Falsos profetas

Mundo futurista de 'Carro Rei' tem base real

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
Publicado em 04/07/2022 às 11:04.
 (Divulgação)

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Em cartaz nos cinemas, “Carro Rei” nasceu de um estado de raiva, após a diretora Renata Pinheiro perceber que os diversos tipos de veículos estavam dominando as calçadas do bairro de Boa Viagem, em Recife, como se fossem “literalmente donos da cidade”.
“Os líderes políticos dão privilégios aos carros nas ruas em relação ao transeunte, ao humano”, lamenta Renata, que, depois de investigar discursos filosóficos que tentam entender o que está por trás da criação de máquinas, optou pela ficção-científica.

“Eu gosto muito do gênero, dos melhores aos piores filmes. Eu me identifico com essa inquietação de entender o nosso presente para se projetar um possível futuro. Gosto de cinema que provoca tanto a reflexão quanto a emoção no espectador”, afirma.

Numa cinematografia em que se pode contar nos dedos o número de produções de ficção-científica, Renata pondera que tinha pleno domínio do que pretendia fazer, valendo-se da experiência como diretora de arte em filmes como “A Festa da Menina Morta”.
“(Busquei fazer) um filme que trata dessas questões de uma forma muito peculiar, muito brasileiro, muito nordestino, que é uma cultura que tem muito de realismo fantástico, deste mundo reinventado para poder tratar da realidade”, registra.

Na trama, um jovem chamado Uno tem o poder de se comunicar com os carros. Quando vê o negócio de seu pai em risco, podendo fechar a empresa de táxi, ele resolve pedir ajuda a um veículo do ferro-velho do tio, transformando-o no Carro Rei.

Mudança

O filme não disfarça o seu desejo em entregar uma metáfora sobre a mudança nos ventos políticos nos últimos anos. “O personagem fala em mudar a aparência e resistir. Mas mudar a aparência não significa mudar a essência”, destaca a cineasta. 

“Há um dado bem importante que a própria seita do Carro Rei promete no filme: somos uma família, esqueça seu passado. Prometem um acolhimento sempre, com transformação e mudança, o que não quer dizer que sejam coisas positivas”, analisa.

Renata assinala que o ganhador do Festival de Gramado 2021 pode ser entendido como uma metáfora ao sucateamento das pessoas, das antigas profissões e camadas de trabalhadores que perderam o seu sindicato e a importância na máquina capitalista.

“Mais do que isso, é uma metáfora ao falso profeta, com um discurso vazio que maquia as coisas utilizando palavras de efeito. A cada duas frases se fala em Deus, ao mesmo tempo que evoca o armamento. A palavra Deus é uma nova roupagem a algo que é bastante nefasto”, analisa.

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