Do ventre à pele do tambor: Malta conecta percussionistas mulheres da América Latina

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
31/08/2018 às 18:13.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:13
 (Malta/Divulgação)

(Malta/Divulgação)

Julieth Margarita Ortega Escobar/Divulgação 

Entre Jenn del Tambó e Orito Cantora, as criadoras da Malta Chaya Vazquez, Poliana Tuchia e Isabela Leite

“A vibração do tambor é um elo conector com o centro da Terra. A força do couro, da madeira e do corpo o vincula com a mulher e sua relação com o ventre, o parir, o gestar outra vida”. A reflexão é de Chaya Vazquez, percussionista argentina radicada em Belo Horizonte há 18 anos. Junto às percussionistas mineiras Poliana Tuchia e Isabela Leite, ela criou, em 2016, a Malta (Tamboreras de América Latina Reunidas pelo Tambor), rede que busca conectar mulheres de países latino-americanos cujos trabalhos enfocam a música percussiva.

Da próxima quinta-feira (6) até o fim de setembro, a Malta realiza uma série de shows, vivências e oficinas com quatro percussionistas latinas: Carolina Cohen, da Argentina; María Pacífico, do Pacífico Sul colombiano; e a dupla Jenn del Tambó e Orito Cantora, do Caribe colombiano, que vêm a BH pela terceira vez. “Em 2016, fizemos uma residência aqui, a convite de um encontro de mulheres chamado Zona Lamm. Ali, nos conectamos com Chaya e Isabela e começamos essa história maravilhosa”, conta Orito.

Entre as atividades deste ano, estão shows que integram o Zona Lamm e o Música Mundo – como o baile da Orquesta Atípica de Lhamas, banda que se debruça sobre ritmos latinos como a cumbia e tem Vazquez e Tuchia entre as integrantes. “Em 2017, Jenn e Orito tocaram com as Lhamas pela primeira vez e agora repetem a dose, dessa vez com María Pacífico. Apesar de serem do mesmo país, Jenn e María nunca tocaram juntas e dividirão o palco pela primeira vez em BH”, pontua Tuchia, lembrando que Pacífico e Cohen aportam na capital mineira pela primeira vez.Malta/Divulgação 

As artistas colombianas Jenn del Tambó e Orito Cantora voltam a Belo Horizonte pela terceira vez

Cura e empoderamento 

Vazquez conta que a rede surgiu a partir das dificuldades enfrentadas pela mulher no universo percussivo, de maioria masculina. “A Malta não se trata apenas de mulheres percussionistas, mas de mulheres que trabalham o tambor como forma de cura, de reconciliação e de multiplicação”, explica. “O tambor no Caribe colombiano é um instrumento tocado geralmente por homens e é um elemento de disputa e competição entre eles. Para nós, tomar esse instrumento e ressignificá-lo faz com que ele ganhe outra identidade. Não de competição, mas de empoderamento. Um amplificador, interno e externo, para que tenhamos mais segurança em nós mesmas”, reflete Orito.

Nesse sentido, Tuchia lembra a importância da plataforma online da Malta para conectar e fomentar trabalhos percussivos femininos no continente. “As mulheres precisam de força para continuar seus trabalhos. Existe resistência da classe artística, do meio folclórico e percussivo. Conectando e juntando essas mulheres em uma plataforma, damos forças para que persistam e se multipliquem”, ressalta. “Muitas dessas mulheres não têm condições de ter um site próprio. Então, a plataforma é uma maneira de gerar visibilidade, de organizar seus materiais para quando forem vender um trabalho”.

Conexão latina 

Outro ponto crucial para a Malta é a quebra de fronteiras, assinalado na integração do Brasil com os demais países latino-americanos. “Talvez pelo tamanho e pelo idioma, há um isolamento do Brasil para com a América Latina. Tem 18 anos que estou aqui e, com as Lhamas, foi a primeira vez que pude compartilhar da minha cultura, mostrar uma letra em espanhol e todo mundo ouvir. De alguma forma, sinto que agora consigo retribuir conhecimento a esse país que me acolheu e tanto me ensinou. E a Malta também cumpre esse papel”, afirma Vazquez.

Isabela Leite ressalta a potência da troca de saberes com os países “hermanos”. “A busca por essa por essa reconexão é muito necessária. Nesse processo, há um descobrimento de culturas tradicionais muito curioso. Quando escutamos um ritmo colombiano, por exemplo, conseguimos identificar elementos de ritmos brasileiros. É como se conhecêssemos mais sobre a cultura afrobrasileira por meio de fontes de outros países”, afirma a percussionista. Malta/Divulgação 

A percussionista colombiana María Pacífico vai participar de shows, oficinas e uma vivência pela Malta

BH: a capital da força feminina na percussão

Criadoras da Malta, Chaya Vazquez, Poliana Tuchia e Isabela Leite conectaram-se pelos caminhos da música percussiva e do circo em Belo Horizonte. Integrantes da trupe de palhaçaria Trampulim, Vazquez e Tuchia se encontraram na Spasso Scola de Circo, lugar onde também foi gestado o Trovão das Minas, primeiro grupo de maracatu de baque virado da cidade, fundado por Lenis Rino. No Trovão, conheceram mulheres como Isabela Leite, com quem se juntaram no carnaval de rua e no Frito na Hora, grupo percussivo de improvisação por sinais, regido por Vazquez.
Para Leite, a Malta é o desaguar de uma condição sui generis da percussão de BH: a quantidade de mulheres potentes.

“Quando cheguei no Trovão, me vi encantada não só pelos tambores e pela cultura popular, mas por aquela fortaleza de mulheres. Vejo muito essa ligação do tambor com o feminino por conta dessa construção em BH, feita por várias mulheres que vieram antes de nós e nos inspiraram, abrindo caminhos para que hoje possamos trabalhar de forma igualitária”, afirma, citando nomes como Jabu, Aline e Adriana Morales; Daniela e Samantha Rennó; Daniela Ramos; Josefina Cerqueira; Analu Braga e Alcione Oliveira. 

Envolvida com o universo percussivo desde os 13 anos, Tuchia faz coro. “Minas não é um lugar de origem de tradições como o maracatu. Então, nunca existiu uma limitação, em nenhum momento alguém disse que nós, mulheres, não podíamos tocar”, afirma, lembrando ainda pioneiras do Tambor Mineiro, como Raquel Coutinho, Danuza Menezes e Beth Leivas. “Assim como me inspirei nessas mulheres, é muito poderoso inspirar outras que chegam agora, multiplicando o conhecimento. Muita gente acha que o tambor é um instrumento masculino, que precisa de força para tocar. Só que as mulheres têm essa força. Sabem tocar bem e fazer muito bonito”, finaliza Leite. Maqui Pichinini/Divulgação 

A argentina Carolina Cohen vai ministrar oficinas de rumba cubana e afroperuano, além de participar de shows

Plataforma online

Para conhecer mais sobre o trabalho da Malta e das percussionistas latino-americanas conectadas pelo tambor, acesse a plataforma digital www.maltabrasil.com. No site, também é possível conferir textos e fotos sobre cada uma das integrantes da rede, além de escutar músicas e aprender mais sobre os ritmos de seus países de origem.

Agenda Malta

Shows

  • Que Viva La América! – A Festa! Quinta-feira, 6/9, às 22h, n’A Autêntica (rua Alagoas, 1.172 – Funcionários). Ingressos: R$ 20 (na portaria)
  • Orquesta Atípica de Lhamas – El Baile de las Tamboreras. Sexta-feira, 7/9, às 22h, no Bar Latino (av. Teresa Cristina, 537 – Prado). Ingressos: de R$ 15 a R$ 25.
  • Malta no Música Mundo – Carolina Cohen, Maria Pacífico e Claudia Manzo. Domingo, 9/9, no Museu de Artes e Ofícios (praça Rui Barbosa, 600 – Centro). Gratuito, ingressos limitados.

Oficinas | Sala dos Canteiros (Rua Passatempo, 562 – Carmo Sion)

  • Carolina Cohen (ARG) – Dia 10/9, das 14h30 às 17h30 (rumba cubana); das 18h às 22h (afroperuano). Investimento: R$ 50 (uma aula) ou R$ 100 (duas aulas)
  • Jenn del Tambó e Orito Cantora (COL) – Workshop de Ritmos do Caribe Colombiano. Dia 12/9, das 19h às 22h. Investimento: R$ 50
  • María Pacífico (COL) – Workshop de Música Tradicional do Pacífico Sul da Colômbia.Dias 19 e 20/9, das 19h às 22h. Investimento: R$ 50 (uma aula) ou R$ 100 (duas aulas)

Vivência

  • Zona Lamm + Malta no Música Mundo – Criar e produzir entre mulheres: redes e residências latinoamericanas. Sexta-feira, 7/9, das 16h às 18h, no Centro de Referência da Juventude (praça Rui Barbosa, 50 – Centro)
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