(Pablo Bernardo/Divulgação)
“Você tem perfil corporal para tentar o concurso da Globeleza”, ouviu Elisa Nunes, em 2016, enquanto investigava a nudez e os recursos corporais festivos no curso de Dança da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Deparar-se, no contexto acadêmico, com uma afirmação que reforça a objetificação da mulher negra deixou a artista mineira intrigada.
Esse foi o ponto de partida para a criação da cena curta de dança “Refém Solar” – agora transformada em um espetáculo cheio, cuja temporada estreia nesta quinta-feira (6) no Galpão Cine Horto.
Elisa conta que, após o episódio, começou uma pesquisa focada no estereótipo da mulher negra. “Pensei muito em deixar de acessar a nudez para evitá-lo, mas entendi que isso não me tirava desse lugar. Acabamos reféns do fetichismo ligado ao padrão corporal da mulher negra, de pele clara e magra”, reflete.
A artista ressalta que a hiperssexualização não resume a imagem dessas mulheres. “Depois que os estigmas nos são colocados, é muito difícil fugir dessa leitura. Então, quis trazer o horror e o bizarro da objetificação, mas também olhando essas mulheres para além da violência, abordando a essência de suas vidas”, relata.
A partir da cena curta, Elisa Nunes passou a investigar a obra de poetas de slam (poesia falada), como Mel Duarte e Luiza Romão, que refletem diferentes nuances do feminismo negro. “Esses poemas me inspiraram a também escrever poesia sobre como o mundo lê meu corpo. Assim, o texto do espetáculo foi construído como uma colagem de vários poemas”, conta.
Versos próprios
Integrante da Cia Espaço Preto, a artista também se apoiou no conceito de “escrivivências”, da escritora mineira Conceição Evaristo. “Nos instiga a criar material de registro através de vivências particulares. Me deu mais segurança, inclusive, para entender a beleza dos meus versos. Por fim, ‘Refém Solar’ cuida disso, da potência da arte que fala de si”, afirma.
O espetáculo conta com trilha sonora de Samanta Rennó e provocação cênica de Morgana Rodriguez e Rainy Campos. Além disso, recursos audiovisuais complementam a dança.
“Em certos momentos, me aproximo de movimentos animalescos, bruscos, que mostram uma situação de escravização. Ali, abuso de paisagens sonoras estranhas, incômodas. Já em outro, me dedico à degustação de um samba, em uma velocidade extremamente lenta. Tento mostrar o valor dessas mulheres, o brilho que elas trazem, independente do glitter”, finaliza a artista.
Serviço:“Refém Solar”. De quinta-feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h, no Galpão Cine Horto (rua Pitangui, 3.613 – Horto). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
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