Ambicioso, Deivid não quer ser "mais um treinador" na história do Cruzeiro

Alberto Ribeiro - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
24/01/2016 às 11:23.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:08

Há um mês e meio, Deivid era anunciado técnico do Cruzeiro na vaga deixada por Mano Menezes. Desde então, várias incertezas surgiram em torno do jovem treinador, de36 anos, iniciante na carreira. Mas nada que abale o ambicioso treinador. Feliz com a oportunidade, o ex-atacante revela em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia a confiança da diretoria e dos jogadores em torno de seu trabalho. E promete: “o torcedor pode ter certeza que vamos brigar por títulos.”

Como se sente como o técnico do Cruzeiro nesta temporada?
Feliz pelo cargo, preparado e realizado. Aconteceu muito rápido essa efetivação. O projeto era para que me tornasse treinador do clube daqui a um ano e meio, quando o contrato do Mano vencesse. Mas ele saiu antes e recebi o convite do presidente, do Bruno Vicintin (vice-presidente de Futebol) e do Thiago Scuro (diretor de Futebol). Eles gostaram do meu conceito sobre futebol, da minha metodologia e tudo se encaixou.

Já deu para sentir o peso desse posto?
Se é muita responsabilidade jogar em um clube grande como o Cruzeiro, imagina agora como treinador. Mas estou muito preparado para isso. Estudei, trabalhei e não caí nessa profissão de paraquedas.

O que mudou na sua vida desde a efetivação?
Antigamente o torcedor me via na rua e dizia “vai lá, faz um gol”. Hoje é “boa sorte professor, torço por você”. Eu não tinha a dimensão do carinho da torcida comigo. Isso, pra mim, é algo que jamais vou esquecer. Pode ter certeza que farei de tudo para esse time ser campeão novamente. Minha meta é muito ambiciosa.

Esperava, em tão pouco tempo, assumir o comando de um clube como o Cruzeiro?

Eu tinha um projeto no Coritiba. Tinha conversado com a direção de ficar como auxiliar e depois assumir a equipe. Mas por problemas financeiros isso não aconteceu. Segui minha vida, fui estudando, aprimorando e com o convite do Vanderlei (Luxemburgo) ficou mais fácil. Sabia que era meu momento quando o Mano saiu. Pelo respeito dos jogadores e por saber quais atletas eu tinha na mão pensei que era a hora de aceitar, se tivesse um convite.

Até que ponto a inexperiência pode comprometer seu trabalho?
No Brasil, a gente não tem uma balança. Eu nunca dirigi time nenhum, mas joguei 18 anos. E isso no Brasil não tem peso, tanto que me consideram inexperiente. Se você colocar uma pessoa de 60 anos que nunca jogou futebol, aí sim, o cara é experiente. Mas experiente por qual motivo? Pela idade? Tive um ano e dois meses de auxiliar e não valeu nada? O Mourinho assumiu o Benfica sem ser treinador. Ele era tradutor do Bobby Robson. O Villas Boas assumiu o Porto com 33 anos e era analista de desempenho. O treinador do Hoffenheim tem 28 anos.

O Luxemburgo não gostou quando PC Gusmão deixou de ser auxiliar dele para assumir o Cruzeiro, em 2004. Como ele (Luxemburgo) recebeu a notícia da sua efetivação?
Quando ele foi demitido, o presidente o chamou na sua sala. Eu já tinha até arrumado minha mala. O Luxemburgo voltou avisando que ele e o Isaías Tinoco estavam fora, mas que eu e o Antônio Mello iríamos permanecer. O Mello como coordenador da preparação física. O Luxemburgo me pediu para ficar, eu não tinha aceitado, mas ele falou para eu ficar, pelo meu caráter e minha história no clube.

Ainda sobre Luxemburgo, ele não consegue bons resultados há anos. Ele está ultrapassado?
Na década de 90, ele ganhou tudo. Pelo currículo, todo mundo espera que ele permaneça no embalo, mas o resultados não vão acontecendo e a pressão aumenta. Mas esquecem de dizer que os outros treinadores também evoluíram. Está acontecendo agora com o Mourinho. Ele ganhou tudo e estão dizendo que está ultrapassado. Pelo histórico vencedor dele, esperam uma coisa nova.

O famoso time de 2003 do Cruzeiro tinha lideranças como Cris e Alex. Você não passava a imagem de que ambicionaria virar técnico. Quando descobriu a vocação?
Vi outro dia uma pessoa falando sobre isso na televisão. Mas esse comentarista não acompanha o vestiário. O líder não é quem coloca a tarja de capitão. Era eu quem discutia premiação e conversava com o presidente. Quem cobrava dentro do vestiário também era eu. E nunca coloquei uma tarja de capitão. Nunca gostei. Era o líder que colocava o dedo na cara, cobrava o horário de treinamento, de jogo, do almoço. Então quem não conhece vestiário entende de outra forma.

Por ter sido ídolo do clube como atleta você acha que a torcida vai ter mais de paciência com você?
Não. Tem que cobrar igual aos outros. O Cruzeiro é grande demais. Somos uma formiguinha perto do clube. O tempo vai passar, vamos morrer e o clube vai ficar. Me sinto feliz de estar na história do Cruzeiro. Isso foi uma conquista e não tem dinheiro que pague. Minha filha, depois de 12 anos, veio aqui, olhou minhas fotos nos corredores e falou: ‘papai, estou muito orgulhosa de você’. Isso é algo muito gratificante.

Qual treinador é sua referência? O que cada um deles contribuiu para seu aprendizado?

Com o Vanderlei aprendi a parte de campo. Com o Mano Menezes, gestão, liderança. O Zico (dirigiu Deivid no Fenerbahçe, da Turquia) não é treinador, ma um pai. E o Luis Aragonés (dirigiu também o Fenerbahçe na época de Deivid) é a minha maior referência. Ele teve comigo no momento mais difícil da minha vida, quando quebrei a perna e perdi minha mãe. Não pude ir ao velório porque corria o risco de sofrer com trombose e embolia. Ele me abraçou. Todos os treinos me chamava e me explicava o motivo daquela atividade. Nunca tive isso no Brasil. Fui aprender conteúdo fora do Brasil. É triste ver o Neymar falar que aprendeu a jogar na Europa. Eu também aprendi tudo fora.

Atacantes são conhecidos por não se tornarem grandes treinadores. Como fazer para quebrar esse paradigma?
Vou quebrar isso. O Abel Braga me falou durante o tempo em que fiz estágio com ele no Internacional sobre tática, dizendo que normalmente goleiros e zagueiros entendem mais de sistema tático, pois jogam atrás. E disse que nunca viu um atacante entender tanto de tática como eu. Escutar isso foi muito legal para mim. Quando assumi o Cruzeiro, ele me mandou uma mensagem dizendo ‘falei garoto, que você ia chegar longe’.

Você tem algum sistema tático preferido?
Admiro o 4-3-3. Joguei no Corinthians nesse formato. Gosto de jogar com o falso 9, pois acho que ele deixa os zagueiros sem referências, abrindo espaço para os pontas.

Com as peças que o grupo do Cruzeiro te oferece o que dá para fazer em campo?
Não dá para jogar no 4-3-3. Não tenho esse meia que é praticamente um volante. Tenho jogadores para jogar no 3-4-3 e no 4-3-2-1.

A gagueira dos tempos de jogador chegava a ser um obstáculo? Como a driblou?
Fiz fono durante três anos e isso me ajudou.

Como foi a decisão de liberar o Willians?
Ele teve uma conversa conjunta comigo e a diretoria. Gosto do jogo jogado, de valorizar a bola, sem perdê-la, e precisava de um jogador mais técnico. Como vou jogar com dois volantes e quatro atacantes, ele seria um atleta com custo muito alto no banco. Então falei para o presidente, que por sua vez gostou da ideia de emprestá-lo para o Corinthians.

Entende que o Cruzeiro montou um grupo forte?
Sim. Muitos jogadores jovens. Mesclou bem. Estamos montando um grupo para chegar nas quatro competições, pode ter certeza.

O que a torcida pode esperar da equipe em 2016?
Um time aguerrido quando tiver sem a bola e com muita posse de bola. Nada de chutão, porque não gosto desse tipo de jogo. O objetivo com os 22 em campo não é ter a bola? Aí vai dar chutão? Pode esperar que vamos brigar por títulos. Essa é a nossa ideia.

Qual seu recado para a torcida?
Não quero ser mais um treinador que passou aqui e não ganhou nada. Não quero passar mais um ano sem conquistar nada, como em 2015. Quero, sim, ser campeão em 2016.

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