JARBAS SOARES JÚNIOR

Repactuação do acordo de Mariana está 'um pouco emperrada', diz procurador-geral de Justiça de Minas

Raquel Gontijo
raquel.maria@hojeemdia.com.br
Publicado em 10/07/2023 às 06:00.

Jarbas Soares Júnior ocupa o cargo de procurador-geral de Justiça de Minas pela pela quarta vez (Maurício Vieira)

Jarbas Soares Júnior ocupa o cargo de procurador-geral de Justiça de Minas pela pela quarta vez (Maurício Vieira)

Passados mais de sete anos do rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, a repactuação do acordo entre as mineradoras, os governos Federal, de Minas e Espírito Santo, ministérios públicos e outras instituições está “um pouco emperrada”, segundo o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior. Ele diz que algumas partes avaliam inclusive a possibilidade de fazer o acordo sem o governo Federal, pois não estariam claros os interesses da União no pacto. Um novo modelo para reparação dos atingidos pela tragédia ambiental está em negociação desde 2021.

Nesta entrevista, Jarbas Soares Júnior aborda ainda os projetos do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para os próximos meses e desafios do órgão. A iniciativa mais importante, antecipa, é a criação de um programa de apoio e proteção às vítimas de racismo, violência contra mulheres e crimes contra crianças. Natural de Montes Claros, Jarbas Soares Júnior está no quarto mandato como chefe do Ministério Público de Minas, e exerce o cargo até 2024.

Passados sete meses do quarto mandato como chefe do Ministério Público de Minas, que mudanças ou projetos implantados o senhor destacaria?

O MPMG é sempre uma obra inacabada. Nós iniciamos alguns projetos, outros já foram concluídos. Agora nós temos como principal projeto institucional o programa de apoio e proteção às vítimas de racismo, violência contra mulheres e crimes contra crianças. Criaremos aqui no MPMG uma política rigorosa de apoio a essas vítimas. Vamos criar a Casa Lilian, lugar de acolhimento dessas vítimas, principalmente dos casos mais graves. Esse é o projeto principal. Também estamos reestruturando as promotorias, firmamos um grande acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para qualificar e ter um melhor tratamento dos nossos recursos. Estamos trabalhando em várias frentes e o MPMG cada vez mais investe em tecnologia.

Quais os principais desafios que ainda precisam ser enfrentados? Quais os mais urgentes?

Embora o orçamento do MPMG seja bom, não está sendo suficiente para atender algumas demandas. Por exemplo, trabalhamos com espécies de acordos na área penal. Com isso, já conseguimos fazer mais de 40 mil acordos, o que significa menos 40 mil processos. Só que isso aumenta a carga de trabalho dos servidores. O grande desafio do MPMG, hoje, é conseguir dar uma resposta rápida para essa demanda acumulada, da antiga com as novas. Além disso, precisamos também buscar uma forma de comunicação com a sociedade para que ela entenda o trabalho do MPMG e nos procure quando necessário. 

Mesmo após o fim das eleições, a polarização segue forte no país, com ataques diários entre apoiadores do ex-presidente e do atual. Como o senhor avalia esse cenário?

Estamos vivendo uma era em que as pessoas estão com posições muito radicais, às vezes até deselegantes e desrespeitosas, e isso acaba influenciando aqui, no MP. Então no MP, como órgão de Estado, é necessária uma inteligência para lidar com esses fatos. O MP tem que funcionar como órgão sóbrio, inteligente, que saiba lidar com essas dificuldades. O grande desafio é cada vez mais nos estruturarmos para isso. Criamos o Observatório de Defesa dos Direitos da Liberdade da Democracia exatamente para ter mais um canal para o cidadão trazer necessidades relacionadas a esses direitos.

Como estão as negociações para o acordo de reparação referente à tragédia de Mariana?

Em setembro do ano passado chegamos muito próximo de um acordo, mas as empresas apresentaram prazos muito longos para assinarmos. E tanto o governo de Minas quanto do Espírito Santo, a própria União, os MPs, as Defensorias Públicas, todos entenderam que os prazos estavam muito longos. Acho que as empresas perderam uma oportunidade extraordinária de assinar o acordo. O governo novo chegou, do presidente Lula, e nós sabíamos que ele precisaria de um tempo para ter conhecimento melhor do que estava sendo negociado. Passado esse tempo, o governo Federal ainda não decidiu o que quer nesse acordo. A ação que está na mesa é a ação do Ministério Público Federal, não existe ação da União, não existe ação dos Estados, mas existem algumas ações do MPMG. Então, hoje, o acordo está um pouco emperrado, porque o governo Federal não se alinhou e não se acertou conosco, as instituições que estão trabalhando há mais de dois anos e meio nesse acordo.

Nós esperávamos que no dia de Minas, 16 de julho, pudesse ser assinado esse acordo, mas pelas reuniões desses últimos dias, o acordo não está bem delineado não. Há um sentimento de parte das instituições que já estavam no acordo, de uma possibilidade de fazer o acordo sem a União. As instituições fariam o acordo e deixariam a União negociar sozinha a parte dela. Isso é um ponto que está em discussão.

Nós temos preocupações porque as pessoas estão precisando para ontem. Então esperamos que a União e o presidente Lula, sobretudo, deem uma linha para que os ministérios se acertem logo, para sentarmos à mesa. Agora um ponto muito importante é que acordo não é sentença judicial. Sentença judicial pode chegar daqui cinco, 10, 15, 20 anos entregando tudo que nós queremos. No acordo certamente vamos ter que ajustar as cláusulas, para que sejam interessantes para todos, sobretudo para os atingidos, a população que mais sofreu e para o meio ambiente.

Como está o processo de modernização que o senhor havia prometido para o Ministério Público?

Nós estamos no meio de um longo processo de avanços tecnológicos, de novas ferramentas. Estamos concluindo a digitalização, os processos eletrônicos estão chegando, os mecanismos internos dentro do MP estão sendo informatizados. Isso vai permitir encurtar distâncias, tornar as coisas mais ágeis. A carta precatória, por exemplo, vai praticamente acabar. Então estamos modernizando a instituição nesse sentido, mas com a preocupação de como será o avanço tecnológico daqui a alguns anos, se será algo obsoleto. Então temos que acertar. Vejo que nossos processos estão sendo aprimorados, estamos chegando perto do ideal. 

Recentemente o MPMG realizou concurso para preencher vagas administrativas. Qual sua expectativa em termos de melhorias, como maior agilidade no serviço prestado pela instituição? As vagas já estão sendo preenchidas?

Nós temos aqui no MP os cargos efetivos, comissionados, terceirizados e os estagiários. Nós dobramos o contrato de terceirizados na instituição, para as atividades-meio. Criamos os cargos comissionados de assessores de promotores e procuradores; e nos cargos efetivos nós tivemos que fazer um concurso para oficial, porque uma promotoria precisa de pelo menos um efetivo. Então criamos os cargos por lei, fizemos o concurso, os servidores tomaram posse e vão fazer o curso para irem para as comarcas. Mas era um número muito pequeno, foi mais para preencher alguns (postos) vazios.

Como avalia o atual quadro de promotores em Minas? É suficiente para a demanda?

O número de promotores e procuradores está muito abaixo, inclusive pelo aumento de carga que houve. Muitos colegas estão fazendo trabalho extraordinário, cooperando ou respondendo por mais de uma procuradoria ou promotoria, e isso acaba gerando um estresse interno – temos muitos trabalhadores esgotados. Mesmo pagando o trabalho extraordinário, muitos não querem assumir duas funções, não estão conseguindo atender as demandas. Temos no mínimo cem cargos que precisam ser preenchidos, mas vamos abrir um novo concurso para preenchê-los.

Recentemente, a Corregedoria Nacional do MP abriu investigação para apurar a conduta do senhor após uma suposta “carona” oferecida por um empresário em jato particular, em 2022. O que o senhor pode dizer sobre essa investigação?

Há uma confusão no Brasil, hoje, de que tudo tem 50% a favor e 50% contra. E as pessoas querem criminalizar condutas absolutamente normais. No caso, não se trata de um empresário. Trata-se de um amigo, pessoal, da família, de um conjunto de amigos que nós temos. Há anos nós viajamos juntos o Brasil todo, o mundo todo. Eu não peguei “carona”, nós estávamos juntos, de férias. Então as pessoas querem dar uma conotação negativa em amizades, criminalizar as amizades. E não existe qualquer interesse subalterno em relação a amigos. Então, na verdade, houve uma tentativa de criminalizar a amizade, criminalizar relações. E a gente sabe que isso é uma forma de atingir a imagem e a reputação de quem está no cargo, que acaba atingindo a instituição. Querem atribuir a uma relação de amizade um caráter criminoso, porque olham o mundo de onde estão.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por