adoção de cotas nas universidades públicas, pouco antes de ele se ver obrigado a vender a sua mansão para um amigo. O filme deixa claro que o aprendizado de Jean vem do contato com aqueles que o pai tenta privar, como a empregada.
Fellipe vê na classe abastada um medo infundado e limitador, razão de sua falência moral. Uma das empregadas – negra, feia e pobre – alerta para a falta de valores na casa. Ela se põe na mesma posição de sua patroa (Suzana Pires), dizendo que o serviço está muito ruim, principalmente pelo atraso nos pagamentos.
Por outro lado, os pobres são mostrados como pessoas trabalhadoras e de boa índole. Não estão infelizes ou raivosos pela condição deles. E, na casa de Jean, eles se transformam numa extensão da família dele. Sua tristeza é nítida quando Severino, o motorista que o levava para escola, é demitido devido à decadência financeira.
Quando recorre à “família” pobre, Jean encontra a felicidade, dançando e beijando o bumbum de outra empregada, que dizia ficar enlouquecida quando os homens atendiam essa vontade dela. Talvez seja uma forma de o realizador afirmar que, ao contemplar os anseios da base da pirâmide, o país como um todo tem muito a ganhar.