Indiferente às pedras no caminho, um time bacana aposta no quem sabe faz a hora

Hoje em Dia
16/06/2015 às 08:00.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:30
 (Divulgação)

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Postada como uma novela, em capítulos, em seu blog, a partir de 2011, “Pólvora” trouxe uma boa surpresa para seu autor, o carioca Tico Santa Cruz: seus milhares de seguidores não só acompanhavam assiduamente o desenrolar como cobravam as atualizações da trama.   Desafiado, Tico resolveu publicar a sequência em um espaço à parte, para checar o número de views específico para a empreitada: e o número de 300 mil impactou-o de tal forma que resolveu disponibilizar o desenlace para download, “para aferir quem tinha de fato chegado até o final”, conta ele, ao Hoje em Dia. Mais uma vez, a (boa) surpresa: dez mil pessoas fizeram o download.   Elogios   Mesmo com esses números como trunfo, o vocalista do Detonautas não convenceu uma pá de editoras a publicar o romance policial em versão “livro físico”. A Belas–Letras acabou assentindo ao desafio e, em 2014, o livro saiu do prelo, com ilustrações de Carlinhos Muller.   Resultado: desde então, Tico tem saído por aí, todo orgulho, apresentando seu rebento ao público – e colhendo elogios de nomes insuspeitos, como Mário Prata (aliás, uma de suas referências). Aos 37 anos, o artista, convidado dessa terça-feira (16) do projeto “Sempre um Papo”, às 19h, no MM Gerdau, é um dos vários exemplos que provam que vale muito a pena, sim, nadar contra a corrente.   Gratuita   Verdade seja dita: para Maria Carolina Fenati, é o mercado que está numa direção que não aquela que acredita ser a certa, junto a mais três pessoas. Explica-se: Maria Carolina é um dos nomes por trás de outro lançamento marcado para essa terça-feira na cidade: o do segundo número da Revista Gratuita (Edições Chão de Feira), que acontece das 18 às 22h, no Teatro Espanca! (Rua Aarão Reis, 542).   Versão virtual   De cunho literário, a “Gratuita” (sim, é de graça), também será lançada no Rio, em São Paulo e em Lisboa, onde Carolina mora desde 2006. A partir dessa quarta-feira (17), a versão virtual e em áudio estará no site da editora (chaodafeira.com) – o primeiro volume (2012) já pode ser conferido lá.   “A gente fez o primeiro (volume) sem nenhum apoio, todo mundo trabalhando de graça. Ela foi muito bem recebida, tem raridades”, diz Carolina. Para o segundo volume, a editora – independente – conseguiu aprovar um projeto na Lei Municipal de Cultural e obteve patrocínio do UNI-BH. A ideia para o terceiro volume existe, mas Carolina prefere aguardar os recursos chegarem.   Ousadia: lançamentos tentam fugir da mesmice   Contabilizando quase três décadas de trajetória, o grupo Nenhum de Nós também desafia a mesmice por meio de sua arma mais poderosa: a música. “Sempre é Hoje”, novo disco da banda gaúcha, traz uma faixa que pode ser lida como uma espécie de manifesto contra um fenômeno que assola a música no Brasil.   Em “Milagre”, a banda clama pelo fim das músicas feitas em “linha de montagem”. “A gente percebe que a música cada vez mais tem sido vista como produto para se colocar numa prateleira do mercado”, diz Thedy Corrêa (foto ao alto), que está em BH para ministrar uma palestra.   Mesmice   Segundo ele, esse fenômeno tomou conta do mercado de forma tal “que as pessoas não percebem que estão se apegando a uma música que não se apega a elas”. “Os arranjos são sempre iguais, as pessoas se vestem igual... E a gente tem todo o conhecimento para falar isso: há quase 30 anos lançamos ‘Camila’, música com a qual as pessoas se apegaram de tal forma que continuam levando-a”, diz ele, que, justamente na tentativa de não ficar em zona de conforto, e juntamente a seus colegas de banda, aposta em uma leva de inéditas em “Sempre é Hoje”.   GRATUITA – Julia de Carvalho Hansen e Maria Carolina, nomes por trás da publicação (FOTO: Flávio Tavares/Hoje em Dia)   Ousadia   A (quase total) ausência de imagens na Revista Gratuita também pode ser apontada como uma ousadia, em tempos nos quais a imagem vem alcançando a primazia. E sim, foi proposital. “Queríamos fazer com que a leitura seja esse momento no qual a imagem aparece para cada leitor, a gente quis experimentar essa leitura”, diz Maria Carolina Fenati, ressaltando que os textos são um verdadeiro convite à imaginação.   Na verdade, esse segundo volume contempla duas partes: “Caderno de Leituras” reúne, em 192 páginas, 24 textos publicados no site da editora nos dois últimos anos, com temas e formas diferentes. E a coleção “Atlas” traz textos inéditos com a temática “cartografia”, ao longo de 304 páginas. A própria editora já tem proposta inovadora. “Ela é pequena, publica pouco. A gente degusta livro a livro”.   O “Sempre um Papo” com Tico Santa Cruz acontece nesta terça-feira, às 19h30, no MM Gerdau (Praça da Liberdade). Entrada francaGravado em Caxias do Sul, “Sempre é Hoje” é o 16º disco do Nenhum de Nós. A produção é de JR Tostoi.   SAIBA MAIS SOBRE A REVISTA GRATUITA   Maria Carolina Fenati, que acaba de concluir o doutorado em Literatura Portuguesa, conta que os nomes por trás da Revista Gratuita bateram o martelo por um tema e convocaram poetas, ensaístas, trovadores para versar sobre o assunto ou traduzir textos até então inéditos em português. "A gente chamou com a ideia de trazer mapas, escrever territórios, fazer fronteiras. Mas percebemos que os textos eram mais amplos que isso, como se inventassem territórios. Às vezes, se escreve sobre uma cidade, Marrakech ou Rio de Janeiro. Outras vezes, sobre o amor, que também pode ser habitado. Outros escreveram a partir de uma experiência espiritual. Por vezes espaços concretos, por vezes do imaginário".   Ao todo, 68 escritores estão incluídos na revista, entre eles, a mineira Ana Martins Marques, ou ícones como Julio Cortázar e Walter Benjamin.
Chão de Feira   A editora foi inaugurada em Belo Horizonte em dezembro de 2011, tendo como proposta a pesquisa e publicação de textos inéditos, traduzidos pela primeira vez ou mesmo já publicados, mas de rara circulação. "Ela é pequena, publica pouco, a gente degusta livro a livro. Não tem a lógica de uma 'grande editora em pequena escala', é outra lógica de trabalho. São amigos, todo mundo que está ali participa da criação. Queríamos tentar experimentar o exercício da palavra - ler, escrever, experimentar, pesquisar - entre amigos. Por outro lado, tentar entender o que a gente gostaria de partilhar com outras pessoas, colocar em público".
  Confira, a seguir, trechos da entrevista que Tico Santa Cruz concedeu ao Hoje em Dia.

 
1) A paixão pelo gênero policial é antiga? Quem são os autores do gênero que viraram referência para você?

Sempre gostei de policiais, na verdade, gosto de tudo que é relacionado ao tema, não só romances. Mas, dentro dos romances, a primeira autora que me chamou a atenção foi a Patrícia Melo, daí fui conhecendo outros, Rubem Fonseca, Mário Prata... E os mais contemporâneos, como Marçal Aquino, que nem sei se chegaria a ser classificado como um autor de policiais, mas trabalha com essa linha, que envolve suspense, essa abordagem mais instigante, com adrenalina. Já os autores internacionais, confesso, acompanho menos.
 
2) Como foi o processo de concepção da obra?

Comecei a escrever essa novela como novela mesmo, um capítulo por dia, ou um por semana, mas as coisas ganharam uma proporção que não achei que fossem tomar. Os leitores começaram a me cobrar, e era difícil, pois o policial requer acuidade. É preciso que o autor crie laços, vínculos, personalidades... e amarrar tudo isso. Como autor, eu sempre me perguntava: isso poderia ter sido descoberto de outro jeito? Mais para o final, senti uma certa dificuldade em concluir a história, com receio de que não ficasse vaga, não resolvida. Demorei bastante tempo. Com a participação do público, resolvi ir publicando numa plataforma à parte, e me surpreendi, pois, sem comprar views, sem manipular, chegamos a 300 mil leitores. Daí coloquei o desenlace para downloada, para aferir quem tinha lido até final, foram mais de dez mil. Fiquei muito satisfeito, mas não consegui apoio de editoras (para migrar a história para o livro impresso). Ficou no blog. Procurei grandes editoras, nenhuma se interessou, talvez porque minha história estivesse fora dos padrões que estavam acostumados a publicar. Daí convenci a minha editora, que não publica romances, esse tipo de literatura, a lançar. O mais surpreendente foi que encontrei autores de romances policiais, como o Rafael Monte, que é apontado como um jovem talento, e o próprio Mário Prata, em Ouro Preto, e deixei exemplares com eles. Para minha surpresa, Mário me retornou, elogiando. Tanto que a segunda edição já vem com esses elogios, então, posso dizer que foi uma estreia interessante.
 
3) Há uma frase, creditada a você, e referente ao seu livro, que diz que sua saga pode ser classificada como "policial, psicótica, suja, politicamente incorreta e sem compromisso algum com qualquer tipo de estética literária". O politicamente correto te incomoda? Como esse politicamente incorreto pode ser aplicado à obra?

Quando falo de politicamente incorreto, é preciso frisar que tudo depende da abordagem, pois o conceito é relativo. Quando usado para incentivar - ou mesmo chancelar - discursos de ódio, eu prefiro nem usar a expressão "politicamente incorreto", e sim, a "politicamente imbecil". Atualmente, existe uma diferença significativa na forma como as coisas são passadas. Antes, era comum ver uma pessoa contar num bar, numa roda de amigos, uma piada de teor racista ou sexista, por exemplo. Hoje, se você coloca essa mesma piada na internet, ela é replicada a milhares de pessoas. Esse tipo de abordagem preconceituosa, xenófoba, não está no meu contexto, no meu livro. Quando falo em politicamente incorreto, estou falando mais de questões ligadas à hipocrisia da sociedade em relação a assuntos como drogas, uso da fé e outras questões... Da crença que algumas religiões usam como forma de manipulação, por exemplo. Bem, claro, nada justifica a violência, mas, na minha personagem, há um viés que é a vingança contra o sistema.
 
4) Você gosta de participar de eventos como o que te traz aqui, nesta terça-feira, ou seja, de se encontrar cara a cara com seu público?

Sim, há pouco estive no Piauí. Gosto muito, é uma maneira de canalizar a energia do diálogo, que já faço nas redes sociais. Mas, neste tipo de encontro, é olho no olho, tem tom de voz, flui melhor. Tempos atrás, eu falava muito de politica e questões sociais nos shows dos Detonautas, mas acabei percebendo que isso prejudicava as apresentações. Já há algum tempo comecei a frequentar saraus, venho fazendo desde a época do grupo Voluntários da Pátria, e agora, sozinho. Já estive em presídios, escolas, universidades... É muito válido.
 
5) Como lida com a agressividade que vigora nas redes sociais, posto que suas postagens têm uma penetração forte, são muito curtidas e replicadas?

É importante frisar que sempre tento não me colocar como vítima. Mas, sim, claro, acho que existe um movimento de ódio, de falta de respeito, de falta de bom senso e de falta de educação. A internet tem esse paradoxo, por um lado, permite que você exponha a sua opinião, mas, por proteger quem está de outro lado, faz despontar algo que certamente essa pessoa não exporia quando está em público. Muitas das pessoas que publicam posts agressivos, preconceituosos, teriam vergonha de assumir essas posturas em público, se veem protegidas pela tela. Eu mesmo me deparo com amigos que vejo com discursos que desconhecia, e isso me preocupa. O que fica parecendo, na verdade, é que uma parte considerável das pessoas vive sob o escudo de um personagem. O volume desse tipo de atitude que vemos é preocupante. Penso que essas pessoas começam assim, na internet, e, na sequência, partem para um retrocesso quase medieval, de perseguição, ameaças. Eu mesmo já sofri, danos ao meu carro, bilhetes sob a porta dos quartos de hotéis... Costumo dizer que a minha proteção são os olhos das pessoas. Mas, veja, não gosto de vitimizar, inclusive para não dar mais força a essas pessoas, dar a elas o poder de continuar. Se vejo comentários, vou, claro, ler, vou ponderar, vou ver o que falar. Mas as agressões não vão conseguir me acuar.
  
MAIS SOBRE TICO SANTA CRUZ 

Tico Santa Cruz nasceu em 1977, no Rio de Janeiro. Cursou Ciências Sociais na UFRJ, Comunicação e Educação Física. Em 1997, formou a banda de rock brasileiro Detonautas Roque Clube, com cinco discos e três DVDs lançados, com mais de 500 mil cópias vendidas. Seu primeiro livro, "Clube da Insônia", também da Belas-letras, saiu em 2012, com textos reunidos de seu blog, que já ultrapassa a marca de 15 milhões de visualizações. Em 2013, lançou seu segundo livro,"Tesão", de poesias e textos eróticos. Foi colunista do jornal carioca "O Dia", entre 2007 e 2009. Formou o grupo de performance cultural Voluntários da Pátria que, desde 2006, trabalha com literatura, teatro e música, com temas relacionados a política e cidadania, levando debates a escolas, universidades e presídios. Com uma atuação bastante relevante nas redes sociais, Tico Santa Cruz posta diariamente textos em seu Facebook, com cerca de meio milhão de seguidores. Twitter: @Ticostacruz Instagram:@Ticostacruz

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