'Cultura se resolve com gestão': ex-presidente de fundação municipal avalia a gestão do setor em BH

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
16/03/2020 às 08:32.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:57
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Acostumado a dormir apenas quatro horas por noite, Leônidas Oliveira acordou bem cedo e desceu para o café da manhã num hotel do Rio de Janeiro, onde participaria de uma conferência, quando estava à frente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), ano passado. Ao olhar para a TV afixada na parede, ficou espantado com as imagens de uma Cidade Maravilhosa marcada pela violência. 

Não se assustou com as imagens em si, mas com o fato de um hotel que recebe majoritariamente turistas estar alarmando seus hóspedes, que, “sem conhecer direito a cidade, não se atreveriam a pôr os pés na rua”. Após falar com o gerente, o ocorrido virou tema da palestra dele, horas depois. Este olhar mais “técnico”, como ele mesmo define, é o que vem pautando a carreira de Leônidas, seja nas esferas municipal, quando assumiu a presidência da Fundação Municipal de Cultura (FMC), no governo de Marcio Lacerda, e federal. 

Além da Embratur, Oliveira comandou recentemente a Funarte, de onde se desligou semana passada, exonerado por Regina Duarte, nova Secretária Especial de Cultura – momento em que fez uma passagem por Belo Horizonte e conversou com a reportagem do Hoje em Dia sobre a gestão da área na cidade.

É a primeira vez que retorna a BH após ser exonerado por Regina Duarte do cargo de presidente da Funarte. Alguma possibilidade de voltar a atuar na capital mineira, apesar de hoje você ter residência fixa no Rio de Janeiro?

Eu continuo no Rio. Tenho lá várias ações na área de consultoria, que recebi logo depois que saí. Graças a Deus, sempre quando saio de um lugar, novas oportunidades aparecem. Foi assim quando saí da Embratur (onde foi diretor de gestão e presidente interino). No mesmo dia, recebi convite do ministro (da Cidadania) Osmar Terra para ir para o Rio e assumir a direção-executiva da Funarte, que estava num momento muito complexo. Fui para lá analisar até o encerramento das atividades da fundação, numa época em que o governo estava trabalhando para fundir e extinguir algumas instituições, mas a Funarte acabou virando uma paixão. Voltando à sua pergunta, tenho alguns convites (na área de consultoria), mas não comecei nada. Queria descansar um tempo antes. Tive um convite do governo, mas teria que ir para Brasília. Eu preferi continuar no Rio, pois eu realmente já me adaptei e gosto, como bom mineiro, de praia (risos). Vou todo dia à praia.

Você voltaria para a Prefeitura de Belo Horizonte, onde realizou um trabalho elogiado à frente da Fundação Municipal de Cultura, durante o governo de Márcio Lacerda?

Não, porque existe um projeto que está sendo levado depois que eu saí e precisa ir até o final. Continuam fazendo os trabalhos que nós desenvolvemos, como a Virada Cultural, que voltou depois de dois anos, com grande sucesso, além dos festivais todos, mas há um modelo de gestão que é diferente do que eu gosto de imprimir, que é aquele mais voltado para o resultado e para a abertura de novos campos.

Qual é a razão de você ter saído da Fundação no quarto mês de gestão de Alexandre Kalil?

A verdadeira razão eu não disse para nenhum jornal. A versão oficial é real, pois fui fazer um pós-doutorado em Portugal, mas houve uma série de questões. Explicando do início: durante a campanha, o Kalil me chamou para continuar. Lembro que eu e o secretário Valadão (Josué Valadão, da pasta de Obras e Infra-estrutura) fomos os únicos a não serem exonerados na troca. E havia acontecido um fato muito grave na minha vida, ocorrido no dia 24 de junho (de 2016), que foi a morte de minha mãe. Eu cheguei até o final daquele ano com uma situação emocional muito abalada. Quando o complexo da Pampulha foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em Istambul, um momento de coroamento de um trabalho, eu não consegui ir. Já tinha até conversado com o prefeito Marcio Lacerda que queria deixar (a Fundação). Eu cuidava, não sei se você se lembra, não só da Fundação como também da Belotur e do Centro de Referência da Juventude (CRJ) – uma das coisas que mais gosto de lembrar em minha passagem pela Prefeitura.

Por quê?

Foi o CRJ que me deu força humana para passar por este período da minha mãe. Com a ocupação do espaço, houve um processo muito gratificante para mim. Minha mãe no hospital e eu conversando com os meninos. Aí ela falece, de problemas no coração. O homossexual tem uma relação com mãe muito forte, né? Tínhamos uma relação muito louca, de brigarmos 24 horas e de nos amarmos 24 horas. Depois, sabe quando você sente que está arrastando uma bola de ferro e seu corpo se deteriorando? Comecei a tomar remédio pra depressão... Mas como eu ia largar, como eu iria deixar a Pampulha em véspera de virar Patrimônio da Humanidade, a lei de incentivo municipal que começou a vigorar em janeiro daquele ano? Estava num momento de deixar legados estruturantes de lei. Era preciso que este trabalho desenvolvido com tanto amor, que é a palavra que eu resumo o que fiz na Fundação, tivesse seguimento. Tinha dia que eu não conseguia trabalhar. E eu não sou assim. Isso foi me incomodando.

E por que continuou trabalhando no governo seguinte?

No dia que o Kalil me convidou, eu disse para ele: “Prefeito, no mês de abril receberei o resultado para uma pós-graduação, que será uma maneira de eu descansar um pouco. Vou ficar muito doente, estou sentido isso. Mas ajudo o senhor resolver e a estruturar a cultura”. Então não foi surpresa.

Com a entrada de Kalil, foi recriada a Secretaria de Cultura do município. Você era favorável a ter estas duas estruturas – a Secretaria e a Fundação?

Uma ressalva que eu sempre fiz foi a criação da Secretaria. E a história destes três anos provou isso. É algo que acontece na esfera nacional também, pois temos a Embratur e o Ministério do Turismo, que cuidam do turismo. Eles nunca se aliam, pois cada um tem uma potência. No ano passado, o Bolsonaro pôs na Embratur o Gilson Machado, que era antagônico ao ministro Marcelo (Álvaro Antônio). Na verdade, função é a mesma. A FMC colocou, nos últimos anos, um arcabouço tal de leis que, em alguns casos, não foram aprovadas ainda, como as leis do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua, do Festival Internacional de Quadrinhos. Tudo foi feito pela Fundação, que também criou a lei de incentivo, algo que não existiu por 20 anos, além de todos os sistemas de cultura, fazendo toda uma articulação política.... Dizer que é preciso ter uma secretaria, criando mais 20, 30 cargos, para fazer a articulação política? Ora... Num momento em que o poder público precisa enxugar a máquina e ter mais sobriedade, criarmais órgãos não é producente. No governo federal, inchar a máquina pública foi justamente um dos desastres que o levou a esta proliferação imensa de cargos e sobreposição de funções. O que acontece: o dinheiro acaba sendo perdido no meio do caminho. O problema é sempre o velho e “bom” loteamento de cargos. Na hora do prefeito fazer a coalizão, ele dá a Fundação para um e a secretaria para outro. Olha aí o desentendimento. Quem aparece mais: o secretário ou o presidente da FMC? Então, é muito sábio a Fabíola (Moulin) acumular as duas coisas (a fundação e a secretaria; segundo ela, de forma interina), deixando a gestão mais eficiente e fazendo um trabalho uníssono. Isso prova a minha tese: não é cargo que resolve o problema da cultura. É gestão.

Você chegou a falar com o Kalil na época?

Falei, mas havia e há, historicamente, uma parte da classe artística que achava que, quando a Fundação cambaleou, a secretaria iria salvar a Cultura. Para lembrar, a fundação teve um momento, na época do Lacerda, que os artistas se rebelaram contra o decreto de proibição do uso da Praça da Estação (estimulando os movimento de ocupação), quando houve a Praia da Estação (convocadas pelas redes sociais, pessoas vestiram roupa de banho e usaram a fonte, obrigando, mais tarde, a prefeitura a revogar a decisão). O governo dele tinha uma vertente mais de centro-direita e a cultura sempre tinha sido gerida pela esquerda. Os artistas se rebelaram com razão e criaram movimentos populares importantíssimos no processo de construção identitária de BH, chamando o povo para o debate. Quando houve o rompimento do PT com o governo é quando eu chego na FMC, vindo do Museu Abílio Barreto. Chego sozinho, sem nenhum diretor, e iniciamos um processo de construção democrático, sem perseguição e focado em resolver os problemas e dar um novo sentido de acordo com o que a cidade precisava. A Fundação esteve muito frágil em determinado momento, mas depois toma um rumo de gestão. No finalzinho, havia poucas pessoas que falavam em secretaria. Mas houve um compromisso do prefeito com alguns grupos que estão lá hoje, ligados ao Psol e à esquerda histórica da cidade. E eles queriam a secretaria.

No início da nossa conversa, você fala das diferenças no modelo de gestão da Fundação, da que você implementou e a atual. Quais seriam?

Eu não tenho condições de avaliar realmente a gestão hoje, porque não acompanho. O que eu disser vai ser falácia. O que vejo é o seguinte: números. A execução orçamentária da Fundação era 100%. E hoje estaria em 60%, 70%. Isso já é um parâmetro. Isso é gestão. Executar orçamento é uma dificuldade que a cultura tem. Pensar em resultados é inverter a lógica. É melhor não ficar se perdendo no debate, porque ele já está posto. Existe o Plano Municipal de Cultura feito pela comunidade, a mil mãos.

E este problema de execução orçamentária tem a ver com a criação da Secretaria?

Eu acredito que sim. A Fundação estava ligada diretamente ao gabinete do prefeito. E não foi algo que eu criei, mas sim o Fernando Pimentel. Hoje ela está ligada à Secretaria de Cultura, sendo mais uma entre todas as secretarias. O lugar de destaque que a Fundação tinha, de despachar com o prefeito da cidade, com a cultura ligada ao organograma da prefeitura, acabou se perdendo.

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