'A minha vida sempre será dedicada ao tênis', diz Meligeni, que critica pressa por 'novo Guga'

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
23/11/2018 às 12:03.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:58
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

Dedicar a maior parte do tempo aos filhos Gael e Alice e à esposa Carol é a atual prioridade de um dos maiores nomes da história do tênis brasileiro. Aos 47 anos, sendo seis deles vivendo a experiência de ser comentarista da ESPN, Fernando Meligeni colhe os frutos de suas conquistas nas quadras e mantém status de ídolo também pela pessoa que sempre se mostrou fora delas.

Nascido em Buenos Aires, capital da Argentina, “Fininho” mudou-se para o Brasil ainda criança e, quando profissionalizou-se no tênis, optou pela cidadania tupiniquim. Ele disputou a Olimpíada de Atlanta, em 1996, pelo país verde e amarelo.

Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Meligeni relembra a medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos de 2003, conquista que completou 15 anos em 2018, critica a qualidade dos gestores do tênis no país, contesta a pressa brasileira por um “novo Guga”, alerta sobre a pressão que jovens atletas sofrem por causa dela, diz que o quarteto Federer, Murray, Djokovic e Nadal é o melhor da história do esporte e muito mais.

Você ficou em quarto nos Jogos Olímpicos de Atlanta’1996 perdendo a decisão do bronze para Leander Paes. Hoje não existe mais essa disputa e os perdedores das semifinais são ambos medalhistas. Chateia não ter colocado o bronze no peito?

Eu acho que já passou o tempo de me chatear. Durante um tempo foi duro de viver. Chateia é ter chegado tão perto e não ter conseguido. Foi uma campanha muito legal, com jogos incríveis. Lógico que uma medalha olímpica no peito é uma coisa incrível, mas eu não consigo parar e ficar triste com tantas coisas legais que minha carreira me trouxe.

Sua partida contra Marcelo Ríos na decisão dos Pan-Americanos de 2003 foi um dos momentos mais marcantes da carreira. Foi a sua despedida debaixo de um sol escaldante, né? 

Foi um jogo épico e incrível. Sempre falo que não foi o melhor jogo tecnicamente da minha carreira, mas teve requintes de muito sofrimento, muita adrenalina. Foi o meu último. Outros jogos me trazem uma lembrança de mais técnica, como a vitória contra o Sampras e várias outras. Contra o Marcelo teve um peso diferente e eu fiquei com uma medalha pan-americana no último jogo da minha vida. Todo mundo que me aborda lembra daquele jogo e isso me mostra a grandeza da conquista; uma coisa muito gostosa de viver.

“O novo formato da Copa Davis é ruim e a data também. A única coisa positiva é a quantidade de dinheiro que trouxe. Chamar de Davis é até uma afronta para a história que tem a competição. Não se pode perder certos valores no esporte”


Quando você e Guga chegaram ao auge, muita gente previu que o tênis brasileiro daria um salto e geraria talentos com mais facilidade, mas os principais resultados ainda vêm dos mais experientes...

Não se aproveitou a grande oportunidade, não só minha, do Guga e também do Jaiminho (Oncins), que estávamos há muito tempo na mídia, com bons resultados, de se trazer o tênis mais para perto. Faltou gestão. Infelizmente, a gestão do tênis naquela época era muito ruim. Não souberam aproveitar não só pelo lado da mídia, mas também de patrocinadores. É o grande problema do esporte: pouca gente competente para gerenciar e fazer com que ele decole. 

O que acha das mudanças no formato da Copa Davis? Não há o risco de a competição perder boa parte do charme da disputa entre nações?

Eu sou um dos caras que sou totalmente contra. Entendo a evolução do mundo para o lado do dinheiro e da mídia, mas ao mesmo tempo acho que você não pode perder certos valores no esporte. O novo formato da Davis adotado pelo Piqué (zagueiro do Barcelona e dono dos direitos comerciais da competição) é ruim e a data também. A única coisa positiva é a quantidade de dinheiro que trouxe. Daqui a uns anos veremos como será gerenciado. O movimento mais justo seria ter feito uma nova competição e não ter chamado de Copa Davis. É um outro evento, com muito dinheiro, jogado em dois dias, melhor de três sets. Chamar de Davis é até uma afronta para a história que tem a competição.

Como é a vida do Fininho hoje? O bichinho das quadras ainda pega com frequência?

Ah! A minha vida hoje é dividida entre família, de estar com meus filhos (Gael e Alice) e minha esposa (Carol), e com o tênis. Um pouco também de televisão, pois estou trabalhando na ESPN. Muitos eventos durante o ano, viajando quase todo final de semana, fazendo clínicas. E outras coisas muito envolvidas com o tênis; aplicativos de celular, coisas que eu escrevo no Linkedin e nas mídias sociais, etc. Minha vida sempre foi e sempre será voltada para o esporte. Quero levar muita informação para as pessoas em relação ao tênis.Arquivo Pessoal

Você superou Sampras, Roddick, Kafelnikov e Moyá e pegou o começo da trajetória de Roger Federer. É o momento mais forte do tênis profissional? 

Olha, esta sempre será uma pergunta complicada. Você falar de gerações é sempre complexo. Como não fico em cima do muro, eu diria que é o momento da história mais incrível que a gente já viveu, mesmo sendo de uma geração de Sampras e Agassi. Esse quarteto (Djokovic, Nadal, Federer e Murray) e ainda com outros jogadores, é o melhor que a gente já teve na história do tênis. De onze para frente ou sete para trás (no ranking), na minha humilde opinião, no passado era mais competitivo. 

Você sempre foi coração, carisma e bom humor, dentro e fora da quadra, e assim conquistou a torcida. E as provocações e brincadeiras sobre a origem argentina, ainda existem?

Ah! Isso só volta quando tem Copa do Mundo (risos). Sempre vai ter um engraçadinho que vai tirar sarro, falando que eu sou o único argentino que ele gosta. A rivalidade nesse ponto é divertida, mas logicamente eu tento passar a régua sobre isso, porque sofri bastante sendo argentino naturalizado brasileiro, principalmente no começo da minha carreira. Mas as pessoas levam numa boa e têm muito carinho comigo. Isso é muito gratificante. Arquivo Pessoal 

Roland Garros 1999. O que o torneio e o ano te despertam de lembranças especiais?
Mostrou para o mundo e para mim também, obviamente, o nível de tênis que eu joguei. São poucos brasileiros que fizeram uma semifinal; no simples, apenas eu, a Maria Esther e o Guga. É uma conquista que é absurda, principalmente dos caras que eu ganhei; é uma história que ninguém tira.

No último US Open o jovem Thiago Wild ganhou o US Open juvenil. Ele já iniciou a transição pro profissional. Você aposta nele como a principal joia brasileira pro futuro ou algum outro nome te chama a atenção?

Esse é o grande problema que a gente tem no Brasil. O Wild é um excelente jogador, um menino que joga muito bem para a idade dele, mas a grande busca do país por um ídolo e a nossa incompetência de gerir o esporte faz com que a gente precise ter grandes resultados para mascarar um pouco a nossa incompetência “trabalhística”, vamos dizer assim. Então, quando aparece um menino que ganhou um US Open, que é um grande resultado, a gente joga todas as fichas e acha que ele vai ser o número 1 do mundo, o novo Guga, e, ao invés disso, a gente deveria dar ferramentas para que ele conseguisse desenvolver seu melhor tênis. A gente já viveu isso algumas vezes, como com o Thiago Fernandes, que depois de três anos de ter ganhado o Australian Open, parou de jogar por excesso de pressão e de expectativa. Parece que a gente não aprende. Arquivo Pessoal

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