Cruzeiro e Fred travam uma batalha envolvendo milhões de reais na Justiça do Trabalho, e as relações do clube com o jogador, desde que recomeçaram, em dezembro de 2017, já causavam surpresa em funcionários do departamento jurídico da Raposa. O Hoje em Dia apurou que o contrato assinado entre as partes na gestão Wagner Pires de Sá não foi redigido pelos advogados celestes.

Os funcionários que respondiam hierarquicamente ao diretor jurídico na gestão Wagner Pires de Sá tomaram nota da contratação do atacante à época apenas por notícias da imprensa, segundo apurou o HD.

De acordo com informações recebidas pela reportagem, a antiga diretoria contratou um profissional liberal indicado pelo próprio staff do camisa 9 para criar o contrato de trabalho entre o atleta e o Cruzeiro. E esse documento, dentre várias cláusulas, tinha uma em especial que dava garantias ao jogador de uma multa vultuosa de R$ 320 milhões, em caso de rompimento do vínculo unilateral por parte do clube.

O acordo é discutido na Justiça, tanto que Fred conseguiu se desligar do Cruzeiro em fevereiro deste ano por meio de decisão judicial pelo não pagamento de direitos trabalhistas. Agora, o atacante cobra R$ 78 milhões do clube na Justiça do Trabalho, e fala até em aceitar “conciliação e parcelamento do débito” por parte do clube.

O advogado

O advogado escolhido pelo staff de Fred para redigir o contrato tem o primeiro nome “Fernando”. Informações apuradas pelo HD são de que o profissional tem ligações próximas com o jogador e seus empresários.

Ainda de acordo com informações, Fernando é especializado em direito tributário, mas mesmo assim foi o responsável pela redação de todas as cláusulas do contrato, detalhadas em conjunto entre o empresário do jogador e o comando de futebol do Cruzeiro na última gestão.

Esse advogado, ainda segundo informações confirmadas por uma pessoa ligada ao antigo departamento jurídico celeste, recebeu quantia considerável pelo serviço.

O Cruzeiro

O Hoje em Dia procurou o Cruzeiro para esclarecer a situação do contrato do jogador Fred. O clube, oficialmente, não fala sobre a produção do documento.

“O Cruzeiro Esporte Clube se reserva o direito de se preservar acerca de qualquer informação ou manifestação a respeito deste contrato, já que o mesmo foi firmado pela antiga gestão e, no momento, carece de informações mais detalhadas”.

Apesar da resposta protocolar do Cruzeiro, é público que o departamento jurídico passou por uma queima de arquivos recentemente. o que foi comentado no começo do ano por Vittorio Medioli, ex-CEO do Conselho Gestor, grupo que administrou o clube após renúncia do ex-presidente.

Essa “queima de arquivo” aconteceu entre a renúncia de Wagner Pires de Sá, em dezembro de 2019, e a chegada do Conselho Gestor, que dirigiu o clube do final do ano passado até maio de 2020.

Em resposta recente ao HD, o Cruzeiro confirmou o que já havia sido comentado por Vittorio Medioli, empresário que ocupou o cargo de CEO do Cruzeiro no início da governança do Conselho Gestor.

“É uma realidade essa dificuldade. Havia uma total desorganização dos processos internos. Muitos documentos não informatizados, não sistematizadas, ou fora de ordem. Isso dificulta a apuração do que ocorreu no passado e o planejamento para o futuro. Mesmo assim, aos poucos isso vem sendo amenizado. A nova gestão acredita que conseguirá organizar o que for preciso e colocar tudo em ordem”, disse o atual superintendente jurídico do clube, Fávio Boson Gambogi, em entrevista ao Hoje em Dia.

A reportagem tentou contato com o ex-diretor jurídico do clube na gestão Wagner Pires de Sá. Entretanto, Fabiano de Oliveira Costa não foi encontrado para comentar as movimentações do departamento jurídico celeste no tempo em que era diretor da pasta.

Contrato terceirizado

De acordo com uma fonte, o documento redigido por profissional externo ao clube sequer passou pelo crivo dos advogados do próprio Cruzeiro.

Procurado pela reportagem para dar sua versão dos fatos, o vice-presidente de futebol do Cruzeiro entre o fim de 2017 e 2019, Itair Machado, disse que não participou dos acordos para concepção do contrato.

Em resposta à reportagem, Machado ainda questionou a pergunta do repórter e disse que o "presidente da época" é quem deveria esclarecer o assunto.

"Suas perguntas, como sempre, são maldosas e direcionadas, mas nessas aí você se fud... O que tenho a dizer é a realidade, e é o seguinte. Meu cargo era na gestão de futebol, e não na de contratos. Te sugiro averiguar com o presidente da época", respondeu o ex-dirigente por mensagem de aplicativo.

A reportagem também procurou Wagner Pires de Sá, presidente do Cruzeiro oficialmente entre 2018 e 2019, e que participou da contratação de Fred. No entanto, o ex-dirigente não respondeu aos diversos contatos feitos.

Nota oficial

Contrariando Itair Machado, uma nota oficial do Cruzeiro datada de 23 de dezembro de 2017 com o título "Cruzeiro acerta a contratação do artilheiro Fred", indicava que duas pessoas da cúpula diretiva celeste trataram da negociação com o atacante: Wagner Pires de Sá e o próprio vice de futebol.

"Tão logo foi anunciada a rescisão contratual de Fred com sua equipe anterior, o presidente do Cruzeiro, Wagner Pires de Sá, e o vice-presidente de futebol, Itair Machado, trabalharam com agilidade e conduziram as tratativas junto ao procurador do atleta. O desfecho positivo da negociação aconteceu na tarde deste sábado", diz parte da nota publicada no fim de dezembro de 2017 pelo departamento de comunicação do Cruzeiro.

O Hoje em Dia também foi atrás de explicações do staff do próprio Fred. O empresário Francis Melo se calou diante das perguntas enviadas por duas vezes via Whatsapp, nos dias 21 de julho e 13 de agosto.

O Cruzeiro também foi questionado sobre a relação atual do clube com o empresário Francis Melo, que cuida dos interesses da carreira de Fred. “A respeito do Sr. Francis Melo, o Cruzeiro realizou pagamento parcial ao empresário e no momento não possui nenhuma relação direta com o mesmo”, disse o clube em nota à reportagem.

Pagamento ao empresário

O agente de Fred acertou com o Cruzeiro uma comissão de R$ 2,5 milhões segundo consta em contrato. O próprio clube informa que fez pagamentos parciais ao empresário, que não recebeu todo o valor combinado ainda pela gestão que teve seu trabalho interrompido com a renúncia de Wagner Pires de Sá.

fred

Frederico Chaves Guedes