Cruzeiro, Cruzeiro querido...

Antônio Carlos de Almeida Castro - Kakay
23/11/2014 às 22:00.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:08

Escrito por um famoso criminalista brasileiro, esta crônica  reflete um pouco do que o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, sente sobre seu clube de coração, o Cruzeiro, que sagrou-se tetracampeão neste domingo ao bater po 2 a 1 o Goiás.   Philips era a marca do rádio, eu quase tenho certeza. Mas, o som, ah esse som! Vai me acompanhar a vida toda. Cada jogo lá estava eu na casa do meu avô para escutar meu time jogar. E, no caso, escutar era como ver, era como estar no estádio. A gente não tinha televisão e o Mineirão era longe demais de Patos de Minas. A primeira vez que eu entrei no estádio fiquei hospedado nele participando de um programa que existia à época “Cidade contra Cidade”. Dormi no Mineirão. Entrei em campo. Pisei naquela grama. Lembro-me da emoção ao imaginar que ali meu Cruzeiro embalava o sonho de muitos fanáticos como eu.   Quem gosta de futebol, quem é apaixonado por arte, quem tem sensibilidade poética, e viu Zé Carlos, Dirceu Lopes, Tostão jogarem, é cruzeirense. E ser cruzeirense é mais do que um estado de espírito, mais do que uma religião, mais do que uma crença, é indescritível. Só quem é sabe.   Quando fiz quinze anos, numa festa em família, a surpresa que me emocionou foi um bolo, que era um campo de futebol com a grama azul e o símbolo do Cruzeiro no centro do gramado. A primeira camisa do time teve as estrelas bordadas carinhosamente pela minha mãe. Mais tarde, quando nós, os irmãos, deixamos Patos para estudar, cada um para seu lado, nos dias de jogo, minha mãe, que ficara em Patos, dizia que via o jogo pela tevê, pois sabia que, naquele momento, seja lá onde estivéssemos, estaríamos unidos. Com o tempo a paixão pelo time só aumentou. Nas alegrias, que foram incontáveis, é fácil ver essa paixão crescer. Nas poucas tristezas, no entanto, é que o cruzeirense sente que essa é uma paixão permanente, duradoura, que nos acompanhará por todo o sempre. Certa vez, uma namorada reclamou que eu trocara uma festa por um jogo do Cruzeiro. Troquei a namorada. A minha atual companheira morou doze anos na Europa. Quando voltou e eu a reencontrei, linda como antes, o primeiro convite foi para ir ao Mineirão. Queria testar se doze anos entre Paris e Londres tinham abalado o amor dela pelo Cruzeiro. Ela aceitou com alegria. Chegamos ao Mineirão e o jogo estava começando. Antes de sentarmos, o Cruzeiro fez um gol. Acho que o gol mais rápido da história do time. Comemoramos com o primeiro beijo, e tive ali certeza de que ela seria minha mulher.   As memórias fazem de nós o que somos; inesquecível a carreata em Patos para comemorar a Libertadores; o gol perdido por Jairzinho contra o Bayern que nos levaria ao título mundial, já que havíamos perdido sob a neve em Munique; emocionante é o Mineirão lotado cantando o hino; o 6 a 1 naquele outro time; os incontáveis títulos do campeonato mineiro; as vitórias na Copa do Brasil; a tríplice coroa; e agora o tetra.   Um time que joga como que homenageando o futebol, honrando a paixão dos torcedores, fazendo que o sonho seja sempre acalentado. Lembro-me uma vez, na Copa do Mundo de 1998, em Paris, vi uma propaganda na rua do Pelé dando uma bicicleta com a frase: “Sometimes the magicians play football”. É o que sinto quando vejo o Cruzeiro jogar. É um momento mágico, em que a mística da camisa azul supera tudo, até mesmo a força e a beleza da torcida. Quando o time entra em campo, é como se o tempo parasse. É como se uma voz interior mandasse o comando: vai começar o espetáculo. E pouco importa se o time está bem ou mal, quando o Cruzeiro está em campo, o coração tem outra batida, o ar tem outra densidade e tudo o mais deixa de ter importância. Isso ocorre comigo desde criança, vidrado em frente ao rádio ou depois acompanhando o time campos afora.   Cresci, casei algumas vezes, tive amores e paixões que pareciam eternas, mas que se dissolveram na curva do tempo. Só uma me acompanha a vida toda. Só uma desmente a máxima do poeta sobre o amor “que seja imortal enquanto dure”, porque a paixão, o amor pelo Cruzeiro, eu tenho certeza que é para sempre e eterno. Não por acaso, o céu é azul e, quando eu me for daqui desse mundo, durante o dia, podem olhar para o céu, imaginando uma enorme bandeira azul a me abraçar. E nas noites de estrelas, o Cruzeiro do Sul será minha morada.

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