ENTREVISTA

Cineasta Helder Quiroga afirma que Minas é parte fundamental do desenvolvimento econômico da Cultura

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
29/03/2022 às 11:49.
Atualizado em 29/03/2022 às 13:58
Diretor é um dos coordenadores da ONG Contato, sediada em Belo Horizonte e criada há duas décadas (FOTOS MAURÍCIO VIEIRA)

Diretor é um dos coordenadores da ONG Contato, sediada em Belo Horizonte e criada há duas décadas (FOTOS MAURÍCIO VIEIRA)

Ele é o único nome mineiro na Câmara Técnica de Produção da Agência Nacional de Cinema (Ancine), um dos responsáveis por pensar políticas de financiamento para um setor combalido nos últimos anos, após experimentar uma grande euforia em festivais internacionais.

Cineasta e um dos coordenadores da ONG Contato, sediada em Belo Horizonte, Helder Quiroga tem participado de várias lives com realizadores de todo país, para tornar mais acessível algumas das regulamentações, como um edital de roteiros recentemente lançado. 

“A gente vem de uma paralisia do fomento à atividade cultural no Brasil, o que tem prejudicado muito a economia criativa. A retomada da funcionalidade, com um montante de R$ 650 milhões que serão escoados para as produções e para o mercado audiovisual, cria uma expectativa enorme”, registra.

Para Quiroga, a cultura vive grande desafio ao tentar se apresentar como elemento importante na economia e da construção da identidade do país. Nesse sentido, Minas Gerais tem um papel preponderante. “Historicamente, sempre fomos muito ensimesmados, olhando para o próprio reduto de criação”.

Por ser um ano eleitoral, a implementação de políticas para o setor cultural é mais limitada. Qual a sua perspectiva para a área em Minas Gerais?
O setor cultural mineiro vive um momento de desafio importante, que é se posicionar dentro da esfera nacional e, se possível, internacional. Agimos como se fôssemos um bioma criativo, independentemente do resto do ecossistema nacional. Precisamos entender que Minas Gerais é parte fundamental no desenvolvimento econômico da Cultura no Brasil. Há uma expectativa de retorno dos investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual. Estamos batalhando na Câmara Técnica para que haja o retorno dos coinvestimentos regionais, que é o que permite essas políticas de identidade local. Temos que comemorar a permanência do programa “BH nas Telas” e do Polo de Cataguases e a incrementação de alguns aparelhos institucionais importantes, como a Rede Minas de Televisão, e o ressurgimento do tema das Film Comissions, que são essenciais ao desenvolvimento da cadeia produtiva. A grande expectativa fica por conta das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, que irão irrigar as terras mineiras com o que há de mais necessário no fomento à atividade. Somos o segundo Estado da União a mais receber recursos por essas duas leis, o que pode beneficiar todos os agentes nesse segmento. Para isso, porém, temos que entender nosso mercado enquanto indústria e profissionalização e organização setorial. O setor precisa dialogar cada vez mais entre si e perder o preconceito de conversar com todas as instâncias, sejam elas governamentais, privadas ou de campos fora do Estado.

Você defende a interação da Cultura com outras áreas como meio ambiente e questão indígena. Como se daria isso?
A Cultura sofre muito por uma espécie de crise existencial sobre o seu lugar no mundo, o que é natural no caso do artista. Ele tem que viver esse incômodo constantemente para a sua criação, mas enquanto mercado a gente tem que ter capacidade de articulação com outros campos. A capacidade nossa de fazer um diálogo intersetorial, de conseguir conversar com o turismo, o meio ambiente, a saúde, a educação, a economia e a área de relações internacionais. Nenhum audiovisual forte do planeta existe só dentro de si mesmo. Todo país que tem audiovisual forte lida com a capilaridade das identidades do povo da sua região. Quando falo isso eu acredito que essa economia é diferente das demais. Ela nasce para ser comprometida com o meio ambiente, com a economia limpa. Ela dialoga com as novas gerações e, por isso, tem que mostrar uma capacidade de diálogo transversal entre diversos atores sociais. É uma economia que lida constantemente com a questão da liberdade de expressão. Então por que não entrar no bojo da discussão do acesso aos meios de comunicação. É uma economia que também se vale muito da defesa das diferenças, da diversidade cultural. Por tudo isso, a economia da Cultura não pode permanecer somente no status da Cultura. Acho um erro gigantesco o governo ter acabado com o Ministério da Cultura e temos que retomá-lo. Foi o único país ibero-americano a perder um ministério da Cultura nos últimos anos. Quando conseguirmos retomar, precisaremos ter um departamento de diálogo transversal que seja capaz de dialogar com todos os demais ministérios e esferas da sociedade. Aí sim, a gente vai ter uma cultura do tamanho do Brasil.

Um ponto importante enfatizado por você é a Cultura vista por sua importância econômica. Por que é tão difícil, no Brasil, entendê-la como um meio gerador de receitas e empregabilidade?
A Cultura se entende muito bem dentro de seus próprios atores e de seu próprio bioma de estruturação da cadeia produtiva, mas ela tem uma dificuldade de externar o que ela é, em termos didáticos, para um público que desconhece a atividade cultural. É importante que o audiovisual, que é um dos segmentos mais organizados do setor, saia à frente nesse sentido. Já há iniciativas buscando esclarecer seu papel no audiovisual do Brasil, nos campos universitário, do terceiro setor e das próprias instituições que lideram a área profissional do audiovisual. Mas temos que ter a capacidade de mostrar às pessoas que o audiovisual e a Cultura geram emprego e renda, que são um elemento importante para o combate às desigualdades sociais, que levam a identidade do nosso povo para fora do nosso território e que atrai investimentos. Quando a gente vestir a camisa da cultura brasileira com orgulho e altivez, será outro momento do desencadear dessa economia junto à sociedade brasileira. Para além do artista defender a sua causa, me interessa mais que o povo defenda a cultura brasileira.

A Ong Contato, que está completando duas décadas em 2022, coordena uma inédita pesquisa em Minas Gerais sobre consumo e produção de audiovisual. Qual é a importância desse levantamento para a elaboração de políticas para o setor?
Temos um trabalho longo envolvendo a juventude e a organização, a formação e a articulação do setor cultural. Nos últimos anos ficamos pensando qual seria o papel da instituição no desenvolvimento do audiovisual em Minas Gerais, contribuindo para o desenvolvimento dessa área no Brasil. Uma lacuna que logo percebemos é o campo do levantamento dos dados e indicadores, uma radiografia do sistema audiovisual. Como um Estado que é o segundo mais importante da União, que tem uma importância econômica e política para o país e uma população de mais de 20 milhões e é o berço esplêndido do cinema nacional, terra do pioneiro Humberto Mauro, não sabe o que é o seu audiovisual. A Contato partiu para essa investigação, em parceria com o Sebrae e o Núcleo de Economia Criativa da UFMG, para um diagnóstico socioeconômico do audiovisual, além de uma outra parceria com o Instituto Ver para fazer uma leitura dos hábitos de consumo do mineiro em relação ao setor, buscando entender se ele assiste, onde assiste, o que gosta de assistir e quais as vocações para esse público que os realizadores deveriam observar na hora de conduzir as suas produções. São duas pesquisas que correm paralelas, mas, num dado momento, vão se encontrar porque elas são complementares em termos de confronto de dados. A gente espera que isso venha contribuir não só para o aperfeiçoamento de políticas públicas para esse segmento como também para o setor empresarial, de forma que possa saber qual caminho seguir para fazer os seus investimentos e ter sucesso. Obviamente, com um olhar para a inclusão social e para as novas gerações, que é o nosso papel institucional.

Quais são os próximos projetos da Contato?
Depois de 20 anos de Contato, o que a gente está buscando agora é tentar apontar quais serão os caminhos para os próximos 20 anos. Virão muitas novidades, como seminários, debates e uma nova edição da revista “Elipse”, hoje a única revista impressa do cinema brasileiro em circulação. Nós também teremos a volta do Circuito Cinematográfico de Periferia, tão importante para a formação dos agentes culturais da periferia da cidade. A gente vai iniciar um trabalho muito forte no diálogo entre cultura e meio ambiente e inclusão social dentro da Contato, a partir do projeto “Outras Florestas” e outro, em parceria com o Ministério Público do Trabalho, para desenvolver atividade de inclusão social na região atingida pela tragédia de Brumadinho.

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