
Paulatinamente, durante a narrativa de “O Mistério de God’s Pocket”, filme que acaba de ser lançado em DVD e BluRay pela Universal, todas as esperanças de encontrar um herói clássico – um personagem que não se contamine pela corrupção moral e indiferença de uma comunidade operária americana – são abortadas.
Apesar de um certo mal-estar, o resultado desse trabalho de John Slattery (um dos protagonistas da série “Mad Men” e também conhecido por um dos namorados de Carrie em “Sex & The City”) não é tão ruim como aparenta. As peças que movimentam a história – baseada no romance homônimo de Peter Drexter, publicado em 1983 – têm no erro a garantia de que são reais e humanos.
Embora a trama não situe claramente a época, os carros grandões e os figurinos remetem à década de 80. Essa informação é importante para entender o contexto, embora não seja determinante para compreender o desenrolar dos acontecimentos. Era o tempo da liberdade para conquistar a sua própria fortuna, muitos vezes sozinho.
A família de Mickey é completamente fragmentada, as relações são superficiais e há vários “esqueletos” no armário. No caso do trambiqueiro Mickey (Philip Seymour Hoffman, em um de seus últimos papéis), essa frase ganha um sentido quase literal, ao perambular com o corpo do enteado em seu caminhão.
Freak
O jovem é inconveniente e sua morte, aparentemente, não deveria causar comoção. Mas a ideia de um corpo insepulto leva, em primeiro lugar, ao humor negro, escorado principalmente na personalidade loser de Mickey, que perde o dinheiro do enterro em corridas de cavalo, que nos faz lembrar a galeria freak dos irmãos Coen.
Depois essa situação inusitada imprime uma carga de humanidade, a partir do momento em que o enteado é mais um fruto de uma sociedade podre e sem muitas perspectivas. Constatação ampliada com a entrada em cena do jornalista Richard Shelburn (Richard Jenkins), famoso colunista de jornal.
Alcoólatra e mulherengo, ele é hoje apenas um urubu em busca de carniças sociais, com seu estilo escondendo o pouco caso com a realidade do bairro. Assim, o filme também quebra com a imagem isenta e heróica dos jornalistas, algo ousado para os anos 80. Bem conduzido por Salterry, em sua estreia na direção de longas, o filme também questiona o papel da maternidade, por meio de uma mulher de peitos fartos, símbolo da maneira infantilizada como trata o filho e também de uma relação de troca.