Dona Valdete se foi, mas deixou um legado: Meninas de Sinhá

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
08/03/2014 às 08:28.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:30
 (Wesley Rodrigues - Hoje em Dia)

(Wesley Rodrigues - Hoje em Dia)

Há quase dois meses Belo Horizonte perdeu um dos mais importantes personagens da sua cultura e memória contemporâneas. Dona Valdete, fundadora do grupo de cantigas Meninas de Sinhá, faleceu aos 75 anos de idade no dia 14 de janeiro em decorrência de um acidente vascular cerebral.   Baiana, moradora do bairro Alto Vera Cruz, Valdete da Silva Cordeiro veio para Belo Horizonte ainda menina. Inconformada com problemas sociais da região onde vivia, resolveu ela mesma arregaçar as mangas ajudando vizinhos e amigos a saírem do fundo do poço. Não por menos, transformou-se em uma das lideranças comunitárias mais respeitadas e benquistas do Estado.   Mãe de quatro filhos e avó de 16 netos, Dona Valdete ajudou a abrir ruas e a construir espaços de lazer – como o primeiro campo de futebol do bairro.   Assim como muitas outras mulheres, ela carregou muitos baldes d’ água na cabeça até que o sistema da Copasa fosse implantado lá em cima. E como Dona Valdete brigou por isso.   Mas ao contrário do que se pode supor não é do legado material e das batalhas diárias por direitos legítimos de mulheres e homens, que famílias inteiras se põem a lembrar de Dona Valdete.    Para os moradores do Alto Vera Cruz, a herança deixada por ela é também outra. No entanto, poucos falam com tanta propriedade sobre isso como as Meninas de Sinhá.   Não é raro ouvir das 28 integrantes do grupo que Dona Valdete foi responsável por promover a melhor das liberdades – a interior e a cura da “doença da alma” – a depressão.   Com a morte da líder do grupo, o receio da comunidade era de que o Meninas também se extinguisse. “Ela dizia que se algo acontecesse com ela, o grupo tinha que continuar e até pediu, certa vez, que as Meninas cantassem no velório dela”, recorda a produtora do grupo, Patrícia Lacerda.   “E o que nos coube fazer a essa mulher que tanto ajudou a tanta gente? Atender aos pedidos dela! Assim como as Meninas cantaram no sepultamento de Dona Valdete, agora é hora de seguir na estrada”.    Dezoito damas cheias de cor e riso   Pontualmente, às 10 horas da última sexta-feira (7), um grupo de 18 senhorinhas com lenços na cabeça, blusas vermelhas e saias de chita apontou na Praça do Sol, no Parque Municipal de Belo Horizonte, como verdadeiras damas cheias de cor e riso. Quem estava ali, não resistiu e parou, mesmo que só um pouquinho, para vê-las chegar.    O motivo de estarem ali era para contar, para este 8 de março, Dia Internacional da Mulher, um pouco sobre a importância de Dona Valdete para cada Menina e os rumos que o grupo está tomando desde o falecimento de sua fundadora.    Verdade é que os depoimentos das senhoras muito se assemelham. Em comum, revelam histórias de depressão e tragédias familiares. Em um momento ou outro, todas acabaram sendo amparadas pelo afeto e incentivo de coragem de Dona Valdete. Dos depoimentos mais comoventes, está o de Maria Geralda de Paula, 75 anos.   “Antes do Meninas, eu não saía para canto algum. Hoje em dia, sou uma pessoa alegre e vivo a minha infância agora, porque até isso ela me ensinou. Foi a Valdete que devolveu a menina que havia em mim”.    “Dia desses, eu fui contar e poxa vida! Foram 35 anos de amizade e nós éramos sempre tão agarradinhas! Acho que é por isso que até hoje eu não acredito que ela morreu. A Valdete era mulher rara, dessas inesquecíveis, sabe?”   Susto e dança   Entre as histórias vividas, Geralda Rosa, 94 anos, a mais velha do grupo, lembra do susto que elas passaram em uma cidade do interior de Minas. “A gente viu um rio e queria porque queria tirar foto perto dele. Então, lá fomos nós, ribanceira abaixo, quando, de repente, veio um caminhão desgovernado e quase cai bem em cima da gente”.   “Menina, a gente teve que se jogar na água para não morrer e, quando o susto passou, a Valdete ficou um pouco assim, cabreira, né? E determinou: ‘Ninguém fala nada’. Então, entramos numa igreja e rezamos. Depois fomos dançar e comemos muita coisa boa. Naquele mesmo dia, eu falei baixinho assim com ela: ‘Nossa, Valdete, quase que a gente morre’ e ela respondeu: ‘Não senhora! Quase que a gente morre nada! Quase é que a gente dançou foi muito’! A Valdete era tudo isso que a gente conta. Ela era ótima”.    

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