Edu Lima relembra façanhas pelos arquirrivais: ‘Tenho minha marca no Cruzeiro e Atlético’

Alexandre Simões e Guilherme Piu
11/10/2019 às 19:01.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:11
 (Arquivo pessoal )

(Arquivo pessoal )

Autor do gol que salvou o Cruzeiro do rebaixamento no Brasileirão de 1985, num clássico contra o Atlético, o cria da Raposa Edu Lima construiu uma carreira de sucesso e com grandes clubes no currículo.

Agora comentarista esportivo, o ex-ponta passou também pelo Atlético, onde foi campeão mineiro em 1991 e com gol em clássico; ele fez história ainda em Inter e Guarani.

Ex-funcionário da base da Raposa, Edu Lima é o entrevistado desta semana do Papo em Dia.

Você chegou ao time principal do Cruzeiro, onde foi revelado, para ser reserva do Joãozinho. Como era para um garoto conviver com um dos maiores nomes da posição na história do futebol brasileiro?

Naquele tempo, não era nem era para ficar sentado no banco de reservas, era para ficar em pé. Na maioria dos estádios não se sentava, ainda tinha mais essa. A gente ficava babando ali, muito diferente de hoje, porque hoje tem 11 jogando e outros 11 ou 12 ali no banco. Naquele tempo, tinha os 11 que jogavam e mais uns cinco. O treinador muitas vezes colocava 18 para concentrar e cortava três. Eu fui muitas vezes ia para o banco e ficava de boca aberta vendo os dribles que o João dava. Foi espetacular porque, além de ser um fenômeno jogando futebol, era de uma simplicidade sem tamanho. Após os treinamentos, ele me chamava para que a gente pudesse ficar "brincando" e treinando com a bola. Muitos dribles dele, foi ele quem me ensinou; eu fui treinando, aperfeiçoando e levando isso para frente.

Na base do Cruzeiro você já se destacava, não só pelo bom futebol, mas também pelo chute forte. Esta característica é nata ou você aprimorou?

Na base do Cruzeiro, eu comecei no dente de leite, que já era até 12 anos. Saí do futebol de salão para o campo com 12 anos, quando tinha que fazer a opção. No futebol de salão, dos 8 aos 12, o chute contava muito, porque a quadra era menor. No campo, é evidente que já nasci com o chute forte. Inclusive, no meu primeiro jogo no Mineirão, que foi entre equipes A (azul) e B (branca), de dente de leite, lembro que passei a noite da véspera acordado, não consegui dormir direito. Acabou com o time azul ganhando do time branco, e eu marquei justamente no gol que fica embaixo da torcida do Cruzeiro. É uma característica minha (chute forte) que marcou. E tive que aprimorar também.

Em 1985, você marcou um gol que evitou a queda do Cruzeiro para a Segunda Divisão, decretando o 3 a 2 num clássico contra o Atlético. Qual recordação você guarda daquele momento?

Na verdade, em 1984, o Cruzeiro tinha sido campeão mineiro, meu primeiro título como profissional. Em 1985, o time não se encontrou, não fez boa campanha, e o futebol, sendo coletivo, acontece tanto para vencer quanto para perder; o que pesa é o coletivo. Foram dois jogos marcantes para mim naquele ano. Um contra o Corinthians, em que empatamos por 1 a 1, com um gol meu aos 37 minutos do segundo tempo. Depois teve esse jogo de 3 a 2 contra o Atlético, em que tive a oportunidade de fazer dois gols, sendo que o último foi de pênalti. O João Leite tinha fama de pegador de pênalti. Ainda dei a assistência para o outro gol, do Tostão, e a sensação foi maravilhosa, porque tive a oportinidade de jogar contra um Atlético que, na década de 1980, tinha um time muito forte, muito bom, grandes nomes... Foi uma experiência fantástica sair vencedor daquele duelo.

Sua família tem fortes ligações com o Barro Preto e o Cruzeiro. Como foi para você deixar o clube?

Minha mãe é descendente de italiana, meu pai é do Sul de Minas, e no interior do Minas pendia, naquela época, torcer para o Cruzeiro. Meu pai conheceu minha mãe em um dos bailes do Cruzeiro, ali na sede do Barro Preto. Tinha o restaurante que ficava em frente. Lembro bem do Raposão, time dos veteranos que já tinham jogado no Cruzeiro, então é muita história. Tinha ali o Procópio, o Willian, tinha muita gente boa, o Amaury, a família Fantoni. Então foi uma experiência muito legal ali no Barro Preto, e eu nunca tinha pensado em sair. Na verdade, eu nunca quis sair. Eu estava nas férias de 1985 para 1986 e recebi o recado, não do Cruzeiro, mas sim de um amigo, que tinha escutado que eu tinha sido negociado com o Vitória, da Bahia. Na época, existia uma diferença muito grande no regulamento, na lei, para hoje. Hoje você tem um contrato entre dois e cinco anos, e o atleta fica mais livre. Naquele tempo, você era negociado mesmo sem perguntar se você queria ir, mesmo que você não quisesse ir. Na época, foi uma direção que quis fazer: uma mudança total pela campanha de 1985, e eu acabei sendo negociado com o Vitória.Arquivo pessoal / N/A

Por toda essa ligação com o Cruzeiro, como vê o momento atual do clube, que briga contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro?

Antes disso, o Cruzeiro me abriu as portas entre 2002 e 2007 para que eu pudesse trabalhar no departamento de base, e o time estava ganhando tudo, muito respeitado dentro e fora de campo. Houve um crescimento muito grande, principalmente desde a década de 1990, com os títulos que conquistou. Hoje, é evidente que nós ficamos muito entristecidos, mas é uma questão de gerenciamento, de respeitar as atitudes e a gestão que foi feita, escolhida para fazer as tomadas de decisão. A maioria delas mostra que, pelo o que o clube colhe, não foram as decisões mais acertadas. O clube vive um clima de muita política, é necessário que as pessoas que estão dentro e gostam realmente do clube, e acreditam que neste momento, saibam que estão sendo prejudiciais ao clube, é evidente que elas teriam que ter a coragem de assumir e se retirar. Mas envolve vaidade, uma série de fatores que influenciam essas decisões. É evidente que a gente sente muito esse momento, não queremos ver nunca um time de muita história, tradição, que nunca conheceu a Segunda Divisão, viver uma história tão triste como essa.

Você integrou um grande time do Internacional. Qual perda foi mais dolorosa para aquele grupo, a decisão do Brasileiro de 1988 ou a perda da semifinal da Libertadores de 1989 para o Olimpia, depois de vocês vencerem o jogo de ida em Assunção por 1 a 0?

Sem dúvida, você faz uma campanha para chegar a uma decisão de Campeonato Brasileiro, como foi em 1988, que acabou sendo passada para fevereiro de 1989, há uma expectativa muito grande porque eram dois clubes de fora do eixo Rio, São Paulo e Minas Gerais. Era entre Internacional e Bahia. Eu tinha jogado no Bahia em 1987 com o mesmo grupo, fomos campeões baianos naquele ano, depois fui para o Internacional e começamos a fazer um grande trabalho com o Ênio Andrade. O grupo realmente era fantástico, encaixado, tinha disputado a final de 1987 contra o Flamengo e ia para sua segunda final consecutiva de Campeonato Brasileiro. Tudo poderia acontecer, o Bahia era um time muito forte, bem treinado, com jogadores oriundos da base e que eu também conhecia. Tivemos uma partida em Salvador e começamos na frente, mas o Bahia virou. Depois, fomos para Porto Alegre, houve o 0 a 0 em um jogo muito equilibrado, e infelizmente perdemos. Acho que por ter chegado à final, essa história do Brasileirão fica mais patente, marca mais. A Libertadores é aquela guerra, em 1989, não era como hoje. Enfrentamos equipes difíceis, tivemos dificuldade logo na primeira fase. Fomos para a Venezuela e era para ficarmos uma semana para jogar contra o Táchira, em San Cristóbal, e o Marítimo, em Caracas. Acabamos ficando mais de dez dias, por causa de eventos políticos que impediam os eventos, e jogamos em Caracas com portões fechados. Depois passamos pela outra fase, quando eliminamos o Bahia. Pegamos o Penãrol, que era a base da seleção uruguaia, vencemos por 6 a 2 em Porto Alegre, e depois ganhamos também em Montevideo por 2 a 1. Então partimos para aquela semifinal e vencemos o Olimpia no Defensores Del Chaco com um gol muito bonito, que saiu de outros dois jogadores que passaram pelo Cruzeiro: um cruzamento do Heyder e com o Luiz Fernando fazendo um golaço de bicicleta. Aí jogamos no Beira-Rio, que era a base da seleção paraguaia, perdemos por 3 a 2, fomos para as penalidades e acabamos sendo derrotados. Até aí tudo normal, porque perder o jogo não diz o que foi, mas chateia por serem histórias que ficaram marcadas por serem dentro de casa, no Beira-Rio, tanto o 0 a 0 contra o Bahia como a derrota contra o Olimpia.

Como foi para você chegar ao Atlético em 1991, quase cinco anos depois de deixar o Cruzeiro, onde você tinha uma ligação muito forte?

Na verdade, foi uma responsabilidade muito grande chegar no Atlético, que tinha um grupo que também vinha jogando há muito tempo. Os principais ídolos jogavam na minha posição e tinham uma marca registrada com a torcida. Todos sabiam da minha origem, e coloquei na cabeça que tinha que treinar, correr e jogar dobrado. Foi uma opção também, porque nessa mesma época, em 1991, surgiu o Flamengo, mas minha filha caçula tinha acabado de nascer e optei por unir o útil ao agradável. Após sete anos fora de Belo Horizonte, resolvi acertar com o Atlético, muito também por essa questão de família. Foi um tempo muito bom, um ano e meio no Atlético, muita experiência, conquistas e amizades. Feliz por ter jogado na minha cidade, ter sido campeão nos dois clubes e feliz por ter deixado minha marca tanto no Cruzeiro quanto no Atlético.

Em 1991, você decidiu um clássico que era o jogo das faixas do Atlético pelo título estadual da temporada, mas que para o Cruzeiro valia uma vaga na Copa do Brasil, que o clube acabou perdendo. Depois de tantos clássicos e gols pelo outro lado, desde a base, o que você sentiu naquela comemoração?

Primeiro, que quando você joga, está em atividade, você é muito jovem, então não tem tanta maturidade e se deixa levar pela emoção. Ali, veio muito presente minha saída forçada do Cruzeiro. Veio um filme todo de um garoto que chegou om oito anos no futsal, foi com 12 anos para o campo até 16 na base, dos 16 aos 20 no profissional e depois foi praticamente mandado embora. Isso criou, naquele tempo de falta de maturidade, alguns sentimentos que não condiziam com a realidade. O seu Ênio Andrade tinha tido uma discussão comigo em 1988 e 1989, e aquilo foi ficando. Ele era o treinador do Cruzeiro, e houve esta comemoração. Tudo uma tremenda de uma criancice que hoje eu vejo como uma coisa do tempo. O tempo vai fazendo com que as coisas amadureçam e possamos ter atitudes boas. O futebol gera este tipo de descontentamento, mas hoje respeito todos os clubes em que eu joguei e que me abriram as portas. É claro que com algumas predileções, entre eles o Cruzeiro Esporte Clube.Arquivo pessoal / N/A

Você jogou no Flamengo em 1993. É mesmo diferente jogar no clube?

Jogar no Flamengo, com a camisa 10, num Maracanã cheio é algo indescritível. Algo que um humano que não teve essa experiência, não vai poder falar nunca. Ele vai sentir de fora. Mas jogar num clube que tem a tradição do Flamengo e que te proporciona pisar no maior palco do futebol brasileiro vestindo aquele uniforme, é uma coisa que não se descreve. É maravilhoso, um sonho realizado, porque meu avô morava no interior de Minas e tinha uma bicicleta Philips, e no paralama da frente, tinha uma bandeira do Flamengo e ele torcia para o Flamengo... para o Cruzeiro e para o Flamengo. Naquele jogo contra o Corinthians, em 1985, completava-se um ano que ele tinha falecido, e depois eu viria a jogar no Flamengo. Então, existiram coisas que a vida me proporcionou, que Deus me proporcionou, que eu carrego com muita alegria, satisfação, como um sonho realizado

Pode-se dizer que o melhor time que você integrou foi o Guarani de 1994, que marcou época no futebol brasileiro e que tinha no quarteto ofensivo, além de você, Djalminha, Amoroso e Luizão?

Sem dúvida algum, foram anos espetaculares, 1992, 1993, e 1994. Eu estava no Atlético, aí fui para o Guarani. O João Leite, que jogou no Guarani, me deu ótimas referências de lá. O presidente, o senhor Luiz Roberto Zini, montou uma equipe fantástica, a base era muito forte e foi campeã da Copa São Paulo naqueles anos. Uma equipe do interior, que foi campeã brasileira em 1978. No Palmeiras, tive a oportunidade de jogar com o Capitão, que foi o ponta-direita daquele time de 1978. Tinha o Mauro, que também passou pela equipe do Cruzeiro. Nosso querido Zé Carlos também foi campeão. Tive a oportunidade de conviver com aquela turma toda em Campinas, que foi o Careca, Zenon, João Paulo... Outro dia, recebi uma camisa do Bozó, ele assinou uma camisa comemorativa aos 40 anos do título do Guarani. Mas jogar com esses meninos, Edilson, Amoroso, Luizão, Djalminha, entre outros, era fantástico, outra realização, de montagem, de estrutura de um time de futebol.

O Edu Lima segue ligado ao futebol? O que você faz atualmente?

Não tem jeito, né? Você acostuma por tantos anos, quatro décadas praticamente, militando na área, que o futebol vai estar sempre presente na nossa vida. Pode não ser de maneira direta, depende da maneira que as pessoas veem. Eu, por exemplo, faço um trabalho social, que abrange cinco comunidades carentes. É um trabalho voluntário, não temos ajuda do governo. São 600 famílias, e tem os garotos que têm a oportunidade de sair de uma área de risco para poder aprender a jogar futebol, entre outras áreas, como saúde e idosos. Nós aproveitamos dessa ferramenta poderosa que é o esporte para proporcionar às crianças um futuro melhor. Às vezes, sou convidado para fazer comentários sobre uma partida ou outra, participo de programas de rádio e televisão para falar sobre futebol. Ainda tenho esperança de que um dia eu possa estar militando dentro da área. É uma questão de preparação, de tempo. Creio que tudo vai acontecer no seu devido tempo. Para mim, o futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes, como disse um dia o Arrigo Sacchi. Não brinco mais, não jogo mais futebol, só quando o Zico ou outros profissionais me chamam para bater uma bola.Arquivo pessoal / N/A

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