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‘Meu livro fala de afetos que deslocam diferenças’, diz Mireya Tabuas

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
Publicado em 03/01/2016 às 08:36.Atualizado em 16/11/2021 às 00:52.

Venezuelana atualmente radicada no Chile, onde faz mestrado em Estudos Políticos da América Latina e Social da Universidade Alberto Hurtado, a jornalista e escritora Mireya Tabuas resolveu se debruçar sobre um tema “pra” lá de atual: a necessidade de conciliação e respeito às diferentes posições, preferências e convicções políticas e ideológicas dos indivíduos.

Trocando em miúdos, a convivência e as relações entre diferentes. Assunto que, sejamos sinceros, é mais do que da hora também no Brasil. O plus é que Mireya volveu seu olhar ao público infantil, que, lembra ela, acaba sendo alvo de toda a virulência advinda da intolerância. O livro “Azul e Vermelho” (Editora Peirópolis, 60 páginas, R$ 35) é uma pequena pérola. Confira, a seguir, entrevista com a autora.
 
 
Como surgiu o insight de escrever esse livro?
 
A ideia surgiu em 2013, a partir de uma realidade que, na verdade, estava há mais de uma década vigente em meu país: a divisão e a intolerância das diferenças, dos extremos que se recusam a se enxergar e a dialogar. Isso produziu um sentimento muito forte em mim, como cidadã, como venezuelana, como ser humano. O livro surgiu como uma resposta literária à polarização política que engloba as diferentes esferas da sociedade venezuelana. No meu país, há colegas, amigos, casais e irmãos separados por professarem diferentes ideologias políticas. Esta polarização se infiltra no trabalho, nas escolas, na vida familiar. E em meio a essa situação, estão as crianças, que não são estranhas ao que acontece, que também sofrem em um ambiente no qual não há tolerância, no qual se condena aqueles que pensam diferentemente. Pensei, então, em contar uma história para falar sobre isso que a gente vive em meu país, mas que pode ir além, sendo, assim, passível de ser entendido em outros países ou em outros ambientes com realidades semelhantes.
 
Estamos vivendo tempos complicados, de pouca união, de ira... Iniciativas como a sua, do livro, visam atenuar esse panorama desalentador?
 
Bem, este é um livro literário. Como qualquer literatura, fala da vida e quer que cada leitor seja tocado por uma corda emocional de sua vida. Tenho a intenção de me comunicar com o leitor através de uma história que é uma metáfora, mas é importante frisar que não se destina, de forma alguma, a ser um livro de ensino. Pretendo alcançar os leitores da arte, da alma. Neste sentido, é importante observar o valor da estética do livro, que foi conduzido por um renomado artista venezuelano (Patricia Van Dalen ) e um designer de renome (Ricardo Baez). Claro, a criança desta história dá, ao problema da polarização de seus pais, uma solução inovadora, justa, tolerante, compreensiva, capaz de harmonizar as diferenças. É o tipo de resposta que muitas pessoas anseiam, sem dúvida. Mas o livro vai além, fala de afetos, afetos que deslocam as diferenças no cotidiano
 
Como tem sido o feedback aferido pelo livro? Algum retorno (positivo, claro) te sensibilizou mais?
 
Eu sei que o livro tem sido usado em escolas para falar com as crianças sobre a necessidade de compreender aqueles que pensam de uma maneira diferente da gente. Sei que também tem sido empregado por psicólogos infantis junto a crianças afetadas por um ambiente violento. E sei, também, que muitas famílias o adquiriram para explicar a realidade atual aos filhos. Mas não só as crianças, muitos adultos sentiram que é uma história que deve ser divulgada para adultos, especialmente aqueles em posições de poder, que devem aprender com o olhar tolerante com o qual a criança protagonista resolve o conflito e a divisão entre seus pais. O livro já ganhou vários prêmios: Melhor do Banco del Libro (Venezuela) e uma menção nos prêmios Wings- Lance, concedidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.
 
Você acompanha muito as notícias do Brasil? Sabe que estamos vivendo um momento particular de muita divisão no país, inclusive do eleitorado... Acho que o livro pode ser aplicado (digamos assim) também numa situação como essa?
 
Sim . Este livro é universal porque a polarização tem acompanhado os seres humanos desde então. Ela é exacerbada em situações como as que vivem Brasil, Venezuela e também, por exemplo, a Grécia. Este último país, aliás, também adquiriu os direitos para verter o livro para o grego. Eu acredito que o livro transcende a mera história das crianças, passando, então, a ser uma metáfora, tenta provocar uma reflexão profunda sobre a compreensão das diferenças. Esta leitura aberta ao diálogo permite que os leitores, sejam crianças, adolescentes ou adultos, possam olhar e refletir sobre a sua própria realidade.
 
Acompanha muito a produção literária daqui, do Brasil? Gosta de algum autor em especial?
 
O Brasil tem grandes escritores, reconhecidos em nível internacional. São muitos os que já li, desde Jorge Amado a Vinícius de Moraes. Rubem Fonseca me encanta, recordo que fiquei fascinada por “A Grande Arte” quando o li há muitos anos. Também seus contos. Me interessa citar mulheres que me agradam muito: Clarice Lispector, com sua densidade e sensibilidade e, na área da literatura infantil, sem dúvida, Ana María Machado é uma mestra.
 
O que sente ao saber que seu livro – que, como diz o material de divulgação enviado à imprensa, foi “idealizado e produzido no mercado editorial independente” da Venezuela – está chegando a outros países (e agradando)?
 
Isso me deixa muito feliz. O autor geralmente não escreve para um país ou uma realidade particular, escreve para o ser humano, para um leitor que, esteja onde estiver, se sinta identificado, tocado, movido por sua história. E no Brasil, um país que eu amo, saber que pessoas possam estar lendo meu livro, e que as palavras estão alcançando muita gente, certamente é um grande presente. Acredito que a arte transcende fronteiras e que nossas realidades são mais próximas do que imaginamos.

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