Jovens cineastas mineiros se destacam na Mostra de Cinema de Tiradentes

Paulo Henrique Silva (*)
22/01/2019 às 07:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:09
 (Beto Staino/Universo Produção/Divulgação)

(Beto Staino/Universo Produção/Divulgação)

TIRADENTES – Após conquistarem prêmios em vários festivais com uma produção muito identificada com a periferia de BH, os cineastas Juliana Antunes, Affonso Uchôa, André Novais de Oliveira, Maurílio Martins e Gabriel Martins já exibem uma carreira consolidada e agora veem uma nova geração surgir com Ana Pi e Marco Antonio Pereira, grandes destaques da temporada 2018.

Em relação à geração anterior, a dupla desponta numa faixa diferente, já na casa dos 30 anos, a partir de uma busca mais solitária, sem se atrelarem a coletivos que foram fundamentais aos antecessores. Pereira concentra a produção em Cordisburgo, na região Central de Minas, e flerta com o cinema fantástico. Ana, que hoje se divide entre Paris e BH, é focada na dança e nas raízes negras.

O sucesso conquistado em 2018 pegou Ana e Pereira de surpresa. “Não esperava chegar tão longe já em meus primeiros filmes. A ficha demora a cair e a gente fica pensando se foi sorte ou resultado do trabalho mesmo”, registra Pereira. Na 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes, ele exibiu seu terceiro curta, “Teoria Sobre um Planeta Estranho”. Detalhe: todos os três trabalhos foram lançados no ano passado.

O primeiro deles, “A Retirada para um Coração Bruto”, foi apresentado há um ano na Mostra de Tiradentes e, em seguida, passou por vários festivais do país, ganhando três Kikitos em Gramado. O segundo, “Alma Bandida”, estreou no Festival de Berlim, na Alemanha, um dos mais importantes do mundo. Já “Teoria” recebeu convite para ter a première no Egito, antes de ganhar as telas de Tiradentes.

“Sou da dança. Tudo o que fiz antes com imagens foi relacionado à dança, com videodanças que circulavam em festivais específicos”, observa Ana Pi, espantada ao ver “NoirBlue” entrar em um circuito de cinema. O filme, exibido na Mostra, é fruto de uma viagem que fez à África, mergulhando na cultura local.Beto Staino/Universo Produção/Divulgação

Marco Antonio Pereira diz correr atrás dos objetivos e lutar muito para viver de cinema; cineasta colhe os louros pelos trabalhos reconhecidos em festivais

Trabalho só

Apresentado no Festival de Curtas de Belo Horizonte, “NoirBlue” foi feito com poucos recursos, com uma câmera e sem equipe. Na verdade, Ana só se deu conta que tinha um filme muito tempo depois de voltar da África, quando o Facebook mostrou as lembranças de um ano atrás. “A cada dia vinha uma lembrança, somando vários vídeos pequenos. Foi quando percebi que havia um filme”.

Programação da Mostra de Tiradentes, que é gratuita, abrange a exibição de filmes em pré-estreias, debates, lançamentos, apresentações musicais, performances, oficinas, encontros e diálogos audiovisuais

Também de caráter artesanal é a produção do diretor de Cordisburgo, que teve na persistência um importante aliado. “Escrevo, dirijo, monto e mixo o som. Eu tenho muita vontade e trabalho muito para tudo isso acontecer. Eu não sou gênio nem filho de pai rico. Para viver de cinema, tenho que trabalhar cinco vezes mais”, relata.

Ele não pensou duas vezes antes de mandar um e-mail, escrito em alemão, para os curadores de Berlim, alertando que “Alma Bandida” merecia ser observado. Deu certo. Entre mais de mil títulos, foi um dos selecionados. “Esse é o meu diferencial. É muito incomum, vindo de uma cidade que não tem histórico de filmes, chegar onde cheguei”, analisa Pereira.

Além disso

Ana Pi se vale muito do termo “religação” para definir o contato com a sua ancestralidade. No filme “NoirBlue”, os dois continentes vão se aproximando, como na cena em que é perguntado sobre o acarajé. “Você nunca veio aqui, como sabia?”, indaga alguém em off. Em sua narração, Ana observa que “é nessa hora que eu faço as pazes com o prefixo afro. Nele cabe todo um continente. E esse continente inteiro cabe em mim”.

Há sete anos trabalhando em Paris, Ana tem permanecido em Belo Horizonte devido ao desaparecimento de seu pai, o artista plástico Julio Cesar de Oliveira, ocorrido em março do ano passado. “A gente não sabe a razão. Pode ser até uma questão racial, já que, após ir ao IML, percebi que o maior número de pessoas desaparecidas é de negros”, lamenta.

Encontrar o pai é a prioridade de Ana, que pretende continuar realizando interações entre dança e imagens. Pereira, por sua vez, está escrevendo o roteiro de duas curtas que estarão conectados com os três já feitos. Com a produtora Vania Catani, ele já prepara a sua estreia em longas. “Terá um pouco desse universo fantástico e exótico dos curtas. E segue a busca implacável por uma estética única. Será que vou alcançar?”, pergunta.

(*) Viajou a convite da Mostra de Tiradentes

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