entrevista

‘É um símbolo de resistência’, diz Líbia Miranda, organizadora da Taça dos Povos Indígenas

Diretora executiva da FourX Entertainment detalha o projeto da primeira competição indígena chancelada pela CBF

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 14/07/2025 às 08:47.Atualizado em 14/07/2025 às 11:32.
 (Rafael Ribeiro)
(Rafael Ribeiro)

No próximo dia 15 de julho, a Aldeia Multiétnica, localizada na Chapada dos Veadeiros (GO), será palco do evento de lançamento da Taça dos Povos Indígenas, a primeira competição indígena da história com chancela oficial da CBF. A cerimônia faz parte da 17ª edição do tradicional encontro anual da aldeia e reunirá mais de 300 indígenas de diversas etnias em uma programação que inclui amistoso simbólico, inauguração de campo oficial, rituais, tour guiado e trocas culturais.

Mais do que o anúncio de um torneio, o evento marca o início de um projeto de abrangência nacional voltado à valorização dos povos originários por meio do futebol. A Taça será realizada no segundo semestre de 2025 e contará com a participação de mais de 2.400 atletas, representando 48 etnias.

Além das partidas, o projeto inclui oficinas, formações e atividades voltadas à capacitação de atletas, técnicos, árbitros e lideranças indígenas em temas como saúde, meio ambiente e direitos no esporte.

Com apoio institucional da CBF, do Ministério dos Povos Indígenas, da CBDU e da CBF Academy, a iniciativa é coordenada pelo Instituto Inclusion For All e pela produtora FourX Entertainment. A proposta vai além das quatro linhas, buscando fortalecer o protagonismo indígena, promover trocas culturais entre os povos e construir novas narrativas para o esporte no Brasil.

Minas Gerais estará representada com a etnia Krenak, originária da região do Vale do Rio Doce. Atualmente, cerca de 600 indígenas vivem na aldeia. De acordo com os organizadores do evento, o povo Krenak mantém uma relação próxima com o futebol, que sempre esteve presente nas atividades da comunidade. O time, que possui o mesmo nome da etnia, participa de campeonatos municipais e regionais, e vê a Taça dos Povos Indígenas como uma ação inédita que trará visibilidade e fortalecerá sua luta.

Em entrevista ao Hoje em Dia, Líbia Miranda respondeu às perguntas sobre os objetivos do torneio, a recepção dos povos indígenas, a presença do povo Krenak e a importância da parceria com a CBF.

Quais motivos levaram à criação da Taça dos Povos Indígenas?

A Taça dos Povos Indígenas nasceu do desejo de mudar vidas por meio do esporte, unido a cultura e a valorização da identidade dos povos originários do Brasil. O futebol sempre esteve presente nas comunidades indígenas, seja como prática esportiva, lazer ou ferramenta de integração entre as aldeias. O futebol é uma paixão indígena! Criar uma competição de abrangência nacional, com reconhecimento institucional e respeito às tradições de cada etnia, é uma forma de fortalecer o protagonismo indígena, gerar oportunidades e promover um diálogo potente entre ancestralidade e futuro.

Como tem sido a recepção por parte dos indígenas? O que eles têm dito a respeito da competição?

A recepção tem sido emocionante e extremamente positiva. Desde os primeiros contatos, sentimos que a Taça representa um sonho antigo para muitos povos. Os indígenas veem a competição como um espaço de celebração, de visibilidade e também de reconhecimento da sua força coletiva. Muitos líderes têm nos dito que a Taça é um símbolo de resistência, união e orgulho. Para os jovens, é uma oportunidade de representar sua etnia e sua história em nível nacional.

Como está a relação com a CBF atualmente? Qual a importância desse apoio para a competição?

Atualmente, a relação está maravilhosa. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é a principal apoiadora da Taça dos Povos Indígenas e tem sido fundamental para o fortalecimento institucional do projeto. O reconhecimento da CBF chancela a competição como parte legítima do ecossistema esportivo brasileiro, garante suporte técnico e simbólico, e ajuda a ampliar o alcance e a credibilidade da iniciativa. É um passo importante para garantir que os povos indígenas também estejam representados de forma oficial dentro do futebol nacional.

Quantas equipes e atletas indígenas irão participar? Já existem etnias confirmadas?

A Taça dos Povos Indígenas reunirá 96 times, sendo 48 masculinos e 48 femininos, representando 48 etnias indígenas de todas as regiões do Brasil — 12 de cada região. Estamos falando de uma mobilização nacional de centenas de atletas indígenas, em um encontro inédito de diversidade, talento e força cultural. Entre as etnias já confirmadas estão: Rikbaktsá, Kayapó, Krahô, Krenak, Karajá, Terena, Kadiwéu, Kalapalo, Bororo, Guarani Kaiowá, Xunaty, Yawalapiti e Xerente. Cada uma traz consigo histórias, línguas, tradições e modos de vida que enriquecem o projeto e tornam a Taça um verdadeiro espelho da pluralidade brasileira.

Sobre o povo Krenak, etnia de Minas que estará na competição, o que vocês podem nos contar?

O povo Krenak é originário da região do Vale do Rio Doce. Aproximadamente 600 Krenak vivem atualmente na aldeia. Eles mantêm uma relação muito próxima com o futebol, que sempre esteve presente nas atividades da comunidade. Participam de campeonatos municipais e regionais — inclusive, já foram campeões em algumas oportunidades — o que demonstra a tradição da equipe na região. O futebol se tornou, talvez, a principal atividade esportiva do povo, especialmente após o rompimento da barragem de Mariana, que comprometeu aspectos culturais, espirituais e físicos da vida na aldeia, já que o Rio Doce era também um espaço de lazer. Desde 2015, o futebol passou a ocupar um papel ainda mais central na rotina do povo Krenak.

Recentemente, conversamos com Geovani Bezerra, da etnia Krenak, que nos explicou que participar da Taça dos Povos Indígenas representa não apenas a proximidade do povo com o futebol, mas também uma forma de reafirmar sua luta por direitos. Segundo ele, eventos como a Taça são uma oportunidade importante de visibilidade e de fortalecimento da luta do povo Krenak.

Além da parte esportiva, como a Taça dos Povos Indígenas pretende impactar a vida dos povos originários?

Mais do que uma competição, a Taça é um espaço de fortalecimento social, cultural, formativo e comunitário. Ao longo do evento, os atletas indígenas terão acesso a suporte técnico e tático, com acompanhamento da equipe da CBF. Através da CBF Academy, será oferecida uma vivência esportiva e formativa completa, com oficinas, palestras e atividades que integram aspectos físicos, estratégicos e educativos do futebol. Além disso, haverá uma ampla programação cultural com apresentações tradicionais, exposições, rodas de conversa e oficinas.

Nosso maior objetivo é deixar um legado de autoestima, visibilidade e estrutura para que o esporte e a cultura sigam como ferramentas de transformação dentro das aldeias… dos nossos indígenas, que são os maiores guardiões das nossas florestas. Futebol e sustentabilidade caminhando juntos.

Por que a Aldeia Multiétnica foi escolhida para sediar tanto o evento de lançamento quanto os jogos da competição?

A escolha da Aldeia Multiétnica, localizada em Alto Paraíso de Goiás, vai muito além da logística. Ela representa um território de encontro, ancestralidade e reconexão com o sagrado. Tombada pela UNESCO, a Aldeia já possui uma história consolidada de acolhimento a diferentes etnias e de promoção do diálogo intercultural.

É um espaço simbólico onde a diversidade é vivida na prática, com respeito às tradições e à espiritualidade de cada povo. Realizar tanto o evento de lançamento quanto os jogos da Taça nesse território é uma forma de honrar a essência do projeto, que é unir cultura, esporte, natureza e identidade em um só movimento. Além disso, a Aldeia oferece estrutura adequada, acessibilidade e um ambiente propício para uma vivência coletiva rica, respeitosa e inspiradora.

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