A bola e o pagode: 'Parei de jogar, mas sigo no meio do povo', conta ex-atacante Reinaldo Rosa

Henrique André
26/04/2019 às 16:02.
Atualizado em 05/09/2021 às 18:24
 (Henrique André)

(Henrique André)

Aposentado dos gramados há mais de uma década, mas ainda no meio do povo. É assim que Reinaldo Rosa dos Santos, o “Reinaldinho”, ou “Rei”, leva a vida após trocar a bola pelos instrumentos musicais. Pagodeiro nato, o ex-atacante de Atlético e Cruzeiro completará 43 anos no primeiro dia de julho.

Nascido em Belo Horizonte e cria do Grêmio Mineiro Venda Nova, Reinaldo chegou ao Atlético em 1990 e logo ganhou espaço no alvinegro. Após uma excursão para a Austrália, onde marcou dez gols num só duelo, foi acionado para a equipe infantil e, em pouco tempo, colecionou artilharias, superando o fenomenal Ronaldo, que despontava na base do Cruzeiro.

Na equipe principal, na qual chegou graças a Nelinho, Reinaldo balançou as redes 53 vezes, em 116 jogos disputados. Levir Culpi, por sua vez, foi quem, de fato, deu chances para que ele despontasse no clube.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, o ex-atacante relembra histórias pelo Galo, fala como foi ser campeão mineiro e da Libertadores pelo Cruzeiro, lembra do gol feito no clássico, que foi parar no clipe da música “Partida de Futebol”, da banda Skank, diz porque não foi tão longe como Ronaldo e muito mais.


O que tem feito o Reinaldo desde que pendurou as chuteiras?

Não tirei o futebol da minha vida. Já são oito anos que dou aula em escolinha, e muita gente não sabe. Às vezes pensam que me dedico apenas à minha banda de pagode. Estou no meio do que sempre gostei, do pagode, da música, do futebol... Ensinar é muito bom. Vou ensinar, mas quase sempre acabo aprendendo com as crianças.

Eles sabem quem é você?

Muitos meninos nem sabem. Mas os pais levam para casa, fazem pesquisa, e no outro treino eles já sabem os gols que fiz, principalmente contra o Corinthians (3 a 2 em 1994). É muito gratificante.

Qual a sua relação com o Ronaldo Fenômeno? Você disputavam as artilharias das categorias de base...

Quando ele chegou na Seleção, eu estava lá há dois, três anos. Eu sempre brincava com o Caio (Ribeiro). Quando o Ronaldo entrava no segundo tempo, a gente já via que um dos dois ia ficar no banco. Eu só deitava nele na cabeça, mas, na finalização, eu nunca vi igual. Ele entrava, pedalava pra cá e pra lá... Quando eu ia para a Seleção, eu que pegava ele na Toca, no carro do Atlético. Quando ele ganhou um “Golzinho” do presidente César Masci, ele foi lá no meu bairro, mas depois, com os anos, foi cada um para o seu lado.

Chegar para ser o “novo Reinaldo Lima” trouxe uma pressão extra no seu início de carreira?

É, eu vejo que sim. O “Rei”, como pessoa e como jogador sempre foi fantástico. Tenho o prazer de ser amigo dele. O Atlético, na época, precisava fazer dinheiro. Foi quando saiu a “Lei Pelé”. Era engraçado porque eu chegava no vestiário, e os caras me perguntavam porque eu não tinha ido embora ainda. Todo mundo queria receber. Quando veio a negociação com o Parma, até assustei. Tinha negócio do Taffarel no meio e até o Newton Cardoso (ex-governador) tinha direito no meu passe; só eu que não sabia. 

Como estava sua cabeça naquele momento?

Eu estava na Seleção, para disputar o Sul-Americano (Sub-20). Quando recebi o dinheiro do meu primeiro contrato, comprei uma casa para meus pais; sem saber, já estava vendido. Dormi na casa uns três dias e tive que ir para a Itália. O Atlético estava com salários atrasados, naquela época da ‘Selegalo’.

Como foi encarar aquele super time?

Foi bom para mim. O Nelinho que me subiu, mas quem me colocou para jogar foi o Levir Culpi. Eu fazia gol em todos os jogos. O Renato Gaúcho brincava comigo, falando que eu era largo demais. O Levir chegou para o grupo e disse que o artilheiro  não poderia ficar no banco de reservas. Com a lesão dos caras, eu e Renaldo fomos para a repescagem do Brasileirão. Mas era muito foda, porque antes eu via aqueles caras todos pela televisão. Neto, Éder, Renato, Gaúcho... Foi uma experiência única, apesar de não termos ganhado nada importante.Arquivo Hoje em Dia


Você chegou a ser levado para a "vida de balada" que os medalhões daquele time viviam?

É engraçado, porque naquela época eu não saía muito. Depois que saí do país que comecei. Mas do pagode eu sempre gostei e nunca escondi de ninguém. 

Ronaldo foi para o exterior e se tornou o Fenômeno. Por que deu errado com você?

 Ele teve uma preparação melhor. Ele foi, conheceu, escolheu casa, sabia que ia... Foi muito diferente e conta muito. E não estou discutindo o talento dele, até porque, para mim, é o melhor que existiu. 

Se tivessem cuidado melhor de você, acha que poderia ter ido tão longe quanto o Fenômeno?

Creio que sim. Assim que assinei contrato na Itália, fui para a Bélgica (defender o Anderlecht). O empresário tinha que fechar o contrato de outro jogador, em outro país, não tinha fechado intérprete para mim e me deixou lá. Fui treinar, fazer um exames e, quando voltei para casa, vi que meu pai ficou o dia inteiro sem comer, porque não sabia pedir. Nem eu sabia. Fui na cozinha, apontei pra batata, pro bife e pro arroz. Quando retornei à Itália, o Parma me emprestou para o Verona. Fiquei oito meses lá. Era artilheiro disparado do time B. Mas o treinador da equipe principal não me dava oportunidades. Ninguém entendia nada. Eu levantava para aquecer, e a torcida comemorava como gol; no treino, eu dava uma caneca ou um passe de calcanhar, e ele me xingava. Vim para uma folga de dez dias no Brasil e nunca mais voltei. Foi quando vim para o Palmeiras.

Você deslumbrou com a ida para a Europa?

Acho que não. A minha avacalhação foi mesmo na falta de concentração. Faltou focar ali. Machuquei o púbis também. É complicado. O Kaká não parou porque quis; ele não voltou a jogar no mesmo nível. Jogadores de explosão sofrem com isso. Fiquei quatro anos sem férias.

O que o Atlético significa na sua vida?

Eu sou atleticano desde novo, torço, mas minha venda me incomodou. Fui uma moeda de troca. Na época tinha São Paulo, Flamengo e Corinthians me querendo. Mas eles precisavam fazer um dinheiro. Voltei em 1998, com o Leão de treinador. Não tive nem oportunidades. O Leão tinha um jeito estranho; a gente não podia chegar para treinar de camiseta regata, de Havaianas... Nos primeiros dias eu já via. Sou apaixonado pelo Atlético, não tem mágoa, mas o que ficou foi isso.Arquivo Pessoal


E o Cruzeiro?

No Cruzeiro eu fui campeão do Mineiro e da Libertadores. Vim do Palmeiras, em 1997. Esses dias tive que tirar uma foto lá na sede apontando a parede, com meu nome, para mostrar para quem não sabia. Quando o Marcelo Ramos chegou, fiquei na reserva; na Libertadores (1997) eu fiz uns três gols, inclusive.

E como foi vestir a camisa do maior rival do seu clube de coração?

Quando eu voltei, o Atlético queria me pagar a mesma coisa que eu recebia quando saí (risos). O falecido Morais, que era diretor do Cruzeiro, era meu vizinho. Me perguntou o que eu estava fazendo em BH. Me ligou numa tarde, me reuni com o Perrela e, para mim, foi bom demais. Até hoje, nessas questões, o Cruzeiro é diferente.

Os amigos brincaram com você por isso?

Claro (risos). A única camisa que meu pai não vestiu de time que eu joguei foi a do Cruzeiro. Mas ele ia no campo torcer por mim. Cunhado meu apanhou no Mineirão, uai. Eu fiz um gol contra o Atlético, e ele comemorou. Esqueceu! (risos). Tomou um coro lá. A minha irmã contando, você morre de rir. Eu dava sorte em clássicos.

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