Childish Gambino levanta debate sobre o racismo no clipe de ‘This is America’

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
11/05/2018 às 19:01.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:47
 (Reprodução YouTube)

(Reprodução YouTube)

Quatro minutos, dezenas de referências e uma série de cenas chocantes que e levantam a discussão sobre o racismo de forma brilhante e incômoda. A grosso modo, esse é o resumo de “This is America”, novo clipe do rapper norte-americano Childish Gambino (alcunha do músico e ator Donald Glover), que até a última sexta-feira (11) havia batido quase 78 milhões de visualizações no YouTube, em menos de uma semana.

Já considerado um dos grandes vídeos musicais do ano, o trabalho suscitou diversas análises, principalmente por conta da disparidade impactante entre a violência e a alegria que ele mostra. Professora de cinema da UNA e integrante do movimento Segunda Preta, Tatiana Carvalho Costa defende que o contraste visual do clipe reflete o paradoxo que é ser uma pessoa negra e se reconhecer como tal.

“Essencialmente, ele consegue na forma, na linguagem, ilustrar uma condição intrínseca dos corpos negros. Quando você se percebe uma pessoa negra, entende que está imersa num mar de contradições. A nossa felicidade, por exemplo, deve ser negociada internamente o tempo todo com a angústia e a rejeição. O clipe performa esse paradoxo”, afirma. “E Childish faz isso brilhantemente, se valendo de recursos do universo online. Num lugar onde valem as visualizações, por ter várias camadas de atuação midiática, o clipe é um produto pop que instiga o espectador a rebobinar, a ver várias vezes, para entender o que acontece”.

O rapper mineiro Douglas Din faz coro. “O fato de Childish estar inteirado de tantas referências historicamente ligadas ao racismo é o que torna o clipe tão interessante”, afirma. “As pessoas são pegas de surpresa e levadas ao núcleo principal da mensagem, que é: nós não vamos ignorar essa questão”, completa.

Atualidade

Para Costa, o vídeo chega na esteira de outros produtos culturais recentes que ampliam a discussão sobre o racismo na sociedade. “Isso vem de uma construção histórica e tem a ver com uma tomada de consciência cada vez maior, principalmente por parte da juventude, de que ser negro não é uma coisa ruim. As pessoas negras estão revertendo isso internamente e também colocando para fora, construindo contra-narrativas frente a uma sociedade que as diz o contrário”, pontua.

Nesse contexto, Costa sublinha que o clipe joga luz sobre a pungência intelectual dos artistas negros. “Além do genocídio do povo negro, há também uma tentativa de matar nosso intelecto, de renegar o artista negro a cumprir um papel unicamente de entretenimento”, afirma. “A potência de muitos artistas atuais problematiza essa opressão. É o caso de Grace Passô, maior atriz e dramaturga brasileira da atualidade, e que é uma mulher preta”.Netflix/Divulgação 

Outro sucesso midiático, “Dear White People” traz a história de Samanta White (Logan Browning), que denuncia o racismo em um programa de rádio universitário

 Choque na cultura pop

Recursos usados por Childish Gambino em “This is America”, o choque e a ironia também estão presentes em outros produtos recentes da cultura pop que também levantam o debate sobre o racismo. Um deles, também assinado por Donald Glover, é a série “Atlanta”, que se vale de um humor ácido para buscar a reflexão sobre a condição dos corpos negros.

“Eu vejo este como o melhor tipo de humor, bem diferente do humor fácil e pobre de que bate em quem já apanha, que perpetua e reforça o preconceito, tão praticado no Brasil”, afirma a professora Tatiana Carvalho Costa. “‘Atlanta’, por exemplo, é fenomenal ao problematizar o nosso próprio riso. Nos faz rir e, logo depois, questionar: ‘porque estou rindo?’. Essa pergunta nos coloca numa grande saia justa com nossa própria consciência e traz a reflexão sobre um problema comum, que é o do racismo”.

Outro fenômeno recente é a série “Dear White People”, cuja segunda temporada estreou na Netflix no início do mês. A atração conta a história de Samanta White (Logan Browning), estudante de uma universidade norte-americana majoritariamente branca, que mantém um programa de rádio em que explana o racismo constante nas relações estudantis.

“Vejo também que há uma demanda reprimida do mercado, que finalmente tem entendido que há consumidores para essas histórias. E que não são só consumidores negros, até porque o racismo é para ser pensado por todos. É importante ver pessoas brancas refletirem sobre a questão a partir desse tipo de produto midiático”, defende Costa, lembrando que, no próximo dia 21, no Teatro Espanca, o Segunda Preta apresenta o filme “The Watermelon Woman” (1996), de Cheryl Dunye.

Trazendo o assunto para o rap, Douglas Din lembra, de outros artistas que têm problematizado o racismo a partir de seus trabalhos, como o norte-americano J. Cole, o paulistano Emicida e o mineiro Djonga. “Eu acho que esse debate tem ganhado mais força na música através do entendimento das pessoas com relação ao lugar de fala. Agentes de cultura estão entendendo que podem usar o espaço da arte para discutir questões que dizem respeito a si próprios enquanto negros e negras”, diz.
 

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