Documentário 'A Última Floresta' revela imagem e cultura do povo yanomami, isolado na Amazônia

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
10/09/2021 às 08:18.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:51
 (Pedro Marquez/Divulgação)

(Pedro Marquez/Divulgação)

O xamã e líder yanomami Davi Kopenawa não escondeu a desaprovação com “Ex-Pajé”, filme de Luiz Bolognesi, que retrata um pajé humilhado por religiosos. O que não impediu que ele aceitasse a proposta do diretor para fazerem juntos “A Última Floresta”, já em cartaz nos cinemas. 

“Davi, que não gostou do meu filme anterior, não queria fazer algo daquele jeito, porque o xamã estava fraco. Falou que, na comunidade, eles estão fortes. Não queria mostrar indígenas morrendo com o mercúrio do garimpo, mas sim a beleza, a potência e o modo de pensar deles”, conta Bolognesi.

O cineasta lembra que a intenção do xamã yanomami foi bem clara quando topou assinar o roteiro: “Levar como uma flecha a imagem daquele povo para o mundo”. O desejo foi atendido. O documentário tem sido muito bem-recebido por onde passa, tendo conquistado o prêmio do público na mostra Panorama no 71º Festival de Berlim.

Para Kopenawa, são os povos da cidade que estão doentes. Quatro meses antes da Covid-19 surgir na China, no final de 2019, ele já tinha sonhado com os efeitos da pandemia. “Ele previu que, ao cavarmos minério sem parar, estaríamos levantando a fumaça da doença, espalhando-a pelo mundo”.

Bolognesi afirma que aprendeu muito durante os dez dias de filmagem. Foi maravilhoso mergulhar no universo de outra cultura, que é potente e sábia, com uma ciência extremamente elaborada. Digo que vivi um processo de diretor perder o controle o tempo inteiro”.

Para o realizador, o filme simbolizou um grande processo de escuta, admirando cada vez mais a figura de Kopenawa na aldeia. Bolognesi define o livro “A Queda do Céu”, escrito pelo xamã ao lado de Bruce Albert, como o “Grande Sertão: Veredas” do século 21, devido à sua poética.

“O que podemos chamar de liderança carismática. É líder porque as pessoas querem que ele seja. Diferentemente de nossos líderes autoritários, ele sabe abrir mão dela para passar a bola para os outros. Foi o que eu fiz também. Como diretor, abri mão de dar resposta para tudo”, diz o cineasta.

Diretor temeu que o resultado pudesse se tornar hermético

Numa cena crucial de manifestação das tradições ianomamis, os dois atores principais do filme apareceram com short Adidas e chinelo. Luiz Bolognesi achou que aquela sequência poderia soar mal aos olhos do público e falou aos índios que a vestimenta não representaria a essência da história.

Como resposta, o cineasta recebeu dos dois jovens um “quem lhe disse?”. “Aí lembrei, em minhas aulas na USP, sobre uma temporalidade do mito que é circular. Ela pode ter acontecido ontem, com o xamã contando uma história em que a entidade pode estar junto de um celular ou moto”, observa. No filme, Bolognesi tomou decisões “radicalmente ianomamis”, chegando a ficar com receio de deixá-lo hermético ao grande público, principalmente ao se deixar conduzir pelo acaso e pelos sonhos do xamã Kapenawa. “Se não desse certo, pelo menos teria feito um filme para os ianomamis”. 

Sessão

A exibição de “A Última Floresta” na aldeia onde ele foi rodado teve um significado muito especial para o diretor. “Uma das sessões mais especiais da minha vida. Foi uma coisa muito impressionante, voltar para lá e montar o cinema junto com os ianomâmis”, lembra Bolognesi.

Para ele, os indígenas, ainda que tivessem contato com o cinema pela primeira vez, já estavam acostumados com a expressão artística, a partir do xamanismo, que nada mais é que uma teatralização na comunicação. “Eles digeriram com muita facilidade, porque é mais uma forma de arte”, analisa.

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