(Divulgação)
São sempre muitas as motivações que se ativam mutuamente para delinear um livro de poesia, diz Eucanaã Ferraz, indagado sobre o que deu o start a “Escuta” (Companhia das Letras), sua mais recente investida no mercado editorial, e no bojo da qual chega a Belo Horizonte nesta terça-feira (12), para participar do “Ofício da Palavra”, no Museu de Artes e Ofício.
“Não raro cada poema obedece a um conjunto de fatores inéditos que também não se repetirão adiante. Mas pode haver entre eles, sim, uma corrente mais ou menos tênue de questões”, prossegue o premiado escritor carioca.
Ferraz conta que, após publicar “Sentimental”, em 2012, sua gaveta se esvaziou. “No entanto, permanecia uma espécie de programa que gostaria de perseguir ainda, percebendo que havia muito o que fazer. ‘Escuta’, desse modo, continua uma pesquisa iniciada antes, e esta poderia ser resumida como um desejo de ver até que ponto o poema pode suportar a presença bruta da confissão, dos afetos, do vivido em tensão com os preceitos formais que orientam a escrita do verso”, resume.
Manifesto
Ante o desafio de destacar, a seu bel prazer, um momento da nova obra a levar sua assinatura, Eucanaã se direciona à primeira parte do livro, “Orelhas”. Mais especificamente, ao poema cujo título é apenas “1”. “Ele é quase um manifesto, que defende o investimento naqueles aspectos que citei. E, assim, acaba por ser também uma defesa de tudo o que parece errado do ponto de vista do bom gosto, da elegância, do bom acabamento, da sobriedade e assim por diante. Não se trata de um simples recuo a uma hipotética ingenuidade romântica; ao contrário, penso que este poema – e o livro como um todo – tem como desejo avançar frente a certos escrúpulos modernistas, construtivistas ou de vanguarda. Todos nós sabemos que, na história da arte moderna, muitas vezes buscou-se um esfriamento dos estados afetivos. Tais gestos foram importantes e algo semelhante pode ser rentável ainda hoje como preceito para determinados criadores. Mas a mim tem interessado trazer para dentro do poema, entre as muitas matérias utilizadas na sua
escrita, a emoção, que não se limita à minha experiência pessoal stricto sensu, já que meus estados de ânimo se constituem também por experiências que me transcendem como sujeito, incluindo-me dentro de um quadro maior, que envolve outros sujeitos, bem como tempos e lugares que não experimentei como indivíduo mas que vivi pela emoção. Muita coisa está em jogo na escrita do poema. Eu quis (eu deixei) que o sentimento, ou ainda, os afetos tivessem força nesse livro. E o poema que citei é, de certa forma, uma síntese disso tudo”.
Estados sentimentais
Ao empregar a palavra emoção, Eucanaã frisa que se refere também a estados sentimentais cujo motor é a escuta do mundo – posto que poemas como o pungente “Index” ecoam fatos reais (como a queda do avião na Ucrânia). “Seria um erro primário pensarmos a subjetividade e o mundo interior sem conexão com o mundo em volta. ‘Escuta’ é, de fato, um livro violento. A poesia esteve todo o tempo aberta para escutar e agora os poemas pedem para ser escutados. Sabemos que a escrita poética é uma recriação da realidade. Observo, por fim, que a violência nesse livro também tem a ver com o amor, a paixão, a memória, o sexo, a alegria e uma série de estados afetivos extremos”, conclui.
Ofício da Palavra – Nesta terça-feira (12), às 19h30, no Museu de Artes e Ofícios (Praça da Estação, s/nº, Centro). Entrada franca. Leia outros trechos da entrevista no hojeemdia.com.br