Amor pelo Atlético segue vivo nos herdeiros de Aníbal Machado, autor do primeiro gol do clube

Frederico Ribeiro
fmachado@hojeemdia.com.br
27/03/2016 às 02:51.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:39
 (Revista O Cruzeiro/Reprodução)

(Revista O Cruzeiro/Reprodução)

Um menino mirrado, de apenas 14 anos, que não tinha fôlego para jogar uma partida inteira foi a grande aposta do técnico Chico Neto para o primeiro desafio daquela equipe que, há um ano, sequer existia.

O magrelinho, apelidado de Pingo, havia chegado em Belo Horizonte, vindo de Sabará, para experimentar as novidades de uma capital recém-erguida nas montanhas mineiras. Coube àqueles ombros frágeis a nobre missão de marcar o primeiro gol da equipe que se denominava Atlético Mineiro Futebol Clube, no dia 21 de março de 1909. Vitória empolgante de 3 a 0 diante do temido Sport Clube Foot-Ball, a primeira agremiação esportiva de BH.

Pingo deixou o apelido e a jovem cidade mineira para trás, junto com o título de primeiro artilheiro do esquadrão alvinegro. Foram três gols nas únicas três partidas de 1909, todas diante do Sport Club, todas em vitórias do Atlético que causaram a falência de reputação do primeiro rival. Aníbal Monteiro Machado, a verdadeira identidade daquele corpo franzino, estava fadado a brilhar longe dos campos. Porém, quase cem anos depois, manteve vivo a paixão pelo Atlético, herdada pelas seis filhas. Atualmente, apenas as duas mais jovens estão vivas.

"Meu pai foi o primeiro a fazer um gol no Atlético. Veja só! Ele era chamado de Pingo porque era pequeno, franzino. Nasceu em Sabará. Ele contava que, quando entrava no jogo, ia com tanto entusiasmo que não suportava jogar o jogo inteiro, era só meio tempo (risos)", relata Aracy Mourthé, a filha caçula de Aníbal Machado, em entrevista ao Hoje em Dia.

Aracy, aos 84 anos, faz companhia para a irmã Maria Ethel como posto de matriarca da família Machado. Aníbal, depois de três anos na equipe, dividindo o posto de goleador com o de vice-presidente da segunda gestão do clube, se mudou em definitivo para o Rio de Janeiro, em 1923 (com 29 anos) já com o título do curso de Direito. A vida no magistério também não era o seu destino. Seria escritor, um intelectual de mente brilhante e coração alvinegro.

Na capital carioca, se instalou na Rua Visconde de Pirajá, número 487, a cerca de sete quadras da Sede do Clube de Regatas do Flamengo, na Gávea. Ali, respirando o mar de Ipanema, promovia as famosas "domingueiras". Encontros aos domingos com os maiores pensadores brasileiros de seu tempo. Mas, entre se fazer de anfitrião para figuras como os poetas Carlos Drummond de Andrade e Pablo Neruda; do pintor Cândido Portinari e do cineasta Orson Welles, Aníbal não poderia abandonar aquelas cores preta e branca.

"Quando eu nasci, o meu pai já tinha se aposentado do futebol. Mas ele não perdia nenhum jogo, seja pela televisão ou no rádio, estava sempre acompanhando o Atlético. Sempre dizia que ajudou a fundar o Atlético. A família toda, influenciada por ele, sempre teve carinho pelo Atlético. Os netos da família, especialmente aqueles que ficaram em Minas, são atleticanos", completa Aracy, a caçula das seis irmãs.

Áníbal Machado era irmão de Cristiano Machado, político mineiro que dá nome a uma das principais avenidas de Belo Horizonte e que disputou (e perdeu) as eleições presidenciais de 1950. Além do carinho pelo Galo, Aracy também herdou a paixão pelas artes cênicas do pai, que faleceu em 1964, aos 69 anos. A mais nova das irmãs virou professora de teato na companhia fudada por Maria Clara Machado (a segunda mais velha), em 1951.

Maria Clara Machado, a Clara, se juntou ao pai em 2001. A renomada escritora de contos infantis foi a fundadora do Teatro "O Tablado", a maior escola de artes cênicas do Brasil. Clara, juntamente com as irmãs, formou, sem saber, o primeiro consulado alvinegro em terras cariocas.

Hoje, apenas o coração de Maria Ethel e de Aracy batem forte. Batem pelo Clube Atlético Mineiro e por aquele gol que ensinou aos belo-horizontinos, sabarenses e cariocas qual a emoção produzida por torcer pelo alvinegro das alterosas, um sonho que surgiu da cabeça de 22 jovens fundadores, entre os quais não está Pingo, formalmente, pois ele é também um fudador (mesmo que moral), da instituição que completou 108 anos de história na última sexta-feira.

"Nós sempre gostamos do Atlético, quando tinha jogo, a gente tentava ver aqui (no Rio). Meu pai tinha o maior orgulho de falar que era atleticano e que tinha ajudado a fundar o clube. A minha filha também é atleticana (Cacá Mourthé, sucessora de Maria Clara Machado n'O Tablado). Sempre tentamos acompanhar o clube. De vez em quando eu vou para Belo Horizonte. Tenho muita ligação com a cidade porque a família do meu marido (Geraldo Mourthé) é de BH. Sou praticamente belo-horizontina e tenho muita honra de ser. Todo ano eu tendo voltar", completa Aracy, que ainda não sentiu a experiência de ver um jogo do Atlético direto do Estádio e ainda precisa acrescentar uma peça fundamental ao quarda-roupa:

"Eu vejo o Atlético só pela TV. Ainda falta ter a camisa do Galo".Divulgação/Atlético

Uma das primeiras formações do Atlético no começo do século passado. Aníbal não está, mas exerceu cargo de dirigente depois de se aposentar da curta carreira de jogador do clube (Foto: Atlético/Divulgação)


1894: Nasce em Sabará, o quinto filho do casal Virgílio e Maria Helena. Teria mais dez irmãos, entre eles a escritora Lucia Machado de Almeira e o político Cristiano Machado.
1906: Começa a estudar no Colégio Dom Viçoso, em Belo Horizonte
1909: Participa do primeiro jogo da história do Atlético. É o auto do primeiro gol do clube, em 21 de março. No mesmo ano, muda de Colégio e completa o curso em outra instituição no Rio de Janeiro.
1912: Conclui o curso, com o título de bacharel em ciências e letras. Retorna a Belo Horizonte no outro ano.
1913-1917: Começa a cursar Direito e retorna ao Rio de Janeiro para dar prosseguimento aos estudos. Finaliza a Faculdade em BH, em 1917. No ano seguinte, casa-se com Aracy Jacob.
1919: Muda-se para Aiuruoca (MG) para assumir o cargo de promotor público. É pai pela primeira vez. Nasce a filha Maria Celina
1920-1924: Começa a experimentar a vida de escritor. Publica ensaios em jornais e conhece, no Diário de Minas, Carlos Drummond de Andrade, que se tornaria fiel amigo.
1923: Muda-se, em definitivo, para o Rio de Janeiro com a família. Foi assumir o cargo de promotor-adjunto do Distrito Federal após a posse de Artur Bernardes como presidente do Brasil.
1930: Aníbal fica viúvo da primeira mulher e ainda precisa renunciar aos empregos públicos, uma vez que o irmão, Cristiano Machado, participa como um dos líderes da Revolução de 1930, responsável por tirar Whasington Luís da presidência e acabar com a República Velha. Getúlio Vargas assumiria o porder pela primeira vez.
1931: Casa-se com Selma, a irmã da falecida esposa. Desta nova união, nasce a última filha de Aníbal, que ganha justamente o nome da primeira mulher: Aracy. "Papai casou com a cunhada mais nova dele, a Selma Jacob Machado. A primeira esposa era Aracy Jacob Machado, da qual eu herdei o nome. Esquisito isso né? Pegar nome de morto! Não gosto não (risos). Mas não podia escolher mesmo...."
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