'Já prendi o mesmo indivíduo cinco vezes em um dia', diz comandante-geral da PM em Minas
Coronel Carlos Frederico Otoni Garcia defende "endurecimento" da legislação para evitar a entrada no mundo do crime e a reincidência: "temos uma lei que beneficia muito o infrator"

“Infelizmente, temos hoje uma lei que beneficia muito o infrator”. Este é o grande desafio da segurança pública de Minas Gerais, de acordo com o comandante geral da Polícia Militar do Estado, coronel Carlos Frederico Otoni Garcia. O militar defende um “endurecimento na legislação”, para “desencorajar um novo cometimento de crime” pelos infratores. Cita casos de pessoas com até 80 passagens pela polícia, que constantemente são presas, mas rapidamente acabam livres.
Natural de Barbacena, região Central do Estado, Otoni também mencionou situações vivenciadas em Varginha, onde se formou como aspirante em 1998. Relembra, por exemplo, quando um jovem foi preso por ele cinco vezes no mesmo dia. Na última, ao ser entregue na delegacia, o criminoso perguntou ao então tenente: “Não vai demorar muito não, né? Porque eu vou cometer outros”. Para o militar, a situação não mudou até hoje.
Após dez anos trabalhando no Sul de Minas, o militar recebeu um convite para trabalhar na Academia da Polícia Militar, em Belo Horizonte. Passagem pelo Batalhão Rotam e experiência de trabalho na Copa do Mundo de 2014 marcaram o início da carreira dele na capital mineira, até ser convidado para assumir a chefia do Gabinete Militar do governador Romeu Zema (Novo). Em setembro de 2024, tornou-se comandante-geral da PMMG.
Além de argumentar a favor de uma mudança na legislação penal, nesta entrevista ao Hoje em Dia, o coronel celebrou a oportunidade de estar à frente da PMMG na comemoração dos 250 anos da corporação. Segundo ele, “nem nos sonhos mais fantasiosos imaginaria” estar nessa posição em uma data tão importante.
A Polícia Militar de Minas Gerais está completando 250 anos. O que isso representa para a corporação?
É um momento histórico. São dois séculos e meio, um quarto de milênio da Polícia Militar mais antiga do Brasil, que serve como referência, logicamente, para todas as outras. É um momento muito simbólico. É uma história que foi construída desde 1775 com a criação do regimento regular de cavalaria, onde nós tivemos a honra de ter entre os nossos o Alferes Tiradentes, que é o patrono de todas as polícias militares do Brasil e lá começa também a história dele, junto aos conjurados. Depois, o regimento passa a ter uma denominação de força pública, de Polícia Militar, e quando de fato acontece essa denominação, ela deixa de ser mais aquartelada e passa para a ser uma polícia mais comunitária, mais próxima da sociedade. Estamos atualizando as nossas doutrinas para que nós possamos cada vez mais sermos eficientes no aspecto da segurança pública. Entendo que hoje Minas Gerais é nacionalmente conhecido como um dos estados mais seguros do país.
Qual o maior desafio da segurança pública de Minas Gerais?
Eu diria que Minas Gerais não tem um desafio específico. Na verdade, acho que é um desafio de âmbito nacional. Nós temos hoje, infelizmente, uma lei que beneficia muito o infrator, a partir do momento em que temos um número muito grande de prisões, que não se revertem em cerceamento de liberdade. Recentemente nós completamos mais de 11 mil prisões decorrentes de mandados de prisão em abertos, o que significa dizer que lá atrás grande parte desses 11 mil indivíduos já foram presos pela Polícia Militar, não ficaram encarcerados e a PM teve o trabalho de relocalizá-los e efetuar a prisão. Temos hoje pessoas com 80 passagens pela Polícia Militar, 40 passagens pela Polícia Militar e o grande problema é que quando nós falamos de crimes, qualquer crime impacta na vida da sociedade. Quando temos, por exemplo, um furto, dificilmente temos um autor que a Polícia Militar prende e ele fica efetivamente preso. Então, esse é o grande desafio hoje.
O senhor defende mudanças na legislação para garantir mais segurança à população?
Eu defendo porque entendo que o cerceamento da liberdade é que vai inibir e vai desencorajar um novo cometimento de crime. Fica uma sensação de impunidade, não só para o policial militar, mas também para a sociedade, porque ela vê o trabalho da PM, indo lá, realizando a prisão do autor, ou que roubou ou que furtou um pertence de um cidadão de bem. E esse cidadão acaba tendo que ver novamente esse indivíduo solto, conviver com ele perante a sociedade e isso é extremamente frustrante. Então a gente precisa rever, logicamente, a nossa legislação.
Como está a questão das bases comunitárias móveis da PM? São quantas atualmente? Há previsão de expansão em BH? Ou para outras cidades?
São 226 bases comunitárias em todo o Estado. É uma estratégia exitosa da Polícia Militar lá de atrás, que tem como objetivo, talvez o nosso principal até hoje, que é gerar cada vez mais proximidade da nossa instituição com a comunidade. O processo de ampliação dele é estratégico, porque logicamente quando nós colocamos uma base de segurança em um determinado local, tem todo um estudo que respalda a instalação dele ali. A localização, o tráfego de veículos, de pessoas. Então, esse processo acontece hoje gradualmente. Nós temos e continuamos expandindo principalmente para outras cidades, já que Belo Horizonte foi a primeira e a gente entende que aqui foi o embrião.
Recentemente o Hoje em Dia mostrou alguns casos de roubos de correntinhas no Centro de BH. É possível aumentar o policiamento na região?
Precisamos atuar justamente nesses locais de forma mais concentrada, onde nós temos maior incidência de alguns tipos de crime que geram essa sensação de insegurança, o que é uma particularidade muito grande do furto. Vou citar um outro crime aqui que gera um problema muito grande: autores de furto de fiação elétrica. Nós prendemos muito, só que as pessoas não ficam presas. Quando eu falo desses indivíduos com 40 ou 80 reincidências, a maioria deles é preso na prática de furto. Então, a gente faz um trabalho, mas ele não tem o final desse ciclo, que é a punição pelo cometimento do crime. A gente prende e solta, prende e solta. Isso que acaba na verdade gerando esse conforto, essa motivação para que ele possa ser recorrente no crime. Quando eu trabalhava em Varginha, eu prendi o mesmo menor de idade cinco vezes em um mesmo dia. Na última vez, quando estávamos entregando ele na delegacia, ele virou para mim e falou assim: “Não vai demorar muito não, né? Porque eu vou cometer outros”. Essa é a realidade. Eu passei por isso enquanto tenente e não mudou.
Durante o Carnaval, a PM fez o uso de drones com superzoom. Esses equipamentos seguem em operação? Haverá ampliação do uso?
Os drones continuam sendo utilizados, inclusive nós estamos começando um projeto agora dada a efetividade e o êxito que tivemos, principalmente trabalhando com esse tipo de equipamento no Carnaval. Nós queremos ampliar para o ano que vem esse equipamento também para as nossas patrulhas rurais. A guarnição que está realizando esse patrulhamento pode chegar num determinado ponto operando o drone e ter um campo de visão ampliado de onde ela está. Isso vai facilitar a capacidade dela de atuação, de identificação, de cenários de risco, de identificar suspeitos nessa área principalmente voltada para o campo, que é tão rica em Minas Gerais e que a gente precisa cuidar também.
Ao tomar posse como comandante-geral da PM, em setembro do ano passado, o senhor chegou a dizer que considerava “desnecessário” o uso de câmera no fardamento dos militares. O senhor ainda acha a medida desnecessária?
Quem me perguntou na minha posse, me perguntou fazendo referência a portaria que se tem da Secretaria de Segurança Pública e eu manifestei que eu não concordo com a forma como está disciplinada. Nós não somos contrários ao uso das câmeras corporais, tanto é que você vai encontrar policiais militares usando câmeras corporais. Isso não tem nenhuma proibição. Na verdade, o que nós defendemos é que a câmera corporal seja acionada pelo policial militar, o que não está dentro da portaria. E o mesmo governo federal, que quer nos impor essa condição, ele não impõe isso às suas forças. Então é meio um contrassenso.
Uma outra questão que nós temos também que entender é que se eu tiver que usar, utilizar recurso financeiro para aquisição de câmeras, eu tenho outras prioridades, como o drone, como a ampliação do reconhecimento facial. O custo da câmera em si, ele não é tão grande, mas o custo para você organizar o armazenamento dessas informações se torna totalmente inviável no cenário que nós temos hoje. Então, na verdade, de custeio que eu tenho, de ferramentas de segurança pública, ela não é a minha prioridade, mas eu sempre deixo claro, não tem nenhuma proibição, tanto é que vocês vão encontrar policiais militares utilizando câmeras corporais.
De tempos em tempos a discussão sobre o armamento da população volta à tona. Como o senhor vê a questão da posse de arma pelo cidadão comum?
Eu acho que é um processo que tem que ser encaminhado e construído, porque ele não envolve só você armar a sociedade. Você tem a guarda desse armamento. Você tem, logicamente, a responsabilidade, tem que ter o preparo. Então, hoje, quando eu falo de todo esse contexto da própria sociedade fazer a autodefesa, que garantias jurídicas ela tem da capacidade de fazer isso. Uma das recomendações mais antigas que a PM tem é para não reagir a determinados crimes, porque o bem maior é a vida. O patrimônio tem um valor, mas nada que se compare à vida. E eu entendo que a gente tem que passar primeiro por um processo de mudança legislativa para que de fato a gente tenha uma garantia de que os autores de crime estão sendo punidos, e aí sim talvez a gente discutir se é necessário ou não.