Aos 52 anos, Gottardo reestreia oficialmente como técnico do Villa Nova

Gláucio Castro - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
31/01/2016 às 09:17.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:14
 (Washington Alves)

(Washington Alves)

Com a braçadeira de capitão, o zagueiro Wilson Gottardo levantou a taça de campeão brasileiro pelo Botafogo, em 1995, e da Copa Libertadores com o Cruzeiro, em 1997. Com a prancheta nas mãos, ele tenta novamente, a partir de neste domingo (31), trilhar a mesma carreira vitoriosa que teve dentro dos gramados. Esbanjando personalidade, uma das marcas da carreira dele, o ex-zagueiro, de 52 anos, teve com o Hoje em Dia um papo franco sobre Minas Gerais, futebol e política. Sem fugir da responsabilidade, cobrou mais gestão no esporte mais popular do país, inclusive no Villa Nova, no qual esteve em 2011. Ele entende que a impunidade é um dos principais males do país.

O que representa estar de volta a Minas Gerais?

A minha relação com o Estado é bem interessante. Minha filha, que faz jornalismo e tem 21 anos, viveu minha época do Cruzeiro e se tornou cruzeirense. Eu sou paulista, gosto muito do Rio, mas tenho uma paixão por BH e até pensei em fixar residência por aqui. Mas em função da vida da minha filha no Rio e a faculdade, achei melhor não.

O que atrai você no Estado?

A gente não tem muitos momentos de lazer, mas a culinária é fantástica. Tenho até dificuldade de controlar a alimentação porque é muito gostoso. Tenho muitas amizades aqui, principalmente da época do Cruzeiro, e minhas filhas também.

Como surgiu a ideia de ser treinador?

Eu preparei a minha vida toda para quando deixasse de jogar, mas não é tão simples. Existe um momento que você sai de evidência. Eu tinha alguma coisa na área de construção civil que hoje já não tenho mais. Então comecei na área comercial do futebol e me identifiquei. Não encontrei dificuldades no Brasil, mas encontrei resistência do mercado internacional. Mas meu coração estava me chamando para dentro do campo, só que eu não conseguia sair porque eu tinha bons atletas. Tinha o Alex, hoje no Internacional e de quem sou amigo, mas não temos mais qualquer vínculo; tinha o Ramires, que eu trouxe para o Cruzeiro; fiz alguma coisa com o mundo árabe. Quando o Ramires foi embora para a Europa, eu decidi romper e focar dentro de campo mesmo, como eu queria. Achei que ia encontrar mais facilidade.

Como foi sua preparação para esta nova profissão?

Começa com a parte empírica e toda a minha vivência no futebol. Sempre tive a confiança dos treinadores e, em alguns momentos, fui capitão, o que me deu um aprendizado muito grande. Posteriormente, quando trabalhei na área comercial, também tive muito contato com a família dos atletas, empresários e dirigentes de outros estados e países.

Fez cursos?

Eu procurei aliar todo este meu conhecimento com a parte teórica. Logo que eu parei de jogar, eu fiz vários cursos. Também fiz vários estágios no Brasil e Europa, como no Chelsea, e sempre tem troca de informações com algumas pessoas acadêmicas. Fiz curso de gestão técnica do futebol pela Universidade do Futebol. Estou fazendo agora Licença A, depois tem o Dois e a Pró, que é o mesmo que o Dunga e o Hélio dos Anjos e outros treinadores mais experientes estão fazendo também.

Espelhou-se em algum treinador?

Eu tenho uma coisa minha de conduzir e direcionar o atleta dentro daquilo que eu quero para tentar extrair o melhor da essência de cada um. Tenho minha forma de trabalhar, meu vocabulário, minha forma de conduzir as coisas. Mas também tem coisas boas que extraí de muita gente, como organização, disciplina, respeito e transparência. Não abro mão de credibilidade. Aprendi muito isso quando era jovem, com o Ênio Andrade, depois com o Paulo Autuori, que eu também gosto muito.

Em 2014, você não atuou como treinador no Botafogo. Chegou a pensar em encerrar a carreira de técnico?

Eu fui diretor técnico no Botafogo, voltando para o campo técnico, e procurei suprir todas as necessidades ali, principalmente no campo financeiro, que o Botafogo tinha várias dificuldades, o que ficou evidente. Eu procurei em alguns momentos criar esta linha de raciocínio, mas em alguns momentos isso foi muito difícil, mas nunca pensei em deixar de ser treinador.

O que motiva você nesta volta ao Villa Nova?

É trabalho. Eu sou um treinador e busco trabalho. Tenho boas amizades aqui. Eles têm confiança no meu trabalho. Para colocar em prática tudo que estou estudando, eu tenho que estar trabalhando. O Villa me abriu as portas para isso. Encontrei um centro de treinamento que está sendo estruturado, mas ainda requer um pouco mais de investimento e tem dado certo

Quando você saiu do Villa, em 2011, disse que o clube precisava de uma gestão. Isso melhorou?

Continua precisando. Acho que todos clubes precisam. Precisa melhorar em todos os sentidos. Você tem os departamentos que estão trabalhando fragmentados, desconectados. Precisa criar uma relação entre estes departamentos, de assessoria de imprensa, marketing, financeiro, médico, técnico, condições de trabalho, logística, nada pode ficar desconectado, e no Brasil a maioria dos clubes é assim. Os dirigentes precisam saber que o futebol precisa unir seu conhecimento para que ele evolua dentro de campo. O Villa precisa reiniciar esse processo de gestão. O presidente está, mesmo com todas as dificuldades, tentando equilibrar as finanças do clube.

Como está sendo trabalhar com o Fábio Júnior, que acumula a função de jogador com a de uma espécie de diretor no clube?

Ele vinha neste trabalho de montagem do elenco, que não é fácil. Se relacionando com pessoal de investimento e captação de atletas, isso vinha acontecendo antes da minha chegada. Agora ele se desvencilhou disso. Vai levar um certo tempo. Não tem como queimar etapa, mas ele sabe disso, até pela idade que ele tem. Mas finalizador ele é, finaliza superbem. Agora tem que estar condicionado.

Com jogadores experientes como Fábio Júnior, Mancini e Soares, o Villa Nova é um dos candidatos ao título do Mineiro?

Não. Os outros clubes são mais estruturados, tem elenco de 30 ou 40 jogadores, centro de treinamento de última geração. Isso facilita muito a vida de um treinador. O Villa é um time humilde que busca representar melhor possível sua cor e sua bandeira. Acreditamos que dá para chegar numa fase decisiva. É consequência do trabalho.

Por que existem mais defensores com êxito na carreira de treinador e poucos atacantes ou meias?

Eu acredito que é porque o defensor é muito mais cobrado e exigido. Tem necessidades diferentes de um atacante. Não estou dizendo que o defensor é sisudo, é chato, nada disso. Apenas a conduta é diferente. A responsabilidade é maior, tanto a do goleiro quanto a do zagueiro. Acho que isso faz fluir melhor no decorrer da carreira, cria-se um melhor sistema defensivo, pelo que ele viveu e vai organizando outras funções no clube. Mas tem mais a ver com este histórico de cobrança, às vezes até uma cobrança exagerada e injusta.

O Villa é um clube que vive uma situação financeira delicada. Como não deixar isso atrapalhar dentro de campo?

Eu costumo dizer que você só deve prometer aquilo que você consegue cumprir. É minha maneira de agir. Fui assim também no Botafogo. Eles sabem das dificuldades do clubes, o presidente conversou com vários aqui. Tem procurado honrar os pagamentos. Não tem uma data certa para pagar, mas existe a credibilidade do presidente, do patrocínio, eu como treinador. Aí, flexibiliza um pouco mais e não cai a motivação. Mas não posso assumir responsabilidades que não me competem. Tem pessoas responsáveis por isso.

Você acompanha o que está acontecendo no país, toda essa crise?

O maior problema do Brasil é a impunidade. Existe um processo que aumenta a cada dia. As leis estão aí, acho que falta punição. Enquanto não for assim, está liberado para todo mundo fazer o que bem entender, se corromper, seja ativo ou passivo. O povo tinha que colaborar um pouco mais. Fico abismado de ver o povo deixar de cumprir suas obrigações porque um político ou o vizinho não o faz. Você tem que ter uma conduta séria e honesta. Quando estou no Rio e vou correr na praia, eu saio recolhendo as garrafas deixadas pelos outros banhistas. Aí, várias pessoas que corriam comigo começaram a fazer o mesmo. Não quero ser melhor que ninguém, mas cada um tem que fazer sua parte.
 

CAPITÃO AZUL – Gottardo ergue taça da Libertadores 1997. Crédito: Cruzeiro/Divulgação

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