Dos restos de comida do Carandiru à amizade com o Rei: a história de vida de Ricardo Oliveira

Frederico Ribeiro
fmachado@hojeemdia.com.br
03/01/2018 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:32
 (GUILHERME DIONíZIO/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO)

(GUILHERME DIONíZIO/CÓDIGO19/ESTADÃO CONTEÚDO)

Na favela Zaki Narchi, em São Paulo, os olhos de adolescentes foram cravados pelo fogo. Os barracos da comunidade eram, de tempos em tempos, vítimas de incêndio. As chamas não causavam mais temor do que a fome. Restos de comida da Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como "Carandiru" - em referência ao bairro onde se localizava - era uma das fontes para aplacar o estômago. 

Passado de dramas, pobreza e dificuldades, absorvidos por gols, fama, reconhecimento e riqueza através do futebol, que aos 37 anos de idade e 17 de carreira, apresenta mais um capítulo. No  início da tarde desta quarta-feira (3), às 13h30, o atacante Ricardo Oliveira desembarca no Atlético para ser o artilheiro da nova equipe alvinegra.

O Hoje em Dia mergulhou na vida e carreira do veterano centroavante, consultando pessoas ao seu redor. Daqueles tempos de pedir as sobras de alimentos servidos aos presidiários do extinto Carandiru ao lado da mãe, até a evangelização e a idolatria nos Emirados Árabes, quando virou amigo de autoridades reais do país, como o Sheik Mohammed bin Zayed Al Nahyan, príncipe de Abu Dhabi e irmão do presidente nacional.

17 anos de carreira, prestes a defender o 11º time da trajetória profissional que começou em 2000 na Portuguesa, campeão de Champions, Liga Europa, uma final e meia de Libertadores (valendo artilharia) no currículo. Vida que daria um filme, ou melhor, um livro a ser lançado neste ano. Divulgação e Reprodução/Placar / N/A

Poster do aclamado filme Carandiru (2003) e perfil de Ricardo Oliveira na Placar de 2001: origem humilde

SONHO COM ROBINHO E VINDA PARA O GALO
Ricardo chega ao Galo acumulando 319 gols na carreira profissional em 619 jogos. A maioria deles no Santos (92), de onde saiu após não renovar contrato. No Atlético, inclusive, receberá R$ 280 mil fixos, e topou o acordo porque ele está recheado de premiações por metas individuais. 

O jogador chegou a ficar desempregado no futebol por mais de seis meses em 2014, quando deixou o Mundo Árabe. Ninguém queria apostar nele. O próprio Oswaldo de Oliveira (agenciado pela mesma empresa do atacante) o pediu no Palmeiras. A diretoria do Verdão declinou.

A solução foi encontrada a partir de um sonho. Ricardo Oliveira confessou que havia sonhadoestar no ônibus do Santos ao lado de Robinho e outros companheiros do time de 2003. Foi o despertar para ir até a Vila Belmiro e aceitar um contrato de quatro meses recebendo R$ 50 mil.

Aposta que rendeu a artilharia do Brasileirão há dois anos. A parceria com R7 poderia se repetir no Atlético, mas o "Pedalada" não renovou com o Galo. Juntos, marcaram 31 gols em Copa Libertadores, sendo que foram companheiros no vice-campeonato de 2003.Reprodução/Instagram / N/A

Ricardo Oliveira e Robinho: companheiros de
Santos, Seleção e quase juntos no Galo

DRAMA NO MILAN
Os números de gols da carreira poderiam ser até melhores. Em 2006, Oliveira foi contratado pelo Milan para substituir o ucraniano Andriy Schevchenko. Foram apenas 4 gols na Itália, tendo sido prejudicado pscicologicamente com o sequestro da irmã em São Paulo. Ato criminoso que durou 159 dias (o mais longo do Estado). 

Com a camisa rubro-negra, jogando com Kaká e Ronaldo Fenômeno, R09 pôde colocar a Uefa Champions League (2007) no currículo que já contava com outros troféus de peso: uma Copa da Uefa (atual Liga Europa) pelo Valencia, onde também venceu o Espanhol. Antes, já havia abocanhado a Copa do Rei pelo Bétis, além dos títulos pela Seleção Brasileira - Copa América 2004 e Copa das Confederações 2005.


LIBERTADORES
Ricardo aceitou ser jogador do Atlético pelo "desafio esportivo". Tal missão poderia ter a Libertadores com capítulo, mas o Galo não se classificou para o torneio em 2018. Na competição internacional, o atacante tem 14 gols, e foi artilheiro e vice-campeão da edição 2003 pelo Santos.

Com a camisa do São Paulo, voltou a ficar com o vice em 2006. Diante do Internacional, porém, só conseguiu jogar a primeira final, pois estava emprestado pelo Bétis e seu contrato com o Tricolor Paulista terminou antes do jogo de volta. Uma das metas de RO9 no Galo é justamente a classificação para o torneio em 2019.

RELIGIÃO E LUTA
Pastor evangélico há mais de 10 anos, Ricardo Oliveira já batizou colegas de clube e abriu uma igreja nos Emirados. O jogador tem vários "testemunhos" na íntegra no Youtube, e conta como superou as dificuldades da infância e sua ligação religiosa, que contempla a família e amigos.

E tudo começou quando criança, nos primeiros contatos com o futebol, ao jogar por um time batizado de Levae (levando o Evangelho através do Esporte). Ao se tornar atleta profissional, se converteu na Portuguesa, tendo sido batizado, inclusive, pelo ex-jogador Mancini, revelado no Atlético e que foi seu companheiro de time na Lusa.

A fé é inabalável para fazer de 2018 mais proveitoso que o ano passado, quando sofreu percalços incomuns para um jogador: caxumba, corte na orelha e pneumonia. A forma física do camisa 9, que pode gerar desconfiança no torcedor, é mantida com rigor até nas férias. Para chegar aos 40 anos atuando em alto nível, Ricardo Oliveira virou boxer e faixa marrom de Jiu-Jitsu.

Ricardo Oliveira é pastor evangélico e tem testemunhos completos no Youtube

PATROCÍNIOS
Ricardo Oliveira é um ícone em terras árabes. Passou seis anos nos Emirados. Primeiro pelo Al Jazira, depois defendendo o Al Wasl. Pelo primeiro, fez 91 gols em 120 jogos. Bicampeão da Copa do Presidente, ainda é convidado para voltar a Abu Dhabi para participar de inaugurações de viadutos e monumentos. 

Esta ligação com o mercado do oriente médio, segundo apurou o Hoje em Dia, pode ser explorada comercialmente pelo Atlético. No Santos, sua figura teve peso quando o clube assinou patrocínio máster com os africanos da Royal Air Marroc.

IGREJAS EM BH E 'ATROPELANDO' LÉO SILVA
Ao já trabalhar com a possibilidade de liberar o atacante Fred, o Atlético correu no mercado e acertou com Ricardo Oliveira, vencendo concorrência de Grêmio, São Paulo, Corinthians e Flamengo. Um dos fatores atrativos para o centroavante foi conhecer a comunidade evangélica de BH, composta por companheiros de profissão. 

Com Leonardo Silva, capitão do Atlético, existe o contato também através dos empresários que cuidam da carreira de ambos. A relação teve um capítulo especial dentro de campo. Num Atlético x Santos em 2015, no Independência, Oliveira ganhou na corrida de Léo, um ano mais velho que o amigo. 

Agora, o antigo rival que fez cinco gols em quatro confrontos contra o Atlético no retorno ao Brasil, virou companheiro de time. E, da maneira como Ricardo Oliveira correu na areia em vídeos postados no Instagram durante as férias, 2018 promete ser bem diferente para o "pastor". 

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