
A legislação brasileira prevê que todo funcionário recém-contratado tenha 90 dias de experiência, provando possuir aptidão para ocupar o cargo. No caso do técnico Sérgio Vieira, porém, o tempo no América foi bem menor para mostrar serviço: 41 dias, para ser mais exato.
O período em Belo Horizonte foi tão curto que o português não conseguiu alugar um apartamento para trazer a esposa e a filha Madalena para a capital; e muito menos conhecer os diversos pontos turísticos da cidade.
Praça do Papa, Mercado Central e Complexo da Pampulha não fizeram parte do roteiro do treinador. Ele dividia o tempo entre o hotel, o CT Lanna Drummond, a Arena Independência e o aeroporto de Confins.
Entre a data de admissão, em 6 de junho, até a demissão, em 17 de julho, foram dias de viagens, angústias, cobranças, derrotas e também boicotes. Segundo Paulo Lamar, dirigente do América, o treinador não conseguiu êxito no clube graças a maus jogadores e funcionários não afeitos ao trabalho intenso. O cartola, inclusive, chegou a sugerir uma faxina geral dentro do clube.
Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, realizada no hotel em que se hospedou desde a chegada à Minas, Sérgio Vieira abriu o livro. Ponderado e sem sinais de mágoa com a diretoria alviverde, o português afirma ter aprendido muito nesta curta experiência. Decepcionado com a gestão da maioria dos clubes brasileiros, porém, revelou tristeza pela forma como é conduzido o futebol brasileiro.
"Aqui (no Brasil) questionam muito a atualização dos treinadores, mas se esquecem que quem gere o futebol nos clubes também precisa dela. Assim como os jogadores. Falo de conhecer os hábitos modernos e se inspirar nos melhores. A imprensa também se enquadra nesta realidade", comenta o português.
"Os presidentes também não podem fazer gestões na base da emoção, apesar da importância que ela tem neste processo. A maior porcentagem tem que ser da razão. Eles têm que ser ponderados", acrescenta.
Em 10 jogos no comandando do Coelho, Vieira conseguiu apenas duas vitórias. Nos outros, o time não conseguiu dar a volta por cima e acabou derrotado. Em algumas oportunidades os pontos escaparam por pequenos detalhes; noutras de maneira vexatória.
Como legado, o comandante, de 33 anos, deixa aos dirigentes do time mineiro, atual lanterna do Campeonato Brasileiro, a lição de que é preciso investir muito mais na profissionalização do clube e também na infraestrutura oferecida aos funcionários. Para se ter ideia, até a chegada de Vieira o América não possuía um auditório com ar condicionado e projetor para que o treinador pudesse se reunir com os jogadores.
"As maiores vítimas são os clubes que não se modernizam, que não se atualizam e que continuam fragilizados. As pessoas passam pelas instituições, mas o que fica é a estrutura de trabalho e a história delas", analisa Vieira. "Toda diretoria deveria ter como objetivo criar melhores condições para os funcionários (nos CTs) e para os torcedores (nos estádios)", finaliza.
Atletas-exemplo
Em relação ao convívio com os jogadores brasileiros, o treinador destacou dois deles cujo comportamento lhe despertou atenção: Leandro Guerreiro, volante americano, e Rafael Miranda, atleta com o qual trabalhou na Ferroviária, na Série A1 do Campeonato Paulista. Além disso, deixou clara também a sua admiração pela gestão do Atlético-PR, clube no qual trabalhou em 2014.
"O Leandro Guerreiro é um grande exemplo de conduta. Ele é o primeiro a chegar no treino, sempre duas horas antes da hora marcada; se alimenta bem, se prepara, treina ao máximo e é um dos últimos a sair", fala Vieira sobre o capitão do Coelho.
"Na Ferroviária, tive o exemplo do Rafael Miranda. É um exemplo de profissionalismo, de caráter e de conhecimento. No Atlético-PR é diferente, porque o próprio clube exige isso. São 33 'Guerreiros e Mirandas' lá. Isso é o profissionalismo", conclui.