
É inevitável, pelo menos em um primeiro momento, escutar o termo “Lolita” e não se lembrar do romance do russo Nabokov. Mas, quando se trata da moda, a relação não faz sentido algum. O estilo Lolita, que tem origem no Japão, vai na contramão de qualquer sexualização. Inspirado na era Vitoriana, na Belle Époque e por aspectos do Rococó, surgiu justamente em oposição à exposição cada vez mais comum do corpo, buscando resgatar uma forma de se vestir mais recatada e delicada.
Adepta há cinco anos, Alessandra Lessa, 20 anos, ressalta a importância que o hobby tem em sua vida: “Estava passando por uma fase muito conturbada antes de descobrir o estilo, precisava de algo”, rememora a estudante, que contou com o apoio da mãe ao adotar o visual.
EXCEÇÃO - No geral, as meninas costumam evitar lugares públicos: não que não gostem de ser abordadas, apenas se incomodam quando a aproximação é permeada por certa falta de senso ou quando tiram fotos sem pedir permissão (FOTO: Jéssica Malta Couto/Divulgação)
Sua amiga, a publicitária Vitória Barros, 23, ressalta, porém, que as duas só se vestem assim em ocasiões especiais. “Do contrário, seria muito custoso. Você tem que se dispor a colocar a roupa, fazer a maquiagem, usar acessórios grandes no cabelo...”, lista.
Reações nas ruas
Essas ocasiões costumam ser eventos de cultura pop ou mesmo encontros organizados pela comunidade de Lolitas de BH – geralmente, na casa de uma das meninas. “É mais confortável. Tem gente que não gosta muito da exposição, da abordagem das pessoas. E sou uma delas”, diz Alessandra. A estudante se incomoda quando, por exemplo, alguém tira foto sem pedir permissão. “É uma imagem nossa. Não me importo de posar, desde que peçam”.
Vitória analisa que, no esforço de compreenderem, as pessoas tentam “puxar” para o que é mais próximo do que vivenciam. Perguntas como “É teatro?” estão entre as mais frequentes. Mas teve a vez em que, passando muito mal, Alessandra foi instada a responder “o que era”. “Respondi: uma pessoa”, rememora.
Crianças e idosos costumam ter uma abordagem mais cool. “A gente vê realmente que a pessoa está encantada. Crianças nos olham e nos associam com princesas”, diz Vitória.
‘ELAS SE PARECEM COM BONECAS’
A comparação com bonecas também é rotina – mas as Lolitas garantem que a aproximação visual não é intencional. “Como as bonecas de época reproduziam as damas da sociedade, é normal (a comparação). Embora a gente use maquiagem e roupas que possam remeter a essa ideia, o objetivo não é parecer com bonecas”, explica Vitória Barros, que segue o estilo há sete anos.
LOLITAS, UNIDAS – Acima, e devidamente a caráter, algumas das representantes do estilo Lolita no Brasil, em um dos vários encontros da comunidade (FOTO: Acervo pessoal)
Com uma moda composta por peças extremamente femininas, como vestidos, saias, laços e fitas, Vitória explica que é comum também a comparação à indumentária infantil, o que reforça ainda mais o estereótipo “boneca”. “Atualmente, as roupas são extremamente unissex. Então, quando surge um grupo de pessoas que opta por se vestir de maneira tão feminina, as pessoas começam a comparar com roupas infantis, porque elas costumavam ser assim”.
Comunidade
De modo geral, não existe um perfil, um tipo físico para ser lolita, explica Vitória, que destaca também a pluralidade da comunidade belo-horizontina. “Existem lolitas gordinhas, negras, altas, baixas, asiáticas, ruivas, lolitas que têm 16 anos ou mesmo lolitas que já têm filhos.
Alessandra destaca também a união do grupo. “A comunidade em BH é muito unida, é comum que aniversários sejam comemorados tanto em família quanto com as Lolitas”.
Brolito
A moda Lolita é um estilo feminino, o que não impede que homens também optem por aderi-lo. “Brolito”, que inicialmente surgiu como um termo pejorativo, é o nome que se dá para os homens que se vestem como Lolita. “Nunca vi um Brolito mal feito, você sempre olha e pensa que é uma mulher”, conta Alessandra Lessa.
Lifestyle
Apesar de ser uma maneira de se vestir, existem pessoas que se apropriam também de valores, costumes e práticas do dia a dia que resgatam as qualidades de uma dama. Portanto, há quem siga um modo de vida baseado em costumes mais “antigos”.
NA CATWALK – Modelo desfila o lolita styled dress, um dos mais presentes no já famoso bairro de Harajuku, em Tóquio (FOTO: Yoshikazu TSUNO e TOSHIFUMI KITAMURA/AFP)
Alessandra conta que inicialmente até pensou em seguir o lifestyle, já que muitas das práticas já eram presentes em seu cotidiano – mas, por conta das muitas restrições, declinou da ideia. “O questionamento é justamente esse. Muita gente quer seguir, mas, para isso, é preciso abrir mão de muita coisa. Você não pode andar desacompanhada, por exemplo, e nem andar de ônibus. Vai ter uma carruagem, então?”, complementa Vitória.
TEM ATÉ LIVRO - Misako Aoki (à direita) no lançamento do "Lolita Fashion Book" em Tóquio, no ano passado (FOTO: Yoshikazu TSUNO e TOSHIFUMI KITAMURA/AFP)
* Colaborou Jéssica Malta Couto/Especial para o Hoje em Dia