
Não são poucos os cineastas de renome mundial que se deixam atrair pela cultura japonesa, buscando elementos que, dentro do mundo ocidental, não seriam evidenciados da mesma forma – a tradição, o distanciamento, o machismo e a disciplina nipônicas estão presentes em filmes que vão de Clint Eastwood e Steven Spielberg a Sofia Coppola e Abbas Kiarostami.
O alemão Werner Herzog buscou em “Uma História de Família”, em cartaz no cine Belas Artes, desenvolver uma ideia que vai na contramão do que o título sugere. As famílias estão, de certa maneira, despedaçadas e as pessoas recorrem a uma empresa que cria parentes de fachada. Embora seu dono diga que não atuam, essas mentiras estabelecem narrativas fictícias
Gênio da lâmpada
Os clientes perseguem um sentimento postiço para preencherem a vida deles. Como uma senhora muito reservada, ganhadora de uma loteria local, que pede para criarem a possibilidade de reviver a experiência de quando recebeu a notícia do prêmio. Ishii aceita os pedidos sem muito questionar, na função de um sorridente gênio da lâmpada – de uma magia apenas efêmera.
Herzog, um contumaz questionador das próprias imagens em movimento, põe na mesa uma discussão sobre o seu ofício, a partir da necessidade de apresentar alegrias passageiras. As belas imagens da capital japonesa e seus costumes se esfacelam na flagrante fragilidade daqueles seres, nos levando a questionar o papel de Ishii. Seria ele uma mera prostituta de emoções?
Na trama do longa-metragem, clientes alugam parentes para substituir vazio e problemas familiares
Quando Ishii visita um hotel onde os atendentes são robôs humanos, Herzog amplia a sensação de superficialidade e deslocamento como um mal de nosso século. A sequência se fecha com uma pergunta do robô – “Como você se sente hoje?” – e a imagem do protagonista duplicada num aquário. Em seus sonhos, as pessoas se suicidam sem espadas, uma sensação que o cineasta descreve como “morrer sem estar morto”.
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