Entrevista

Discernimento é a chave para não cair na ‘black fraude’, alerta superintendente do Ipead/UFMG

Economista Renato Mogiz Silva reforça que comprar sem necessidade, mesmo com oferta, é mau negócio

Renato Fonseca
rfonseca@hojeemdia.com.br
13/11/2023 às 07:00.
Atualizado em 15/11/2023 às 12:08

Economista Renato Mogiz Silva é o superintendente-geral do Ipead/UFMG (Fernando Michel)

Economista Renato Mogiz Silva é o superintendente-geral do Ipead/UFMG (Fernando Michel)

Faltando menos de duas semanas para a tradicional Black Friday, lojas de ruas, sites de vendas e até as redes sociais estão abarrotadas de “promoções”. A palavra oferta – quase sempre escrita em letras vermelhas garrafais – é capaz de seduzir muitos consumidores. Mas será que agora é mesmo a hora de antecipar as compras de Natal, garantir o sonhado eletrodoméstico ou gastar com um simples mimo? Aproveitar a redução nos preços pode parecer um bom negócio, mas o momento exige cautela para não ficar endividado. E mais, atenção redobrada para não cair em armadilhas – na boca do povo, “black fraude”. 

O alerta é do economista Renato Mogiz Silva, superintendente-geral da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas (Ipead/UFMG). O especialista atua na área há 25 anos. Além das dicas para comprar com discernimento, ele falou sobre o atual momento da economia belo-horizontina, como o custo de vida da população, desaceleração da inflação e expectativa para as vendas do Natal. Confira: 

Estamos a poucos dias da Black Friday. Que dicas o senhor pode dar à população que pretende ir às compras? É hora de aproveitar as “ofertas”?
É sempre positivo aproveitar as ofertas, no entanto, é crucial que as pessoas tenham discernimento durante a Black Friday. A relevância da oferta está diretamente ligada à necessidade real do indivíduo na aquisição do item ou serviço em promoção. Comprar sem necessidade, mesmo diante de preços atrativos, geralmente não resulta em um bom negócio. Uma orientação útil é conhecer bem os preços dos produtos ou serviços antes do início do período promocional. Isso permite que, durante a Black Friday, as pessoas se identifiquem e aproveitem as verdadeiras ofertas, evitando cair em armadilhas de anúncios enganosos, popularmente conhecidos como “black fraude”. O discernimento e o planejamento prévio são fundamentais para garantir que as compras realizadas durante esse período sejam realmente vantajosas e atendam às reais necessidades dos consumidores.

Em outubro, o Ipead mostrou que as vendas do comércio em BH para o Dia das Crianças foram menores em volume, mas maiores no valor dos presentes. Faltando pouco mais de um mês para o Natal, já é possível alguma previsão do tipo? O que esperar das vendas no Natal?
Mesmo antes da divulgação dos resultados da pesquisa especial do Ipead sobre o interesse de compras dos belo-horizontinos para o Natal de 2023, é razoável antecipar que o comércio em BH durante esta temporada natalina será bastante próximo ao do ano anterior, com tendência de ligeiro aumento nas vendas. Essa expectativa otimista baseia-se na leve alta observada no Índice de Confiança do Consumidor de Belo Horizonte (ICCBH), medido pelo Ipead, em outubro de 2023, quando comparado ao mesmo período do ano anterior.

Em 2023, o custo da cesta básica em BH caiu 5,91% e em 12 meses acumula queda de 3,29%. À primeira vista, parece que a população tem motivo para comemorar. Mas tem?
Embora a redução de 5,91% no custo da cesta básica em BH ao longo de 2023 e a queda acumulada de 3,29% em 12 meses possam inicialmente parecer motivos de celebração para a população, é crucial considerar uma perspectiva mais abrangente. Embora a diminuição nos preços dos alimentos essenciais seja positiva, é importante considerar que as despesas diárias não se limitam apenas à alimentação. Indivíduos e famílias têm necessidades que abrangem uma variedade de categorias, como saúde, educação, higiene, mobilidade e habitação. A moderação na comemoração se faz necessária ao percebermos que os preços desses itens e serviços não seguiram a mesma tendência de queda observada na cesta básica.

Portanto, embora a redução nos custos dos alimentos seja bem-vinda, é crucial manter uma visão equilibrada e considerar o impacto global nas despesas diárias para avaliar realmente o impacto positivo na qualidade de vida da população.

Era um cenário já esperado? Há espaço para cair mais?
Os valores dos itens da cesta básica são sensíveis a uma série de variáveis praticamente imprevisíveis, como condições climáticas, safras, concorrência internacional e outros fatores voláteis. A natureza dessas influências torna difícil prever com precisão a trajetória dos preços. Embora a redução de impostos sobre itens da cesta básica seja uma medida previsível, sua eficácia em impactar diretamente os preços pode ser limitada, especialmente nestes produtos que já gozam de isenções fiscais significativas. Neste contexto, afirmar que teremos novas consideráveis quedas seria um ato inconsequente, dada a incerteza causada por fatores que estão além do controle imediato e previsível das autoridades e consumidores.

Mesmo com as quedas, o valor médio da cesta básica ainda está em R$ 669,46. Ou seja, mais de meio salário mínimo. Em termos práticos, qual o impacto disso na vida das pessoas?
Itens da cesta básica são essenciais para que indivíduos e famílias vivam com dignidade. Mas é preciso ter em mente que além dos elementos essenciais presentes na cesta básica, existem outras necessidades para uma vida de qualidade, como saúde, higiene, educação, moradia e entretenimento. Sabendo que dificilmente conseguimos reduzir ou substituir o consumo dos itens da cesta e dos demais produtos e serviços classificados como essenciais, é razoável concluir que quanto menor o valor dos itens da cesta básica ou quanto maior a renda dos indivíduos, mais recurso poderá ser utilizado para adquirir outros itens essenciais, itens não tão essenciais e talvez até mesmo poupar para fazer um investimento importante no futuro, movimentos que promoveriam melhor qualidade de vida aos cidadãos.

Como o senhor avalia o custo de vida da população belo-horizontina em relação ao de outras capitais?
Como perspectiva inicial temos que o custo de vida varia entre as diferentes capitais e está diretamente relacionado à remuneração média da população. Ao classificar as 27 capitais brasileiras com base no custo de vida e dividir a lista ao meio, assim como ao classificá-las pelos salários médios e dividir da mesma forma, nota-se que as cidades com maior custo de vida também tendem a apresentar maior renda média. Belo Horizonte se destaca como uma cidade com custo de vida elevado, mas também se posiciona entre as localidades com renda média mais expressiva. No entanto, é importante ressaltar que eventos isolados e raros, como grandes alterações nas tarifas de ônibus urbanos, sob responsabilidade municipal, e mudanças nas alíquotas de ICMS, de competência estadual, podem ocasionar reposicionamentos no ranking das cidades, desafiando a teoria econômica ou a perspectiva inicial. Felizmente, no caso de Belo Horizonte, o aumento temporário na tarifa de ônibus urbano implementado foi revertido imediatamente. Caso contrário, o custo de vida na capital aumentaria consideravelmente.

O Ipead também mostrou que a inflação em BH desacelerou em outubro. O que motivou isso?
Os índices de preços do Ipead detectaram inflação em Belo Horizonte no mês de outubro, porém uma inflação menor que a observada no mês de setembro. De uma forma geral, tal desaceleração foi justificada principalmente pela ligeira redução nos preços de combustíveis.

No entanto, a alimentação continua pressionando as famílias. Comer fora de casa está mais caro em BH. Qual a explicação?
As pesquisas do Ipead revelam que os itens da cesta básica apresentaram redução e também revelaram que os itens não alimentares estão exercendo uma pressão inflacionária. Para explicar essa dinâmica, é crucial registrar que para um estabelecimento oferecer alimentação pronta para consumo fora de casa, ele depende não apenas dos insumos alimentares, mas de uma série de outros itens e serviços. Além dos alimentos, o empreendimento necessita de um espaço físico, serviços de cozinheiros, garçons, segurança, manutenção, limpeza, laudos e licenças de funcionamento, além de arcar com despesas como água, luz, gás, e serviços administrativos, como administração e contabilidade. Além disso, é preciso reservar uma margem de lucro para justificar os riscos inerentes ao negócio e possibilitar investimentos futuros.

 

 Recentemente, a taxa básica de juros, a Selic, teve o terceiro corte seguido neste ano. Qual a expectativa do Ipead para o fim deste ano? Novos cortes?

De acordo com a mais recente pesquisa realizada entre executivos de grandes instituições, a expectativa é que a taxa chegue ao fim ano de 2023 em 11,25% ao ano. Isso sugere uma grande probabilidade de que o COPOM implemente mais um corte, desta vez de 0,5 ponto percentual, durante a próxima reunião agendada para os dias 12 e 13 de dezembro. Apesar dessas reduções, uma preocupação entre os economistas tem surgido. As pesquisas de taxas de juros conduzidas pelo IPEAD indicam que a velocidade da queda das taxas de juros no mercado não tem acompanhado o ritmo da redução da taxa Selic. Isso tem o efeito de retardar os resultados positivos dos cortes de juros da Selic sobre o comércio, investimento, emprego e renda.

O Ipead também mostrou que o número de consumidores que receberão o 13º salário neste ano caiu na capital mineira. Serão apenas 49%. Por que houve essa queda? Qual o impacto na economia belo-horizontina?
Apesar da queda, o percentual de 2023 ficou muito próximo do observado no ano anterior. Então podemos esperar que o montante transacionado na economia belo-horizontina decorrente dos pagamentos de 13º salário neste ano será muito próximo ao que se transacionou no ano anterior.

BH viveu esse ano uma alta da tarifa de ônibus, seguida por recuo após o pagamento de subsídio ao setor. No entanto, a prefeitura já considera a possibilidade de reajuste em 2024, com a passagem indo de R$ 4,50 para R$ 5. Como um aumento impacta o trabalhador? E o empregador?
É reconhecido que os custos de produção e prestação de serviços variam ao longo do tempo devido às flutuações de preços no mercado. Nesse contexto, é razoável, justo e legal aplicar revisões anuais nos preços ou nos valores contratuais, desde que o percentual de correção seja equivalente à variação dos custos dos itens utilizados na produção ou prestação dos serviços. No caso específico dos contratos com empresas de transporte e tarifas tarifas de ônibus em BH, surgem desafios para os gestores municipais. Primeiramente, as passagens de transporte urbano têm um impacto significativo no orçamento dos trabalhadores e nas despesas dos empregadores. Além disso, a maioria dos contratos inclui alterações para a correção de preços que alteram a manutenção da saúde econômica dos acordos. Sobre o próximo reajuste, apesar de sermos de um Instituto de Pesquisas Econômicas com 75 anos de experiência em trabalhos grandes e complexos envolvendo preços de mercado e metodologias de custos, não temos elementos para apontar o percentual justo a ser aplicado na época uma vez que desconhecemos o contrato, suas planilhas e metodologias de cálculos de custos e reajustes.

Podemos afirmar que em situações como essa, é crucial que o órgão fiscalizador conte com uma instituição capacitada, inquestionável e totalmente independente para identificar e aplicar a melhor metodologia técnico-científica de apuração da variação nos custos da prestação do serviço de transporte na capital. Além disso, é fundamental que as partes envolvidas, prefeitura e empresas de transporte, cumpram os termos contratuais para evitar insegurança jurídica e a precarização do serviço oferecido.
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