Sergio Vilas-Boas volta ao terreno da ficção após se enveredar por vários projetos

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
Publicado em 29/08/2015 às 11:06.Atualizado em 17/11/2021 às 01:33.
 (Divulgação)
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Involuntariamente – ressalte-se – Sergio Vilas-Boas foi se afastando da escrita ficcional. Com mais precisão, desde “Os Estrangeiros do trem N”, de 1998. Desde então, o também jornalista e professor se enveredou em projetos das mais diversas naturezas – reportagens, biografias, perfis e ensaios – que, sem dúvida, amplificaram seu nome, ainda que não a ponto de sepultar o interesse em fazer as pazes (digamos assim) com a ficção.
 
A reativação deste motor chegou ao mercado em maio último: “A Superfície Sobre Nós” (Editora Amarilys), o título em questão, ganha sessão de autógrafos na capital mineira nesta sábado (29) – a partir das 11h, na Quixote Café e Livraria.
 
Em cena, dois personagens – Jaime e Hugo – de gerações distintas. O caminho que os aproxima vem palmilhado de sensações ambíguas. Ao Hoje em Dia, Sergio conta que Jaime, antropólogo, pertencente à geração Baby Boomer, é fruto de um “experimento” de natureza autobiográfica feito há cerca de dez anos atrás, e posteriormente abandonado.
 
O rascunho, porém, lembra ele, foi guardado, e recentemente revisitado, junto a outro que, por seu turno, se debruçava sobre a chamada Geração Y. E veio a ideia de imbricar as duas tramas. O que não foi tarefa das mais fáceis. “Eram textos que não dialogavam, unilaterais. Tive que achar pontos de contato, e um deles foi a diferença geracional. Sou professor, lido muito com jovens tecnológicos, e eu próprio pertenço a uma geração de transição. A gente se adaptou, mas não é digital. Migrou, mas sabe como a vida era antes, e isso faz uma grande diferença. E aí vi o fascínio mútuo”, esmiuça Sergio, para quem o pulo do gato é o texto não fechar questão sobre nada.
 
Sergio Vilas-Boas – Lançamento neste sábado (29), das 11 às 14h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi)
 

Como a história de "A Superfície Sobre Nós" foi se esboçando em sua mente?

Encontrei tempo em minha vida e forcei a existência dela (história). Ao dar uma revisada nos meus arquivos, encontrei esse texto, que chamei de um experimento autobiográfico, bem como o esboço de um conto sobre um jovem da chamada Geração Y, tão falada. Entre tantos textos, peguei esses dois e fui dando "força". Então, o livro tem um quê de autobiográfico, uma vez que vou fazer 50 anos em novembro, portanto, pertenço à geração de Jaime, que faz um contraponto. O narrador é um jovem, e conhece esse sujeito de idade e características geracionais distintas. Descobri que o que poderia fazer era trabalhar essa relação inusitada, mas nada a ver com uma relação mestre e discípulo. Eles se envolvem, e o relacionamento é pautado tanto pelo fascinio mútuo quanto pela estranheza.

Como professor, como analisa essa chamada Geração Y?

Acabo me envolvendo com boa parte dessas pessoas, pela frequência dos encontros (como professor), e vice-versa. Há muitos distanciamentos, claro. A minha geração tem uma capacidade de concentração maior e a nova, uma certa dificuldade em focar. Há, portanto, um distanciamento que precisa ser calibrado para se encontrar um ponto de equilíbrio. Por conta da atenção fragmentada, e pela vontade de o jovem de estar em toda parte, vejo uma certa mas algumas vezes sem uma capacidade de reflexão. Quando jovem, a gente acreditava em coisas como o socialismo, a derrubada do sistema. Hoje, as pessoas estão mais interessades em questão hiperfocais. O que é muito importante, sem dúvida, mas às vezes é tudo meio picotado. Hoje. é possível ter tribo de um só. Não quero que esse estranhamento seja muito diferente do da minha geração para as anteriores, mas a tecnologia transformou muita coisa. Eu, por exemplo, sou viciado em privacidade, é totalmente impensável, para mim, opinar loucamente nas redes sociais, talvez até pelo fato de ser jornalista, de me preocupar com a informação, em apurar com esmero, o que não é a tônica de hoje. Nas redes, não há tanto a verificação da origem da fonte. Na verdade, penso que as redes sociais, hoje, são mais um jogo de afagos entre o emissor e seus seguidores.

Você ficou muito tempo longe da ficção. Sentiu uma espécie de chamado?

"Os Estrangeiros do Trem N", escrito há 18 anos, não foi um grande mergulho ficional. Era um romance, mas era uma história realista, fruto de muita pesquisa. Depois, calei esse chamado e isso estava me incomodando muito. Não conseguia engatar um projeto, conclui-lo. A não-ficção é muito fascinante, mas faltava a liberdade de oferecer uma interpretação mais ficcional e adorei ter voltado a isso, foi uma grande renovação. Não quer dizer que vou abandonar a não-ficção, mas é bom transitar pelos dois universos, e para mim é relativamente "fácil". Sinto - não tenho certeza - que tenho feeling, que conheço bem os limites para cada um.

"A Superfície Sobre Nós" foi lançada em maio, e você está no processo de divulgação. Mas já está se dedicando a outro projeto?

Desde o final de novembro passado, na escrita de outro romance, tentando aproveitar o arcabouço daquelas coisas inconclusas. Tive uma centelha interessante, que estou trabalhando nas horas vagas. Na verdade, esse semestre, me dei um período sabátíco, de seis meses. Estava esgotado, agora já posso dedicar umas quatro horinhas por dia a esse projeto. Desta vez, não deixo mais chegar a 18 anos (referindo-se ao hiato entre o romance anterior e o lançamento). Saí da Cásper Libero, a docência dá muito trabalho, e preciso editar a vida, tirar o que não interessa. Fui tirando algumas coisas, para poder exercitar uma escrita que chamo de "mais artistica".

Sergio Vilas-Boas é jornalista, professor e autor de vários livros: Perfis: o mundo dos outros (Manole) é uma de suas obras mais jornalísticas; e Biografismo (Unesp) está entre as suas principais produções acadêmicas. Leia mais no sergiovilasboas.com.brOLHO: Nascido na capital mineira, Vilas-Boas mora em São Paulo desde 1998.

 

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