'Essa estrada nos dá um orgulho grande', diz Podé ao relembrar trajetória de 25 anos do Tianastácia

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
20/12/2021 às 07:53.
Atualizado em 29/12/2021 às 00:34
 (Alexandre Neves/Divulgação)

(Alexandre Neves/Divulgação)

Do “cérebro que derrete quando alguém cheira loló”, presente na letra do primeiro grande sucesso do grupo (“Cabrobó”), a Jesus Cristo, representado pela entrada do baterista e ator Dudu Azevedo, protagonista da novela bíblica da Record. 

Entre os meninos que decidiram montar uma banda, no meio de um passeio de bicicleta, mesmo sem saber tocar instrumentos, e o lançamento de “Sonhos Loucos”, são 25 anos de história de um grupo que estufa o peito para afirmar que faz “rock de raiz”. 

Esse é o Tianastácia, que, como todo grupo musical mais longevo, tem um repertório de brigas, separações e muita história boa para contar. Como na época em que, durante o Rock in Rio de 2001, salvou a noite após a nudez de um baixista gringo interromper o show anterior.

E quem nos conta é Podé Nastácia, vocalista desde 1997 do Tianastácia. Fã de Led Zeppelin e Marco Antônio Araújo, estudante de contrabaixo no Palácio das Artes e fundador do Zoom Bee Doo, viu o seu destino ser selado na mesa de uma padaria. Confira os detalhes nessa entrevista para o Hoje em Dia:

Vocês anunciaram o recém-lançado álbum “Sonhos Loucos” como comemorativo dos 25 anos da banda, mas o Tianastácia teria começado a tocar alguns anos antes, não é verdade?
Quando o Tianastácia ficou em primeiro lugar no FestValda, ganhou como prêmio a gravação de um disco pelo selo independente Cogumelo. “Acebolado” foi lançado em 1996. Por isso dizemos 25 anos. Eu não estava ainda, mas os meninos começaram bem antes, como banda de garagem. Todos eram amigos e não sabiam tocar (risos). O Beto, num depoimento que fez para um minidocumentário que vamos lançar, lembra que tudo começou na Praça do Papa, quando estava andando de bicicleta com o irmão Antônio Júlio, que propôs, em determinado momento, montar uma banda de rock. O Beto gostou da ideia e topou. Antônio Júlio disse que tocaria guitarra. Um amigo (escolheu a) bateria. Outro falou que iria cantar. O Beto perguntou, então, o que iria tocar. Alguém lhe falou que seria o baixo e ele nem sabia o que era. Na verdade, a gente se profissionaliza mesmo quando grava um disco.

“Essa estrada nos dá um orgulho grande. Só passando por tudo que a gente passou para conseguir o que fizemos.A estrada não é simples, é poeirenta mesmo”

Como você entrou na banda?
Os meninos ensaiavam num prédio da Afonso Pena, ao lado do McDonald’s. O André (Miglio), que era o vocalista, morava ali. Eu namorava a cantora Marina Machado, que também morava lá. Eu frequentava os ensaios e fiquei amigo deles. A Marina me incentivou a estudar canto na Babaya. Comecei fazendo canto popular e, após cinco anos, ainda estudei canto lírico com a Neide Ziviane, por quatro anos e meio. Na época, montamos um trio, formado por mim, pelo Maurinho e pela Marina. O Zoom Bee Doo. Os três cantavam e eu e Maurinho tocávamos violão. Quando o André resolveu sair do Tianastácia, eu estava estudando contrabaixo no Palácio das Artes. De repente, chegaram os cinco (integrantes) lá em casa, no momento que eu estudava, para me convidar para ser o vocalista. Fiquei muito honrado, mas em primeiro lugar queria conversar com o André, que era muito amigo meu. Marcamos uma reunião e conversamos por mais de duas horas. Até me propus a entrar para a banda junto com ele. Expliquei que a banda não podia parar, pois só se falava em Tianastácia em 1997. Ele estava irredutível, mas ainda assim topou fazer uma reunião com o grupo, numa padaria (risos). Mas não adiantou. Como eu tinha o Zoom Bee Doo com o Maurinho, busquei trazer ele também. A princípio, eles não queriam dois vocalistas. Seis pessoas seriam demais. Um dia levei o Maurinho para participar de um ensaio e os meninos ficaram encantados com ele, porque a gente tinha uma sintonia vocal muito grande.

O Tianastácia sempre foi um Clube do Bolinha? Nunca pensaram numa mulher na banda?
Nem pode, pois daria problema. Banda já é um casamento, né? No nosso caso, é um casamento sem sexo. Hoje em dia, são quatro personalidades muito fortes. Sempre foi assim. Acredito que uma mulher na banda seria um negócio muito complicado. Imagina uma mulher de TPM passando pelos perrengues que a gente passou... Na verdade, a gente nunca pensou nisso. Depois que o Maurinho entrou, já era muita gente. Não fazia sentido ter mulher na banda. Pensamos, sim, em contratar tecladista e backing vocal, mas nesses casos nem seriam da banda, mas pessoas contratadas. Também nunca rolou: a banda sempre foi baixo, guitarra e bateria.Alexandre Neves/Divulgação 

Lembro que, em “Orange 7”, vocês buscaram uma pegada mais pop, com a inclusão de teclado e melodias mais lentas.
Sim, com o João de Deus. Na verdade, ele era guitarrista, backing vocal e tocava teclados. Ele era primo da ex-mulher do Maurinho. A gente sempre teve muita personalidade no som. Ao mesmo tempo que é um disco amado, “Orange” também é odiado, porque os fãs que gostavam das coisas mais nervosas do Tianastácia reclamaram por ser “violão demais”, cheio de músicas de amor. Mas abrimos com ele uma outra janela, que também é muito interessante. O Tianastácia está fazendo 25 anos exatamente por isso: a gente está sempre se reinventando. Não dá para ficar tocando “Eu Não Tomo Mais o Chá” e as músicas do primeiro disco. Em “Acebolado”, era um bando de moleques que estava descobrindo a vida. E eles amadureceram. Mudar faz parte do processo. O “Orange” foi bem marcante na nossa história. Não estamos aqui para agradar os amigos que gostam de rebeldia e heavy metal. 

Apesar dessas experiências, vocês ainda se definem como “roqueiros de raiz”, o que, hoje em dia, não significa um mercado amplo, já que ele está dominado por gêneros como sertanejo, pagode e funk.
Sempre nos consideramos como uma banda de rock. É a nossa origem. No Tianástica, cada um tem uma característica que leva para o nosso som. O Beto e o Antônio Júlio têm uma referência no punk. Já eu cresci escutando MPB, começando pelo Clube da Esquina. Depois passei para o rock, com Led Zeppelin, Rolling Stones, The Doors, Pink Floyd... E teve ainda aquela época grunge, que me agradava muito. Red Hot Chilli Peppers, Pearl Jam e Stone Temple Pilots estão entre as bandas que eu mais escuto. Além de Led Zeppelin, que não consigo parar de ouvir. Sempre escutei muita coisa. Tenho a influência de Marco Antonio Araújo, um mineiro que fazia uma música instrumental maravilhosa. Era alucinado por ele, tirando as músicas ao ouvir os vinis, especialmente um bem barroco, chamado “Entre um Silêncio e Outro”, que é só violão. Ele foi o primeiro violoncelista do Palácio das Artes. O 001 na inscrição. 

O Tianastácia se apresenta nesta terça, às 20h, acompanhado pela Orquestra de Câmara no Sesc. O espetáculo será no Sesc Palladium. Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria mediante a doação de dois litros de leite

O ápice do grupo foi em 2000 e 2001, quando se apresentou no Rock in Rio?
O Rock in Rio foi o maior show que a gente fez, sem sombra de dúvida. O Dinho Ouro Preto, que participa do nosso novo disco numa música, diz que foi ali o maior show que o Capital Inicial já fez. A gente deu muita sorte, porque poderíamos tocar no dia do heavy metal, no palco Mundo, ou do rock, no palco Brasil. Era um de frente e o outro de lado; os dois gigantescos. E para nós era mais interessante tocar no dia do rock. Tivemos o exemplo do Carlinhos Brown, que foi tocar no dia do heavy metal... Antes do nosso show, uma banda gringa (Queens of the Stone Age) tocava no palco Mundo. Eu estava encantado naquele lugar, que mais parecia uma cidade. O camarim era tipo um shopping-center, distante dos palcos. Os artistas bebiam o que quisessem e faziam ali as suas refeições. Depois pegavam uma van para ir para o palco. Eu estava caminhando para lá e encontrei com um dos coordenadores. Ele me perguntou se gostaríamos de tocar mais e eu, imediatamente, disse “claro!”. “Então vá para o camarim agora”, avisou. Falei para ele ir comigo, porque os caras não iriam acreditar. Quando chegamos, ele disse para colocar mais dez músicas no repertório. Nosso show tinha 45 minutos, enquanto o do palco Mundo tinha 1h20. O que aconteceu foi que o baixista (do Stone Age) tinha entrado pelado, com a polícia interrompendo o show deles. Uma pessoa subiu no palco e avisou que o Tianastácia iria tocar no Brasil. Tivemos muita sorte, pois tocamos mais meia hora, no mínimo. Para nós, foi um divisor. A música ao vivo de “Cabrobó” ficou tocando na rádio Cidade, rádio especializada em rock, durante dois anos. Ela e a versão que fizemos de “Faroeste Caboclo”.

Você já falou que a formação atual, com Dudu Azevedo na bateria, vem compondo muito, mas “Sonhos Loucos” só tem seis inéditas. As outras são regravações. Por que?
Fizemos um disco comemorativo dos 25 anos de banda, adicionando seis músicas novas. É exatamente essa história de se reinventar: queremos fazer uma comemoração sim, mas temos também coisas novas para mostrar. Tem sangue novo na parada. É um outro momento da banda, um pós-pandemia. Na verdade, um meio de pandemia, porque começamos em fevereiro. Essa história começou antes. O Antônio Júlio conheceu o Dudu há dez anos e eu vim ter contato com ele cinco meses antes de fazer o convite para entrar na banda. A gente conversava todo dia praticamente, pelo WhatsApp. Nós fizemos uma música pelo aplicativo. Já que não tínhamos um batera fixo, nos perguntamos porque não chamar o Dudu para o grupo, um cara tão massa, que agrega tanto. Achava que a possibilidade de aceitar era pouca, porque ele faz muito filme e novela. Como tínhamos a reunião marcada com o produtor Liminha, no Rio, combinamos de ligar para o Dudu quando chegássemos. Mas ele estava gravando um filme no Uruguai. Eu liguei para ele, não atendeu. O Antônio Júlio ligou e também não atendeu. Esperamos cinco minutos e ligamos de novo. Nada. Já estávamos desanimados quando o Dudu liga de volta, perguntando o que tinha acontecido. Ele ainda estava no set, escondido atrás de uma pilastra, porque não podia falar ao telefone. Acionamos o viva-voz no carro e fomos direto ao assunto. Ele até engasgou na hora, porque sempre foi fã do Tianastácia. Dudu topou na hora. Era o sonho da vida dele. Há 30 anos que lutava para criar uma história musical.

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