Livro traça trajetória de transexuais na televisão

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
28/11/2020 às 13:00.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:10
 (REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO)

(REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO)

2006. Um grupo de representantes LGBTQ protestou em frente ao Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, devido à escolha de um ator cisgênero - Luis Lobianco, de Porta dos Fundos ­ para interpretar uma transexual no espetáculo “Gisberta”. Quatorze anos depois, é cada vez mais frequente a escalação de atores trans para viver estes papéis, no Brasil e no mundo.

“É um avanço termos transexuais fazendo transexuais, apesar de haver ainda muito estigma”, observa o jornalista e roteirista Lalo Homrich, autor do livro “Transexuais em telenovelas: a Construção de Personagens na Rede Globo”, lançado na última semana pela editora Insular. A obra é resultado da tese de doutorado em Comunicação Social, na PUC do Rio de Janeiro.

Homrich enfoca os três primeiros personagens transexuais da história das telenovelas no país: Ramona, mulher trans presente na novela “As Filhas da Mãe” (2001), vivida por Cláudia Raia, Dorothy, outra mulher trans, personificada por Luís Miranda em “Geração Brasil” (2014); e Ivan, homem trans vivido por Carol Duarte em “A Força do Querer” (2017), atualmente em reprise na Globo.

Nos três casos, nenhum ator era transexual na vida real, mas Homrich não tem dúvidas sobre a importância dos personagens na abordagem do tema. “Não são personagens caricatos, voltados para a comédia. Eles carregam uma questão social, com a função de explicarem a transexualidade”, assinala o roteirista, que trabalha atualmente como autor colaborador das novelas da emissora carioca.

Em entrevista publicada no livro, Sílvio de Abreu, novelista de “As Filhas da Mãe”, relata que queria fazer história ao incluir o primeiro transexual na trama, a partir de uma história de preconceito. Leonardo (Alexandre Borges) se apaixona por Ramona (Cláudia Raia), que ele descobre ser trans. O conflito girará em torno de como passar por cima dos padrões de “normalidade”.

O tempo era outro. Não houve uma grande pesquisa sobre a realidade do transexual, mas foi o melhor que se pôde fazer na época. Ramona pertencia a família rica, estava dentro de um contexto de privilégios. E o que é mais interessante nesta novela é como um casal pode resolver uma paixão teoricamente proibida, mostrando que a relação entre um homem cisgênero e um mulher transgênero é possível”, analisa.

A estreia da novela aconteceu poucos dias depois do atentado ao World Trade Center, em Nova York, e uma temida polêmica acabou não acontecendo. “Foi um período muito delicado, que teve ainda o sequestro do (apresentador) Silvio Santos. A personagem em si foi super aceita, com os espectadores gostando e torcendo por ela. Claro que a imagem de Cláudia Raia favoreceu muito nisso”.

Foi preciso esperar 13 anos para surgir outro personagem transexual forte na TV, em “Geração Brasil”. Homrich destaca que Dorothy teve grande relevância socialmente, por ser negra e fugir a um certo estereótipo. “Ela mora nos Estados Unidos, é sofisticada e inteligente. E chamou a atenção por mostrar o desejo de ser da mulher trans, com a possibilidade de ter um filho”, analisa.REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO / N/A

O ator mineiro Tarso Brant foi consultor de Glória Perez em "A Força do Querer", além de ter entrado no elenco, atuando com Carol Duarte

Abriu-se espaço para a discussão’, diz ator mineiro Tarso Brant, que inspirou personagem

No dia em que o transexual mineiro Tarso Brant estava tirando seu registro profissional como ator, no Rio de Janeiro, ele foi surpreendido com um convite da autora Glória Perez, para ajudá-la a construir o universo de Ivan em “A Força do Querer”. Ele acabou se tornando a inspiração para a personagem de Carol Duarte.

“Foi inesperado e maravilhoso, porque logo depois trabalhei na novela, ao lado de grandes atores da televisão brasileira que admirava desde criança”, registra o ator, que, na época, já era conhecido nacionalmente como digital influencer, abrindo nas redes sociais a transição de gênero pela qual passou.

Para ele, a novela representou um momento único para se abordar um assunto tão importante. “A partir daí, abriu-se o espaço para esta discussão. Nada que não possa melhorar, pois estamos falando de anos e anos de preconceito”, registra o ator nascido em Belo Horizonte há 27 anos.

Ele sabe que é importante os atores transexuais viverem outros tipos de papéis que não estejam relacionados à vida pessoal. “O ideal é desassociar de nossa realidade e se criar outras (realidades)”, assinala. Tarso sabe que não será fácil. “O preconceito não acabou. Não é da noite para o dia que as pessoas irão compreender o que passa com uma pessoa diferente do convencional”.

Transição na telinha
O grande mérito de “A Força do Querer”, além de apresentar um homem trans, foi, de acordo com o jornalista e roteirista Lalo Homrich, autor do livro “Transexuais em telenovelas: a Construção de Personagens na Rede Globo”, o de mostrar todas as etapas da transição do corpo, como uso de hormônios e retirada de seios, além do aspecto psicológico. “Foi um divisor de águas”, sublinha o roteirista.

Depois disso atores transexuais assumiram estes papéis, como Nanny People (“O Sétimo Guardião”) e Ramon Garcia (“A Dona do Pedaço”). Um passo ainda pequeno diante do número de séries e programas nos Estados Unidos com transexuais nos créditos. 

“Realmente está havendo esta ocupação, mas ainda está bem distante da realidade mundial. É preciso entender que os atores transexuais podem fazer qualquer personagem, e não só trans. É um ofício, podendo ser bancário, professor ou médico", destaca Homrich.INSULAR/DIVULGAÇÃO / N/A

Lalo Homrich é autor do livro “Transexuais em telenovelas: a Construção de Personagens na Rede Globo”

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