ENTREVISTA

‘A longevidade da Cedro vem da capacidade de adaptação e da inovação’, diz presidente da companhia

Aos 153 anos, empresa têxtil também aposta na sustentabilidade para se manter ativa, diz Fábio Mascarenhas Alves

Do HOJE EM DIA
portal@hojeemdia.com.br
Publicado em 01/09/2025 às 06:00.Atualizado em 01/09/2025 às 07:18.
"Nosso ciclo de investimentos percorreu toda a cadeia produtiva, com foco em inovação, qualidade e sustentabilidade", diz Fábio Mascarenhas Alves (Washington Alves/ Light Press)
"Nosso ciclo de investimentos percorreu toda a cadeia produtiva, com foco em inovação, qualidade e sustentabilidade", diz Fábio Mascarenhas Alves (Washington Alves/ Light Press)

Fundada em 1872 em Minas Gerais, a Cedro Têxtil é uma das empresas mais longevas em atividade no Brasil — e uma das poucas que viveu, na prática, todas as revoluções industriais. Nasceu na época dos teares de madeira, quando a produção têxtil nacional ainda engatinhava, e chegou em 2025 conectada ao que há de mais moderno: inteligência artificial, automação, machine learning e um modelo industrial baseado em sustentabilidade e economia circular.

Nos 153 anos de trajetória, a companhia mineira não apenas sobreviveu a guerras, crises políticas e transformações tecnológicas profundas. Ela soube evoluir. Líder em workwear (uniformes) na América Latina e uma das principais fabricantes de sarja e denin, o tecido que faz o jeans, a empresa colhe os frutos de um ciclo recente de investimentos que supera R$ 100 milhões e promoveu um salto de inovação com reflexos diretos na produtividade e, principalmente, no impacto ambiental da operação.

Os números confirmam: a Cedro reduziu em 85% as emissões de CO2e em 73% o consumo de vapor, em 50% o uso da água e em 33% a energia elétrica.

São quatro fábricas, todas instaladas em Minas Gerais, nos municípios de Sete Lagoas, Caetanópolis e Pirapora, com capacidade instalada para 70 milhões de metros de tecido por ano. As ações são negociadas na bolsa de valores de São Paulo desde 1981.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Fábio Mascarenhas Alves, que assumiu a presidência da empresa neste ano, fala sobre os pilares dessa transformação. O executivo também comenta sobre os impactos do tarifaço imposto pelo EUA no setor têxtil.

A Cedro é uma das empresas mais longevas do Brasil, com 153 anos. Como a companhia se mantém competitiva diante dos desafios atuais?

A longevidade da Cedro se sustenta em sua capacidade de adaptação e investimento contínuo em inovação. Nos últimos dois anos, por exemplo, realizamos um dos maiores ciclos de investimentos (Capex) da nossa história, com mais de R$ 100 milhões destinados a três pilares estratégicos.

O primeiro pilar é a sustentabilidade. Como uma indústria integrada — da entrada da matéria-prima ao tecido acabado — temos ampliado o uso de matérias-primas diversificadas e adotado tecnologias que reduzem significativamente a pegada de carbono.

Esse esforço nos levou à renovação da certificação do GHG Protocol – FGV, posicionando a Cedro entre as poucas empresas têxteis do país a alcançar esse nível de reconhecimento.

O segundo pilar é a modernização dos processos industriais, com a internalização de etapas-chave voltadas à produção de tecidos tecnológicos. Essa primarização reduziu significativamente o lead time, consolidando a nossa reputação como referência em agilidade de entrega.

O terceiro pilar é o controle em tempo real dos processos produtivos. Com o uso de ferramentas digitais, inteligência artificial e machine learning, conseguimos aumentar a eficiência operacional, garantir estabilidade de qualidade e assegurar a melhor performance para nossos clientes.

O senhor pode detalhar esses investimentos?

Nosso ciclo de investimentos percorreu toda a cadeia produtiva, com foco em inovação, qualidade e sustentabilidade.
Nas fiações, incorporamos três das tecnologias mais avançadas do mundo: fiação anel, fiação open-end (OE/rotor) e fiação a jato de ar (Vortex®). Essa diversificação nos permite maior flexibilidade e desempenho. Um destaque é a adoção do fio compactado, que melhora a aparência do tecido e reduz em até 90% a pilosidade — um diferencial importante para o segmento da moda.

Na tecelagem, investimos em teares japoneses da Toyota, reconhecidos por sua alta performance e versatilidade, ampliando nossa capacidade produtiva com eficiência.

No acabamento, aumentamos a capacidade da tinturaria voltada ao Workwear e substituímos as caixas convencionais de lavagem por caixas ultrassônicas — uma mudança com grande impacto ambiental e tecnológico. Além disso, adquirimos um equipamento de última geração da alemã Brückner, que assegura estabilidade dimensional aos tecidos, melhora a produtividade e reduz significativamente o consumo energético.

Por fim, implantamos um sistema moderno de tratamento de água por osmose reversa, garantindo altíssimo grau de pureza para reuso industrial, reforçando nosso compromisso com a sustentabilidade.

A sustentabilidade ganhou protagonismo nesse ciclo. Que avanços ambientais a Cedro alcançou?

A transformação ambiental foi uma das áreas em que os investimentos realizados trouxeram mais resultados palpáveis.

Reduzimos em 85% as emissões de CO2 com base no nosso inventário de carbono certificado pelo GHG Protocol – FGV, um dos mais respeitados padrões internacionais de mensuração.

No uso da água, implantamos soluções inovadoras, como a substituição das caixas de lavagem convencionais por sistemas de lavagem ultrassônica. Essas caixas utilizam ondas de ultrassom para remover impurezas e resíduos dos tecidos, eliminando a necessidade de fricção mecânica intensa, reduzindo tanto o uso de produtos químicos como de altas temperaturas.

Os resultados são expressivos: redução de 50% no consumo de água, 73% no uso de vapor e 33% no consumo de energia elétrica nessa etapa do processo. Além disso, essas caixas ocupam 80% menos espaço físico, contribuindo para uma planta mais enxuta, limpa e segura.

Outro benefício é que o processo ultrassônico preserva melhor a integridade das fibras, resultando em tecidos de maior qualidade. Complementamos esse avanço com a tecnologia Airflow®, que utiliza ar pressurizado no tingimento e consome volumes mínimos de água, e com a estação de osmose reversa, que desmineraliza a água de alimentação adequando-a à qualidade exigida pelas caldeiras e compressores, permitindo seu reuso total, nesses processos específicos.

Hoje, operamos com indicadores ambientais muito acima da média do setor.

Essa modernização também incluiu avanços em automação industrial?

Sim. Implantamos sistemas de controle em tempo real em diferentes etapas da produção, o que elevou a precisão, reduziu variabilidades e ampliou a capacidade de resposta da planta. Também criamos uma gerência exclusiva para conduzir as frentes de tecnologia operacional e inovação, com o objetivo de acelerar a transição da Cedro para a Indústria 4.0.

A digitalização da produção já envolve inteligência artificial e machine learning?

Sim, especialmente nos processos de fiação e tecelagem. Utilizamos inteligência artificial e machine learning para otimizar a qualidade dos produtos, reduzir perdas, prever desvios e ajustar variáveis críticas com mais rapidez. Isso garante mais estabilidade e previsibilidade em toda a operação.

Quais certificações ambientais a empresa possui, além do GHG?

Além do GHG Protocol – FGV, somos certificados pelas normas ISO 14.001, Clean Chain, Oeko-Tex, Cradle to Cradle (C2C) e Aniline Free. São selos que atestam nosso compromisso com práticas ambientalmente corretas e com o controle rigoroso de substâncias utilizadas ao longo de todo o processo.

Falando em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos?

Sim. Contamos com uma área estruturada de P&D e já conquistamos patentes importantes, sobretudo no desenvolvimento de tecidos funcionais voltados ao Workwear e à proteção industrial. Também mantemos parcerias com universidades e centros de pesquisa, algumas delas sob acordos de confidencialidade.

Houve ganhos concretos de produtividade com essa transformação?

Sem dúvida. A modernização das linhas de fiação, o uso do fio compactado, a renovação da engomadeira, a atualização dos teares e o aumento da capacidade de tingimento nos proporcionaram ganhos significativos em tempo de resposta, estabilidade de produto, economia de recursos e escalabilidade. Também reduzimos custos operacionais e ampliamos nossa agilidade de entrega, que já é reconhecida no mercado.

Em um setor tradicional como o têxtil, como a Cedro se mantém à frente?

Nosso diferencial está na combinação de legado com inovação. Somos a única empresa da América Latina homologada a usar a marca Proban®, que confere ao tecido resistência à chama.

Também somos os únicos no Brasil a operar com os três sistemas de tingimento índigo para denim. E preservamos o maior acervo da história têxtil brasileira, no museu mantido pela Cedro em Caetanópolis. Tudo isso prova que, para nós, o futuro se constrói com base sólida no passado — mas sempre com o olhar voltado para frente.

Nesse momento econômico desafiador, como o tarifaço imposto pelos Estados Unidos impacta a Cedro e o setor têxtil brasileiro?

Embora a Cedro não exporte para os Estados Unidos e, portanto, não sofra impacto direto das medidas implantadas, acompanhamos com atenção os seus desdobramentos na dinâmica da economia mundial e na do Brasil em particular. O impacto sobre o setor é significativo, especialmente na cadeia de fornecimento e na competitividade internacional das empresas brasileiras. 

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) projetava exportações de US$ 500 milhões para os EUA neste ano. Com a tarifa de 50%, muitas dessas operações se tornam inviáveis, num cenário em que o setor já enfrenta desafios como custos logísticos elevados, pressão por sustentabilidade e concorrência externa.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por