Frases de poetas marginais ocupam muros, postes e portões de BH

Clarissa Carvalhaes e Vinícius Las Casas - Hoje em Dia
12/01/2014 às 08:13.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:17
 (Cidade Cinza)

(Cidade Cinza)

Há tempos, pichações e seus escritos (muitas vezes indecifráveis) perdem espaço nos muros das cidades para desenhos com cores, traços e técnica impressionantes. É assim desde que a era do grafite passou a moldar o que chamamos hoje de Arte de Rua. Dentro dela, o mundo já viu despontar artistas como Banksy, Inkie, Mr. Brainwash e, claro, os brasileiros Osgemeos, Kobra, Nunca e Alex Senna.   A novidade, no entanto, está em um manifesto que pouco a pouco vem ocupando as ruas, inclusive de Belo Horizonte, e que pode facilmente ser associado a outro movimento, nascido na década de 1960: a “Poesia Marginal”, que pregava a libertação poética tanto dos termos, como das plataformas utilizadas.    Há cerca de cinco anos, passaram a ganhar força nas ruas frases com conteúdo que pedem licença poética a escritores como Lúcio Cardoso e Cyro dos Anjos, contistas como João Antônio, poetas como Paulo Leminski e Charles Bukowski e até músicos como Nelson Cavaquinho.   Não é difícil encontrar em muros, placas, postes, e portões frases ora poéticas, ora filosóficas, ora políticas. Textos que saltam aos olhos do distraído transeunte. Estão em qualquer canto. “Queremos tirar a literatura da escola, das universidades, da revista especializada, e colocar nos tapumes, banheiros, bueiros. Ir além, escrever com tinta dourada que ‘o ouro acabou’, e à maneira de Lúcio Cardoso; investir contra o que há de pior na mineiridade”, comenta 7Capetas, um dos nomes que andam por aí, assinando poéticas de pecado pela cidade.   Vozes que a ditadura não calou   Nascida em um momento de repressão política (durante a Ditadura Militar) nos fins da década de 1960, a “Poesia Marginal” era levada para as ruas, praças e bares como alternativa de publicação, bem longe do alvo da censura.    Tudo era considerado suporte para a expressão e impressão das poesias, fosse um folheto, uma camiseta, xerox, apresentações em calçadas. Entre os “marginais”, Paulo Leminski e Chacal.   "A alma encantadora das ruas"   “Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nela tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica o amor da rua”.    O texto do cronista João do Rio (1881–1921) pode talvez determinar o que embala essa turma que anda por aí, invisível, escrevendo pelas ruas das cidades.    E invisíveis estão por motivo obvio: pichação, grafite ou frase são pura contravenção. Independentemente do registro, qualquer que seja, nenhum deles é visto com bons olhos por uma parte da sociedade, mesmo porque, os espaços – públicos e privados – são ocupados sem pedir licença, sem a menor cerimônia.   Em BH, já existem projetos para criação de leis que reconhecem o grafite como arte. A medida é urgente, afinal, como proibir e punir uma ação que é estimulada pela própria prefeitura em oficinas de grafite, como o Projeto Guernica?   “Há uma tentativa de diálogo com os artistas da rua, mas não existe o respaldo entre o que é grafite e o que é pichação. Às vezes, os atores são os mesmos. Além disso, também existe a intervenção poética que é só uma frase, mas como ela deve ser avaliada? É preciso avançar o diálogo e encontrar uma maneira de potencializar essa arte. Não é só determinar que grafite é arte e pichação é crime”, explica o artista-educador Marcelo Lin.   Cidade cinza   Com trilha sonora de Criolo e Daniel Ganjaman e participação de Osgemeos, Nunca, Nina, Finok, Zefix e Ise, “Cidade Cinza” é atualmente um dos filmes que melhor retratam o cotidiano dos artistas urbanos e a importância antropológica e social da Arte de Rua.   Ao lado de Marcelo Mesquita, Guilherme Valiengo assina a direção do documentário em cartaz no Cine Belas Artes, em Belo Horizonte, e em salas de São Paulo, Rio, Brasília e Porto Alegre.   “Se a cidade fosse bonita talvez essas pinturas não existissem. Tanto faz a forma (picho, grafite ou frase), o que importa é a plataforma – que é a rua. As pessoas só vão para lá porque estão querendo dizer alguma coisa”, comenta Valiengo.   “A gente não quer transgressão, mas apagar ou criminalizar esses manifestos é como calar a boca e as vozes de um povo. É um descaso com uma cultura que muda a vida de muita gente”, acrescenta.    De gente como Osgemeos. “Porque tudo que aprendemos foi na rua”, comenta o grafiteiro Otávio Pandolfo em “Cidade Cinza”.    Mas também muda a vida “de alguém que vai passar e ver um desenho acompanhado de uma frase, ou uma caligrafia, um stencil e dar um risinho cafajeste, fotografar, postar, contar pra alguém à noite no boteco ou na cama. Levamos o diabo da rua pro corpo”, completa 7Capetas.   “Vem pra rua: o Gigante acordou”   Muitos redatores publicitários conseguem ser grandes frasistas no mais puro espírito de Millôr ou Barão de Itararé. E aí, de repente, surge um título que vai funcionar tão bem em um anúncio, como fora dele.    Em 2013, uma frase criada para celebrar a Copa das Confederações, acabou embalando as manifestações de junho, que levaram milhares de pessoas para as ruas do país.    A música “Vem pra Rua” foi gravada por Marcelo Falcão, d’O Rappa, para ser um despretensioso jingle publicitário da Fiat, mas ganhou proporções inimagináveis.   No refrão, a música convoca a população: “Vem, vamo pra rua/ Pode vir que a festa é sua/ Que o Brasil vai tá gigante/ Grande como nunca se viu/ Vem pra rua/ Porque a rua é a maior arquibancada do Brasil”.   Um convite que soou irresistível e, assim, a campanha foi parar em cartazes, virou stencil nas mãos dos manifestantes, que passaram a pichar “Vem pra rua” em todo e qualquer espaço e transformou-se em hino que avisava: “O gigante acordou”.

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