Chico Buarque mistura clássicos e novidades em BH

Thiago Alberto
Hoje em Dia - Belo Horizonte
Publicado em 14/12/2017 às 00:40.Atualizado em 03/11/2021 às 00:14.
 (Maurício Vieira/Hoje em Dia)
(Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Quantos fãs de Chico cabem em um show de Chico Buarque? Especialmente em uma apresentação que marca o retorno aos palcos daquele que é frequentemente etiquetado como uma das paixões e unanimidades nacionais? Antes mesmo do cantor chamar todas as atenções para si, um lotado Grande Teatro do Palácio das Artes comprovava: muitos.

Marcado para às 21h, o show propriamente dito só se iniciaria vinte minutos depois. Mas já era possível se divertir com a plateia: ao meu lado, uma senhora que garantia ter assistido a “todas as vezes que Chico se apresentou em Belo Horizonte, desde os anos 70”, trocava figurinhas cúmplices com um jovem rapaz que, excitadíssimo, revelava ser esta a sua primeira vez. Enquanto a veterana passava alguns códigos para o novato (“Ele geralmente não exagera no bis”), o quarentão, sentado pouco à frente, parecia mais interessado no celular.

Quando as luzes se apagam e o vídeo com a ficha técnica ocupa o fundo do palco, o moleque é batizado; basta aparecer a imagem do cantor e o título da turnê, “Caravanas”, e ele já faz coro com a nova colega: “Lindo!”, “Te amo!”, “Casa comigo!”. Na poltrona da frente, é possível escutar alguma censura: “Mas já? Ele nem entrou ainda!!!”.

Chico então entra, sob esperadíssimos aplausos. Abre a voz com uma canção que poucos reconheceram, “Minha Embaixada Chegou”, do genial Assis Valente, emendando uma de sua safra, “Mambembe”. Qualquer sensação de estranhamento foi logo deixada de lado pela sequência, uma sincopadíssima “Partido Alto”, menos festeira e mais cerebral, e sua leitura de “Iolanda”, do cubano Pablo Milanez, coladinha com o recente bolero “Casualmente”, do álbum lançado este ano. Veias (e corações) abertos da América Latina, suspiros voltavam a ecoar no teatro, especialmente ao meu lado. Na frente, o celular seguia na ativa.

O show segue e levanta outra questão: quantos Chicos cabem em um show do Chico? A julgar pelo repertório, zilhões. Sublinha-se talvez uma certa boa vontade com pequenos cults de sua carreira, espetaculares canções nem sempre visitadas com frequência, como “Injuriado” e a tríade "A História de Lily Braun", "A Bela e a Fera", precedidas por elogios a seu parceiros em ambas canções, Edu Lobo e "Todo O Sentimento", que mereceu afagos  de Chico ao co-autor, Cristovão Bastos.  Ainda no escaninho das parcerias, as com Tom Jobim aparecem em momentos emocionantes, com "Sabiá" e- especialmente- "Retrato em Branco e Preto". E, mostrando que além do Chico parceiro, existe também o Chico parceiro e coruja, finalizou "Massarandupió" do novo álbum revelando seu "parceiro mais amado, Francisco Brown, meu neto, que veio ver o show junto com a irmã e minha neta Clara Buarque". O "Dueto", que no disco é feito com esta última, surge no palco com a voz de Bia Paes Leme e ganha um curioso "fax" na lista de coisas citadas na faixa. 

Mas como prometido, é o Chico novo que dá as caras com fartura no show. "As Caravanas", o disco atual, é tocado na íntegra.  A faixa título, complexa elaboração ritmica, tem suas piscadelas  ao funk carioca ainda mais acentuadas no palco e ganhou a gafe mais visível da apresentação, com Chico pigarreando nos versos iniciais e chamando um recomeço. Mas a supresa maior é a recepção à "Tua Cantiga", talvez a única da nova safra que ganhou uma reação tão entusiástica quanto os clássicos que foram sendo apresentados, como "As Vitrines" e a dobradinha "A Volta do Malandro"/ "Homenagem ao Malandro".

Falando nestes últimos personagens, teve sim o esperado coro "Fora Temer", que (se lembrem deles) causou reação tanto aos meu vizinhos de cadeira, quanto ao moço que estava na frente. Do lado, gritos entusiásticos, acrescentados de gritos como "Viva a UFMG!". Na frente, o homem parecia francamente entediado com aquilo, e desgostou-se ainda mais quando surgiu o Chico explicitamente político, que a maioria parecia esperar. "Ah, vocês estão gritando 'Fora Temer'...eu estava com os fones de retorno do palco e não escutei", disse, maroto.

Na sequência, sugeriu que já pensou em adotar o dispositivo nas suas caminhadas "pelos bairros chiques do Rio que eu frequento, como vocês sabem". Platéia enlouquecida, mas o melhor ainda estava por vir. "Essas coisas que eu escuto: 'Ô filho da puta, vai pra Paris, veado!'; 'Comunista, safado, vai pra Cuba veado!'. Como vocês podem ver, o único consenso é que sou veado", concluí. Delírio da platéia, com a a aparição do Chico comentarista social.

Este é o Chico que, após encerrar o show com uma majestosa "Estação Derradeira", um passeio redentor pelo Rio de Janeiro que por vezes o apredeja, surge para o bis com uma épica e arrepiante "Geni e o Zepelin", sem dúvidas o ponto mais escaldante de todo este primeiro show. A maior parte do público (incluíndo vocês já sabem quem) canta os versos com tom solene, hínico, quase fúnebre. Mas, todos os "velhos", "veados", e "vadias" presentes por ali sabem: o coro é de vingança, de volta, e de verdade.

Aos outros, resta o vazio. Maravilhosamente preenchido, é verdade,  com "Futuros Amantes", obra que sossega até o maior dos boçais. Fim, de novo, do show, muita gente vai saindo, em paz. Alguns até devem ter perdido a últimíssima aparição de Chico, o Chico conciliador e necessário, com uma "Paratodos" cantada por todos que, insistentes, ainda lá ficaram. Nesta hora perdi de vista o mau humorado da frente, mas acompanhei a felicidade da dupla de novos melhores amigos ao lado. 

Mas certamente até o moço estava endereçado na canção também. Esse é talvez o mérito maior do Chico grandioso- portanto cada vez mais urgente no tempo e espaço que vivemos. Porque o que este show e esta turnê prometem, são vários Chicos para os muitos fãs que querem vê-lo. A não se perder.

Set List

1)MINHA EMBAIXADA CHEGOU (Assis Valente - 1934)/MAMBEMBE (Chico Buarque – 1972)

2)PARTIDO ALTO (Chico Buarque – 1972)

3)IOLANDA (Pablo Milanés – versão de Chico Buarque – 1984)

4)CASUALMENTE (Jorge Helder / Chico Buarque – 2017)

5)A MOÇA DO SONHO (Edu Lobo / Chico Buarque – 2001)

6)RETRATO EM BRANCO E PRETO (Tom Jobim / Chico Buarque – 1968)

7)DESAFOROS (Chico Buarque – 2017)

8)INJURIADO (Chico Buarque – 1998)

9)DUETO (Chico Buarque – 1979)

10)A VOLTA DO MALANDRO (Chico Buarque – 1985)

11)HOMENAGEM AO MALANDRO (Chico Buarque – 1977/1978)

12)PALAVRA DE MULHER (Chico Buarque – 1985)

13)AS VITRINES (Chico Buarque – 1981)

14)JOGO DE BOLA (Chico Buarque – 2017)

15)MASSARANDUPIÓ (Chico Brown / Chico Buarque – 2017)

16)OUTROS SONHOS (Chico Buarque – 2006)

17)BLUES PRA BIA (Chico Buarque – 2017)

18)A HISTÓRIA DE LILY BRAUN (Edu Lobo / Chico Buarque – 1982) 

19)A BELA E A FERA (Edu Lobo / Chico Buarque – 1982)

20)TODO 0 SENTIMENTO (Cristovão Bastos / Chico Buarque – 1987)

21)TUA CANTIGA (Cristovão Bastos / Chico Buarque – 2017)

22)SABIÁ (Tom Jobim / Chico Buarque – 1968)

23)GRANDE HOTEL (Wilson das Neves / Chico Buarque – 1997)

24)GOTA D’ÁGUA (Chico Buarque – 1975)

25)AS CARAVANAS (Chico Buarque – 2017)

26)ESTAÇÃO DERRADEIRA (Chico Buarque – 1987)

27)MINHA EMBAIXADA CHEGOU (Assis Valente- 1934)

Bis

28) GENI E O ZEPELIN

29) FUTUROS AMANTES

30) PARATODOS

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