(BELAS ARTES À LA CARTE/DIVULGAÇÃO )
Responda rápido: qual é o nome do primeiro filme dirigido por Martin Scorsese? E a estreia de Woody Allen como diretor de cinema, você se lembra do título? Como o início da carreira nem sempre coincide com um sucesso imediato, estes trabalhos inaugurais acabam não ganhando tanta relevância ou se tornando obscuros.
Conhecido por seu perfeccionismo, o cineasta americano Stanley Kubrick contribuiu para fazer de sua estreia em longas-metragens, como “Medo e Desejo”, lançado em 1953, uma obra ainda mais ignorada. Ele simplesmente tirou o filme de circulação, proibindo novas exibições, ainda que tenha recebido boas críticas na época.
Há nove anos, os fãs do diretor de “Spartacus”, “Lolita”, “2001 – Uma Odisseia no Espaço” e “O Iluminado” puderam ter acesso a “Medo e Desejo” a partir de uma cópia guardada pela Kodak. Disponibilizado em blu-ray, chega agora às plataformas de streaming como uma das atrações do mês do Belas Artes à la Carte.
O filme ajuda a lançar luz em torno de alguns temas caros a Kubrick, especialmente a questão da barbárie travestida de civilização. Este olhar surge na maneira como ele nos põe no meio de uma guerra – os lados não estão muito bem definidos e a verdadeira batalha, como deixa claro a narração, acontece na mente dos personagens.
A primeira cena mostra quatro soldados olhando para um avião no céu, sem saber se é “amigo” ou “inimigo”. Eles também estavam voando quando sofreram uma pane e caíram atrás das linhas do oponente. Estão numa floresta, cujo emaranhado de árvores é representativo da mente conturbada dos combatentes.
É fácil associar “Medo e Desejo” a “Nascido para Matar”, penúltimo trabalho de Kubrick e que também trata da perda da sanidade pelos soldados no front. O mais graduado do quarteto traça um mapa na areia que os levaria à salvação, mas todos eles acabam presos naquele lugar, mesmo quando têm a grande chance de fugir.
As falas proferidas quando os personagens estão sozinhos são potentes, carregando um quê hamletiano sobre destinos que devem ser cumpridos, ainda que signifiquem a morte. Elas aparecem, em certos momentos, exageradas – ou “prepotentes”, como Kubrick definiu a obra. O diretor recorre em demasia ao close, como se buscasse o que está na mente deles.
Em relação às imagens, elas são muito claras sobre a intenção existencial. Se os diálogos fossem retirados, ainda assim chegaríamos à essência da história, remetendo ao tempo do cinema silencioso, incluindo o destaque às expressões faciais. O que explica o fato de, originalmente, o longa ter sido concebido como um filme mudo.