Belletti relembra anos 90 em MG por Galo e Cruzeiro, e fala sobre Messi: 'Pelé da minha geração'

Henrique André
15/11/2019 às 16:08.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:42
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

Arquivo Pessoal

Uma carreira de sucesso dentro das quatro linhas e que seguiu exitosa mesmo após pendurar as chuteiras em 2011. Assim é a vida de Juliano Belletti, de 43 anos. Natural de Cascavel, no interior do Paraná, o ex-jogador de Cruzeiro, Atlético, São Paulo, Barcelona, Chelsea e Seleção Brasileira coleciona mais de 20 títulos como atleta e acumula experiências distintas desde que trocou os uniformes de jogo por vestimentas mais formais.

Nascido em 20 de junho de 1976, o hoje empresário, embaixador global do Barcelona e também comentarista de TV iniciou a carreira no futsal, curiosamente como goleiro. Contudo, foi como atleta de linha que Belletti se firmou nos gramados.

Revelado pela Raposa, o entrevistado do Papo em Dia desta semana foi finalista do Brasileiro pelo rival Atlético, fez gol em final de Champions pelo Barcelona, fez parte da Seleção pentacampeã do mundo e muito mais.

Há 20 anos, o Atlético entrava em campo para dois jogos contra o Cruzeiro, pelas quartas de final do Brasileirão. O que você lembra daqueles duelos? A Raposa tinha campanha melhor...

Lembro bastante das dificuldades. O Cruzeiro tinha um baita time, com muita qualidade, e tinha se classificado melhor para essa fase. Eu estava retornando de uma lesão no joelho, sofrida em um acidente de carro 60 dias antes, e voltei a jogar sem estar 100% recuperado. Drama total. Mas nosso time tinha algo diferente. Tinha uma ambição gigante por vencer. Trabalhávamos muito em busca das conquistas. Sem medir esforços. E graças a isso eliminamos o Cruzeiro daquelas quartas de final. Exaustos, cansados, mas conseguimos.

O que faltou para o Atlético superar o Corinthians naquela final, depois de um campeonato levado na raça? O que passou na sua cabeça naquela hora no túnel, em que você estava visivelmente arrasado?

Estávamos muito entrosados. Nos conhecíamos tanto e tão bem que nos comunicávamos no olhar dentro de campo. Mas perdemos o Marques, machucado, no primeiro jogo da final. Faltou ele. E no terceiro jogo da final, no Morumbi, jogamos bem, corremos muito, criamos chances de gol, mas não conseguimos marcar. O Dida, goleiro adversário, teve uma grande atuação. E poucos minutos antes de acabar o duelo em que o Corinthians jogava pelo empate para ser campeão, e o jogo estava 0 a 0, acabei saindo. No túnel, a caminho do vestiário, parei ali, lembrando tudo que tínhamos feito pra chegar até aquela final, tudo que eu havia passado para chegar até ali e tentar ajudar o time. Chegamos a vencer o Corinthians na primeira fase do campeonato por 4 a 0. Tínhamos condições de vencer, de sermos campeões. Mas não conseguimos. Com o Marques em campo, venceríamos.

Você que viveu o clássico mineiro com torcidas divididas, como vê essa história de 10% para os visitantes? Como vê essa divisão atual e tanta violência nos estádios?

O descaso das autoridades com relação a punição aos torcedores violentos fez com que o futebol chegasse a esse estágio. Fugiu do controle. Ficou perigoso sim. Tenho filhos e penso três vezes antes de levá-los aos estádios. A lei aplicada na sociedade já tem suas debilidades. Nos estádios de futebol é pior ainda. E os exemplos vindos de dentro de campo não são os melhores. Muitas discussões, simulações, falta de respeito aos árbitros... Tenho saudades daqueles tempos, mas hoje em dia ainda não existe luz no fim do túnel.

Como aconteceu a transformação do Belletti volante para o lateral? Na época, achou que pudesse ser um tiro no pé?

Foi em 2000 no São Paulo. Eu era volante em 1999 e fui emprestado ao Galo. Marcava muitos gols e ajudava o bastante o time no ataque; o técnico Dario Pereira me colocou para jogar um pouco mais à frente, como meia-direita. Acabei sendo eleito o melhor da posição do Brasileirão daquele ano. Ganhei a Bola de Prata. Em 2000, voltei ao São Paulo, e o técnico Levir Culpi dizia que para fechar o elenco para a temporada faltava somente um lateral-direito. Vendo isso, me ofereci para jogar na posição para tentar ajudá-lo e ajudar o time. Abri mão de ser o camisa 10 do time, marcando gols, sendo o melhor do Brasil, para ir jogar na lateral do campo, posição sem protagonismo e que, sim, poderia ter dado errado; somente para ajudar meu treinador e meu time. Mas confiei em mim mesmo, no meu trabalho, na minha dedicação em me aperfeiçoar individualmente para logo contribuir com o trabalho do time. Deu certo. As atuações foram incríveis, e cinco meses depois eu estava sendo convocado para defender a Seleção Brasileira.Arquivo pessoal 

Acredita que vivemos uma carência na lateral direita? A Seleção tem sofrido para achar novos atletas com o mesmo peso de Cafu, Maicon, você e Daniel Alves?

No futebol muito se compara, e isso está errado.  Jogar de lateral-direito hoje em dia é diferente de anos atrás. Quando eu era lateral, minha missão era marcar bastante no setor defensivo e, depois, buscar a jogada de linha de fundo e colocar a bola na área para os atacantes finalizarem a gol. E éramos um fator surpresa no ataque. Hoje mudou. Por isso não tem que haver comparação. Lateral hoje não precisa buscar a linha de fundo para fazer suas jogadas. Outro jogador, o extremo, faz isso. Lateral entra mais pelo meio nas jogadas ofensivas e pouco pelo lado. Quem joga nessa posição hoje tem que adaptar-se ao sistema em que o time/seleção joga e produzir para que esse sistema funcione.

Você teve proposta para retornar ao Cruzeiro? Se sim, quando e por que não concretizou? Tinha esse desejo?

Tive sim. Assim que acabou meu contrato com o Chelsea em 2010. Mas como eu estava no meio de outra negociação, disse ao Cruzeiro que queria primeiro encerrar aquela negociação para voltar a falar com eles. Fiz isso e quando liguei no outro dia, para falar sobre o contrato, não atenderam minhas ligações. Seria sensacional ter voltado ao clube onde comecei. Acabei sendo contratado pelo Fluminense e ganhei o Campeonato Brasileiro daquele ano.

Quem foi melhor de jogar ao lado: Ronaldinho ou Messi? O que você conseguiu extrair de cada um deles?

Ronaldinho teve três anos mágicos no Barcelona. E vi isso de perto. Arte, qualidade, força e decisão. Vê-lo jogar, e treinar, tão de perto, foi um baita privilégio. E vi Messi começar na equipe profissional. Bem jovem, mas já com caráter competitivo, com talento, com personalidade. Ele era diferente. Já tinha algo especial. É muito difícil, quase impossível, se manter tanto tempo no topo, manter o altíssimo nível, deixando a concorrência somente admirando seu talento e suas conquistas. Messi é o Pelé da minha geração.

O carinho e respeito que você tem no Barcelona são enormes. Inclusive, você foi escolhido para ser um embaixador global do clube. É uma coisa para contar aos netos? Acredita que aquele gol contra o Arsenal tenha aberto de vez as portas por lá?

Tenho contrato com o Barça. A responsabilidade é gigante. Representar o clube que tem o maior número de fãs no planeta exige foco, disciplina, dedicação e preparação. O gol tem sua importância na história, mas o fato de ser embaixador foi por estar preparado para a oportunidade. Quando precisou de um ex-jogador da casa para representar o clube em um evento nos Estados Unidos, numa conferência para promover um jogo de pré-temporada contra o Manchester United, me ligaram para saber se eu poderia ir. Eu era comentarista do SporTV na época. Pedi e me liberaram para viajar. Não encarei como uma simples entrevista. Me preparei para aquele evento. Pesquisei quem iria estar presente, o que era importante dizer, como dizer, estudei ainda mais a história do clube, suas diretrizes, seus valores... E o clube gostou do que fiz naquele dia. Logo, virei embaixador. Representando o clube, já fui em campo de refugiados, já palestrei para congressistas e senadores americanos no Capitólio, em Washington, já fui em zona de guerra, já estive em eventos na China, no Japão, na Índia, em Mônaco... E mostro para todos o porquê de o Barça ser mais que um clube.

Você hoje é multi-funções. É gestor, comentarista, empresário... Como é administrar toda essa responsabilidade?

Hoje em dia quase não se tem profissão, mas sim ocupação. Me "aposentei" aos 35 anos de idade como jogador de futebol profissional. Um choque. Não foi planejado parar tão cedo, mas a vida continua. Já fui diretor editorial de revista, já tive um time de futebol no Paraná, já tive uma academia em São Paulo... Estudei finanças, marketing, administração, psicanálise, mercado digital... Procuro sempre adquirir o máximo de conhecimento possível para estar muito preparado para as oportunidades da vida. Virei palestrante, e já são mais de 50 palestras no mundo inteiro. Tenho uma rede de franquias chamada Arena Belletti com a Belletti Soccer Academy; tenho uma grama sintética com meu nome, a Belletti Signature. Tenho a licença a de treinador e estou finalizando a licença Pró, e, claro, tudo isso sem esquecer que tenho quatro filhos (risos)... É trabalho, amigo!

Ser técnico se encaixaria nessa agenda?

Sou proativo e curioso. Tento fazer o melhor sempre. Joguei em grandes times do futebol mundial que tinham que vencer sempre. Aprendi a buscar a excelência em tudo que se faz, por mais simples que pareça uma tarefa. E fui treinado pelos maiores comandantes da minha geração. E isso é impagável. A missão é compartilhar todo esse conhecimento, ajudar, contribuir... E ser técnico é um ótimo caminho para isso.

Por que o Brasil falhou nas Copas seguintes à conquista de 2002, a qual você participou? O que aquele time tinha de diferente?

Por mais que o Brasil seja cinco vezes campeão do mundo, é muito difícil ganhar essa competição. Não tínhamos nada de diferente. Fazíamos o que tinha que ser feito para tentar ganhar uma Copa. Muito trabalho, esforço físico e mental, muito trabalho em equipe, foco, atenção, concentração. Até porque aprendi que o melhor caminho para o sucesso definitivamente não é o mais fácil.

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