Novela sobre salas de espetáculos de BH ainda sem a certeza do final feliz

Elemara Duarte - Hoje em Dia
16/09/2015 às 07:18.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:45
 (Hoje em Dia)

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O Teatro da Cidade, um dos mais tradicionais de Belo Horizonte, poderá ser reaberto. A prefeitura iniciou negociações com os proprietários do imóvel que abriga o espaço e, se acordado, o empreendimento poderá ser gerido por meio de uma parceria nos formatos público-privado, privado ou até exclusivamente do município – a exemplo do Marília e do Francisco Nunes.

“Há seis meses montamos uma comissão para acompanhar a questão. O imóvel onde funciona o teatro pertence, hoje, a três donos – dois estariam dispostos a negociar a venda. Ainda não temos a definição se o município vai comprar, mas há esta possibilidade. E há também interesse da iniciativa privada”, explica o presidente da Fundação Municipal de Cultura, Leônidas Oliveira.

Em 2014, o Teatro da Cidade foi protegido como Patrimônio Imaterial de BH. Porém os imóveis não entram nesta proteção, apesar de existir, segundo Leônidas, um projeto de tombamento do espaço onde o teatro funciona, mas ainda em aberto. “O tombamento como registro imaterial é de extrema importância para o município. Assim, o poder público pode buscar alternativas para intervir em questões como esta”, explica.

Localizado na Rua da Bahia, o Teatro da Cidade fechou as portas em 30 de julho. Mas o diretor teatral Pedro Paulo Cava vaticina. “Vai voltar a funcionar, não na minha mão”.

História

Cava construiu o teatro a partir de 1987, quando um amigo cedeu o espaço – por comodato. “Mas esta empresa (uma construtora) fechou. O imóvel foi para justiça para quitação de dívida. São, na verdade, três, as chamadas frações ideais”, explica. Os imóveis foram arrematados em São Paulo. Para Cava, a parceria com o município é a única maneira de o teatro “continuar vivo”. Inaugurado com a peça “Boca Molhada de Paixão Calada”, o espaço teve, como última atração, “Samba, Amor e Malandragem”.

Além do despejo, o Teatro da Cidade se deparou com outra pedra no caminho: o fato de o Teatro de Pesquisa, a companhia teatral do espaço, não ter conseguido a liberação do número no Programa Nacional de Cultura (Pronac), junto ao Ministério da Cultura. “Para captar, na iniciativa privada, recursos para os projetos”, explica Cava.

Vale lembrar, porém, que esta não é a primeira vez que o espaço se viu ameaçado de encerrar as atividades. “Houve um momento no qual vi que a construtora ia fechar e propus a compra. Mas, quando fomos negociar, a venda estava travada judicialmente. Então, tudo que foi arrecado) foi devolvido”, afirma.

Era o ano de 1999, os amigos de Cava chegaram a comprar “cadeiras cativas”. “Chegamos a quase 50% das vendas”, calcula.

Mas sim, Cava diz que quer continuar a fazer teatro. “No momento, estou focado nesta luta, mas tenho um projeto de uma peça, ‘Nos Porões da Loucura’”, diz, sobre a adaptação do livro de Hiram Firmino.

 

NO ALTO DA AFONSO PENA - Oi Futuro Klauss Vianna está sem programação. Destino da casa de espetáculos depende de votação no TJMG. Créditos: TV Trade/Divulgação/Arquivo Hoje em Dia

 

Teatro Kleber Junqueira e Klauss Vianna na berlinda

Outro espaço que também corre o risco de fechar suas portas é o Teatro Kleber Junqueira, localizado na rua Platina, no Calafate. “Até outubro funciona. Por enquanto estamos em cartaz com a peça ‘A Roupa Nova do Imperador’”, avisa o “homem de teatro” – como ele mesmo se define – Kleber Junqueira.

O diretor está em busca de um “convênio” para arcar com parte das despesas básicas. O aluguel custa cerca de R$ 5 mil/mês. Os demais custos somam aproximadamente R$ 20 mil/mês. “Estamos fazendo trabalho voluntário (até a limpeza) porque não temos condição de pagar”. O teatro também foi registrado como Patrimônio Imaterial.

Junqueira está há 11 anos à frente do empreendimento, por meio da Associação Móbile Cultural. “É um espaço que arrendei. Aqui funcionou um dos primeiros cinemas de bairro de BH, o São José, inaugurado em 1942”, lembra.

“Meu sonho primeiro sempre foi ter um teatro, um espaço no qual pudesse me expressar de forma mais plena. Juntei o dinheiro que poupava para comprar uma casa, mais a parte de uma herança, arrendei o local e reformei”.

O diretor calcula que já passaram por lá mais de 500 mil espectadores, alguns vindos de parcerias com escolas de BH e da Região Metropolitana. Segundo Kleber, os espetáculos “abrem várias vertentes de estudos para que a escola aproveite as temáticas de várias formas”.

Para seguir em frente, o teatro entrou com projeto para manutenção de espaço na Lei de Incentivo, mas não foi selecionado. A FMC informa que continua aberta a buscar soluções ao espaço e lembra que ainda há possibilidade de os gestores buscarem recursos via outras leis, como a estadual e a federal.

Em agosto, vale lembrar, a possibilidade de fechamento do Teatro da Cidade e do Kleber Junqueira foram tema de audiência pública feita pela Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de MG.

Outro endereço sobre o qual paira a incerteza é o Oi Futuro Klauss Vianna (av. Afonso Pena, 4.001), atualmente sem programação. Por meio da assessoria de imprensa, o Instituto Oi Futuro diz que aguarda definição do Tribunal de Justiça (TJMG) sobre a continuidade do oferecimento da programação cultural pelo Oi Futuro.

A expectativa é de que o lugar se transformasse no Tribunal Pleno do TJMG. Este projeto foi suspenso e uma votação no TJMG, ainda sem data marcada, vai finalmente definir o futuro do espaço, conforme prevê a assessoria do Tribunal.

Para presidente da FMC, são necessárias ações para atrair público às salas da cidade

Mesmo com as baixas – ou “ameaças de” – há um consenso: há mais teatros hoje em BH do que no passado. Leônidas Oliveira lembra que, até os anos 1970, existiam basicamente os teatros em instituições católicas e espaços como o Marília e o Francisco Nunes. “Nosso problema, hoje, é formação de público para os teatros que já existem”.

Kleber Junqueira concorda que há maior oferta de palcos, mas discorda que haja pouca demanda de público. “Sou de Três Pontas. Quando cheguei aqui, tínhamos quatro teatros: o Francisco Nunes, o Palácio das Artes, o Clara Nunes e o da AMI. Hoje são mais, e também há mais demanda”, afirma.

A questão é como esta demanda é orientada ante tanta oferta. Oliveira cita algumas ações, muitas já bem conhecidas, como a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança. Mas pondera que, no resto do ano, realmente são necessárias outras ações. E cita a recente “Ocupação do Marília” por 33 coletivos.

“A lei municipal tem aprovado vários festivais de teatro. É preciso mais rotina do espectador nestes espaços, além da presença nestes momentos”, sugere.

 

O PIONEIRO DA NOVA CAPITAL - Teatro Soucasseaux em registro histórico da inauguração. Crédito: Acervo Museu Historico Habilio Barreto/ Arquivo Hoje em Dia (19/10/2014)

 

Uma história lado a lado com o teatro

"Lembro do Cine Metrópole e de vários cinemas de BH que também foram 'cine teatros'. Muitos estão fechados", cita Pedro Paulo Cava. O local que o diretor cita funcionou como cinema de 1942 a 1983 e ficava na esquina de rua da Bahia com rua Goiás. O fechamento do espaço cultural foi polêmico, assim como, a demolição do prédio. Antes ali funcionava o Theatro Municipal, construído em 1906. Hoje, há uma agência bancária no endereço.

No mesmo lugar, mas por volta do anos 1899, foi erguido o Teatro Soucasseaux, provavelmente, a primeira casa de espetáculos da "nova capital". O Theatro Municipal foi uma ampliação do Soucasseaux. O nome é referência ao português Francisco Soucasseaux, um dos construtores da capital. Hoje, apenas uma rua no Bairro Lagoinha lembra o nome do personagem histórico.

Ainda neste sentido, Cava cita um caso de sucesso: o Cine Theatro Brasil, que atualmente agregou o nome da empresa "Vallourec", que o mantém. O espaço, que fica na Praça 7, passou por detalhada reforma antes de reabrir as portas. "Dirigi o espetáculo de abertura do Cine Theatro Brasil com a peça 'Guerra e Paz. Foi muita emoção'", lembra Cava. O nome foi inspirado nos painéis "Guerra e Paz", de Candido Portinari, que ficaram em exposição no local após a inauguração.

Cava cita ainda outro espaço em atividade, e tido por ele como "histórico": o Teatro da Associação Mineira de Imprensa (AMI). Entre os anos 1960 e 1970, o local foi um verdadeiro reduto devido ao conteúdo político das peças. Fundado em 1921, o teatro ainda está em funcionamento, mas amplia o uso para outras artes e eventos. "Recebemos ensaios de bandas, seminários e também peças", explica o presidente da instituição, o jornalista Wilson Miranda.

Um dos teatros que mais trazem boas lembranças ao diretor é o Teatro do Instituto de Educação, onde ele estreou, em 1964. Mesmo sem a função comercial, o espaço sempre foi utilizado para demandas internas da escola. No lugar, a frase "Educar-se para educar", lema da instituição, marca o alto da parede do palco. Certamente virou filosofia para milhares de alunos e professores que se sentaram naquelas cadeiras desde o início do século 20, época da fundação.

O diretor cita também como baixas o Teatro Casanova (que localizava-se em um dos andares mais altos do edifício da av. Afonso Pena 1.500) e o Teatro da Praça (avenida João Pinheiro) que encerraram as atividades. Mas entre os remanescentes, um caso de sucesso ainda permanece. "Houve um momento em que várias escolas católicas abriram teatros, muitos ainda estão funcionando, como o Dom Silvério", diz Cava, sobre o moderno espaço que fica na rua Lavras, no bairro São Pedro.
 

ONDE HAVIA UM TEATRO - Rua Rio de Janeiro com av. Augusto de Lima, onde era a fachada do Clara Nunes. Em dois anos a tradição cultural da esquina poderá ser retomada. Crédito: Toninho Almada/ Arquivo Hoje em Dia

 

Clara Nunes - uma esperança

“O dia em que fui à reinauguração do Sesc Palladium foi muito emocionante para mim. Não consigo pensar que (um outro espaço) concorre com o meu. Teatro é algo que deveria ter em toda esquina”, idealiza o diretor Kleber Junqueira. O espaço a que o diretor se refere fechou em 1999 e era apenas chamado de Cine Palladium. Agora, o lugar que recebe importantes peças e shows chama-se “Sesc Palladium” e fica na mesma rua que uma outra promessa: Teatro Clara Nunes. A expectativa é de que o ideal de mundo do diretor – “teatro em toda esquina” – pelo menos ali, na esquina entre rua Rio de Janeiro e avenida Augusto de Lima, se consolide a partir de 2017.

Desativado desde 1999, o Clara Nunes possui um contrato de concessão de uso pelo prazo de 30 anos, assinado entre o Sesc e o governo estadual, em 2013. Por meio deste acordo, o teatro passará por obras de revitalização e modernização. O empreendimento está em processo de licenciamento junto ao município.

O processo foi aberto em 2014 e já passou por diversas fases do licenciamento como a emissão da Orientação para o Licenciamento de Empreendimento de impacto, Estudo de Impacto de Vizinhança e emissão do Parecer de Licenciamento Urbanístico.

Atualmente, os o processo está na fase de emissão do “Atestado do Cumprimento das Diretrizes do Parecer de Licenciamento Urbanístico”. Conforme a assessoria do Sesc MG, após a emissão deste documento o projeto passará por nova análise da Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana para a emissão do Alvará de Construção, então as obras de revitalização poderão ser iniciadas.

Entre as mudanças previstas estão a reforma geral do espaço do teatro existente, com a substituição de todos os acabamentos e revestimentos, inclusive tratamento acústico adequado; sonorização; sistema de condicionamento de ar; layout compatível com as normas e diretrizes vigentes; desnível mínimo entre fileiras de poltronas; reforma da fachada, entre outras.

A desativação foi feita por determinação do Ministério Público, para que fosse adaptado às regras de acessibilidade e segurança, atualmente o teatro tem capacidade para receber 400 pessoas. Após a revitalização pelo Sesc, em atendimento a essas normas, passará a comportar 300.

Inaugurado no início da década de 1960, com o nome original de Cine Teatro Imprensa Oficial, em 1993, após reformas, passou a se chamar Teatro Clara Nunes. O teatro tem formato italiano e, após a reforma vai se chamar Teatro Sesc Clara Nunes. A previsão é de que o novo espaço some ao Sesc Palladium, que possui um teatro com 1.321 lugares e um Teatro de Bolso com 82 lugares.
 

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