CINEMA

Mulheres de periferia viram heroínas no filme 'Mato Seco em Chamas', exibido no Festival de Brasília

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
Publicado em 15/11/2022 às 16:10.
Equipe do filme de Ceilândia sobe ao palco do Cine Brasília antes da exibição (Paulo Cerqueira/Divulgação)

Equipe do filme de Ceilândia sobe ao palco do Cine Brasília antes da exibição (Paulo Cerqueira/Divulgação)

Pouco antes de a pandemia surgir e pôr o mundo de cabeça para baixo, o premiado diretor Adirley Queirós já se preparava para filmar a história fictícia sobre a descoberta de petróleo em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, e a farsa que o governo monta para remover as pessoas do local, alegando que um vírus estaria se alastrando na região.

“Havia toque de recolher, Brutus (espécie de caveirão da polícia) na rua e militares de máscaras. O governo diz que é um vírus muito perigoso, que havia mais de 100 pessoas em hospitais e que era preciso dedetizar. Mas aí veio a pandemia, com aquelas imagens violentas e mais duras do que qualquer ficção poderia imaginar”, recorda o cineasta.

O longa-metragem “Mato Seco em Chamas” não deixou de ser feito, mas precisou ser repensado, sem deixar de lado a questão do petróleo, que está muito vinculado ao processo de desenvolvimento do Brasil e também ao impeachment de Dilma Rousseff, que, segundo Queirós, caminhava para uma maior nacionalização do setor.

O resultado pôde ser visto na noite de segunda-feira (14), na tela do Cine Brasília, no primeiro dia do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. “Filmamos outra perspectiva, mostrando que há várias perspectivas”, destaca o diretor, citando a mudança de planos como um exemplo perfeito de que tem que “estar aberto ao que vai acontecer” durante um filme.

Diretor dos premiados “Branco Sai, Preto Fica” e “Era uma Vez em Brasília”, Adirley Queirós se juntou à portuguesa Joana Pimenta, também responsável pela fotografia, para levar essa ideia ao extremo. As filmagens se prolongaram por 18 meses, resultado de “uma tentativa de fazer algo que em que tivessem liberdade de errar”.

Joana lembra que a construção foi muito “aberta ao acaso, à urgência política e ao que estava acontecendo nas nossas vidas”. A dupla determinou que não iria fazer concessão um ao outro e muita coisa foi resolvida com bate-boca. “A gente terminava a filmagem do dia e brigava para c... até 3 horas da madrugada. Foi isso que permitiu ter energia para filmar por tanto tempo”.

A história narra os feitos das Gasolineiras das Kequebra, grupo que põe as mulheres em posição de frente para tornar a Ceilândia um lugar independente. O desejo de Queirós é, a exemplo dos filmes de faroeste de John Ford, se imprima a lenda, de maneira que, já velhinho, num bar da cidade-satélite, possa ouvir casos sobre suas personagens como se fossem reais.

No meio do processo, com a eleição de Bolsonaro, eles não pensaram duas vezes em gravar cenas de comemoração em frente ao Congresso Nacional, em 2018. “Evidentemente que, quando vimos que ele ganharia, o filme tomaria outro rumo. A gente esquece a ficção e o inimigo se torna mais real do que nunca”, destaca o realizador.

“Havia milhares de carros nas ruas. Chegando lá, o Adirley não conseguiria passar pelos bolsonaristas nem se quisesse. O pessoal veio em cima da gente. Como estavam eu e o Chicão, um técnico de som de dois metros e com olhos azuis, o Adirley disse que éramos de uma TV alemã e que lhe contrataram para ser produtor local. Enquanto ele ficou negociando, nós entramos”, conta Joana.

Leia mais

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por