'Ainda sofro com aquela eliminação na Olimpíada do Rio', conta Thaisa Moreno

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
12/01/2018 às 17:18.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:44
 (CBF/Divulgação)

(CBF/Divulgação)

Aos 29 anos e com fome de ouro na Olimpíada do Japão, a volante Thaisa Moreno curte também o novo momento da carreira. 

Após defender o Grindavik, da Islândia, em 2017, ela acaba de assinar contrato com o Sky Blue, dos Estados Unidos. Peça importante do técnico Vadão no time que disputou a Olimpíada do Rio, a paranaense espera figurar na lista de convocadas para a Copa América, em abril, e do Mundial, em 2019.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, ela fala da decepção nos Jogos de 2016, comenta as diferenças do futebol no exterior em relação ao brasileiro, revela os próximos passos na carreira e muito mais.

Em relação à estrutura de trabalho, quais são as principais diferenças do futebol islandês para o brasileiro?

A estrutura para o feminino é totalmente diferente. Joguei em clubes de camisa no Brasil que não tinham a estrutura merecida. No Brasil, só dão as camisas mesmo. Na Islândia, temos tudo que uma equipe masculina tem. Quatro campos de treinamento, um campo de jogo e outro fechado, e podemos usar tudo facilmente. Academia, piscina, fisioterapeuta...

A mulher hoje consegue ter um salário digno no futebol? Podemos comparar com a modalidade masculina em alguma Divisão do Brasileirão?

No futebol brasileiro (feminino), não se paga bem e nem se tem estrutura de trabalho. Vejo ao redor do mundo os países evoluindo e pagando salários melhores. Eu, na Islândia, recebo o melhor salário da minha carreira, quase quatro vezes mais do que recebia no Brasil. Por ser uma atleta de Seleção Brasileira, tinha até um salário bom aí. As outras meninas, infelizmente, não.

Temos uma safra muito boa. Porém, não adianta ter uma joia e não lapidá-la. A Islândia dá de mil a zero no Brasil nesse quesito. Se tivéssemos estrutura nos principais clubes da Série A, pelo menos, poderíamos ser uma potência mundial hoje. Acho que é onde pecamos”


Conseguiu melhorar a vida da sua família com o futebol?

Isso não. O salário não chega nem perto do que se ganha no masculino. O dinheirinho que guardo eu invisto. O que sobra, passo para os meus pais, mas não é nada que mude a vida da família.

De onde veio sua paixão pela bola?

A paixão pelo futebol nasceu em mim. Minha mãe me conta que eu não gostava de boneca quando pequenininha. Sempre brinquei de bola com meu irmão e mostrava gostar mais de futebol. Está no sangue. Nunca sonhei em jogar profissionalmente. Tudo aconteceu naturalmente. 

E como começou sua história como jogadora?

Sempre joguei na rua, até que um dia meu primo foi jogar numa cidade vizinha, viu que existia um time feminino, falaram de mim, e acabaram me levando. O início foi no futsal. Depois ganhei uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, e lá passei a jogar no campo. Voltei para o Paraná e acabei sendo convidada para disputar o Estadual e a Copa do Brasil. Depois mudei para São Paulo, onde é o foco do futebol feminino, e me destaquei no Paulista. Foi a minha primeira convocação. Foi aí que caiu a ficha mesmo e que comecei a me dedicar de verdade ao esporte.

Você teve a experiência de disputar a Olimpíada no Brasil. Como foi? 

Inesquecível ver um país que ama o futebol masculino apoiando as meninas daquela forma. Acredito que a má fase dos homens no começo tenha ajudado, mas não tira o brilho do que passamos lá dentro. Pra mim, não existirá experiência melhor de apoio e do Brasil inteiro vibrando com a gente no estádio ou pela televisão.

Atleta vive de vitórias e derrotas. Eu, particularmente, sofro até hoje com a Olimpíada. Perdemos a medalha chutando para o gol mais de 30 vezes, e elas, menos de cinco. Foi um massacre. Doeu demais,  e doi até hoje”


A frustração por não ter conseguido uma medalha doeu por muito tempo? Por que deu errado?

Atleta vive de vitórias e derrotas. Eu, particularmente, sofro até hoje com a Olimpíada. Perdemos a medalha chutando para o gol mais de 30 vezes, e elas (Suécia), menos de cinco. Foi um massacre. Doeu demais, e doi até hoje. Difícil dizer o que deu errado. Massacramos em número, mas o que vale é a bola na rede. Não sei se foi por incompetência ou por má sorte.

O que achou da passagem da técnica Emily Lima para a Seleção Brasileira? Como foi o trabalho, na sua avaliação?

Fiquei triste por ela. Sei que ela estava fazendo um trabalho maravilhoso, e toda mudança precisa de tempo. Ela estava reformulando a Seleção. Porém, o Brasil é assim. Gostam de resultados, e ela não conseguiu. A culpa também é das atletas. Sou uma fã incondicional do trabalho dela. Já havíamos trabalho juntas no São José-SP. Desejo que tenha sucesso sempre.

Algumas jogadoras abandonaram a Seleção após a demissão da Emily. Como você enxergou essa decisão? Pensou em tomar a mesma posição?

Não foi nada combinado entre elas. Fui vendo os vídeos pela internet e fiquei muito triste. Elas representaram o país e o colocaram entre os mais fortes do mundo. Tive a oportunidade de trabalhar com elas e achei triste. Se eu pudesse pedir a elas para voltar, eu o faria. Não pensei em me aposentar da Seleção, mas pensava no que poderia fazer para ajudar a evoluir a modalidade. Aquela não seria a solução para mim, já que sou apenas mais um pontinho no time. Somos peças. Se eu saio, entra outra.

O que vocês achou do retorno do Vadão?

Fico feliz pela oportunidade que ele teve de voltar. Ele me ligou, conversamos muito. Assim como eu, ele também sofre bastante com a perda da medalha (na Olimpíada do Rio). Espero que, desta vez, nós atletas e a comissão dele possamos fazer diferente e trazer muitas conquistas para o Brasil.

Você sonha com mais uma Olimpíada? 

Sonho sim, e muito! Quero jogar o Mundial de 2019 e a Olimpíada no ano seguinte. Não é pela minha idade, mas por ter investido muito em mim. Fiz parceria com nutricionista e preparador físico para aumentar meu rendimento, para que eu chegue até lá com a melhor forma possível.

No América, as meninas dividiam o futebol com outra profissão. Ver tudo isso de perto me ajudou a resgatar aquele amor que às vezes a gente perde aos pouquinhos. Sempre que posso, volto a BH para ver o time jogar, tanto o feminino quanto o masculino. Vi o título da Série B, inclusive”


Acredita que o processo de renovação da Seleção será custoso ou temos uma boa safra de novas jogadoras aparecendo?

Temos uma safra muito boa. Porém, não adianta ter uma joia e não lapidá-la. A Islândia dá de mil a zero no Brasil nesse quesito. Se tivéssemos estrutura nos principais clubes da Série A, pelo menos, poderíamos ser uma potência mundial hoje. Acho que é onde pecamos. Não há investimento para a evolução das jogadoras. Não tem alimentação adequada, não se dorme bem, as concentrações não são estruturadas, e por aí vai...

Você teve uma rápida passagem por Minas Gerais, quando defendeu o América. O que ficou daquela experiência?

Tive a oportunidade de conhecer Belo Horizonte e Minas pela primeira vez. Fiquei apaixonada pelas pessoas, fui muito bem recebida. Porém, tive dificuldades no treinamento, pois era acostumada a ter dois períodos na Seleção. Lá no América, as meninas dividiam o futebol com outra profissão. Era bastante diferente, mas nada disso diminui o meu carinho. Na verdade, ver tudo isso de perto me ajudou a resgatar aquele amor que às vezes a gente perde aos pouquinhos. Foi importante ver as dificuldades de perto novamente. Sempre que posso, volto a Belo Horizonte para ver tanto o time feminino quanto o masculino. Vi o título dos homens na Série B, inclusive.

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