Ele calou o Mineirão, quase jogou no Galo, mas abandonou a carreira para cuidar do irmão Junior Urso

Frederico Ribeiro
fmachado@hojeemdia.com.br
04/04/2016 às 19:33.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:47
 (Frederico Ribeiro/Hoje em Dia)

(Frederico Ribeiro/Hoje em Dia)

Seu Ocimar sente saudades de ver o filho mais velho ostentar o número 10 e fazer gols importantes, como aquele que calou o Mineirão em 2007, na virada de 2 a 1 do Figueirense sobre o Cruzeiro. Dona Marli apoiou e soube compreender a escolha do primogênito de abandonar os gramados. Era por uma causa nobre. Afinal, Peter de Almeida, aos 32 anos, trocou os passes e gols pela marcação cerrada fora de campo.

Após defender 22 clubes na carreira, levar calote do Juventude e de empresário, brigar no Grêmio e quase vir para o Atlético no ano do centenário, Peter virou o fiel escudeiro do irmão Junior Urso. Ele foi crucial para o volante chegar com tudo no Galo e desbancar Leandro Donizete, um dos ídolos da torcida.

“Cuido de tudo para ele ficar com a cabeça só no Atlético, pois a camisa é pesada e o jogador tem que jogar de verdade, senão, pode ir embora. Sou chato e falo isso para ele todo dia”, diz Peter, ao Hoje em Dia.

O ‘irmão Urso’ deixou o futebol em 2015, após defender o Clube Atlético Taboão da Serra (CATS), da cidade natal. Enquanto formava o ataque com Fabrício Carvalho e Viola na Quarta Divisão do Paulistão, soube que Urso passava momentos difíceis no Shandong Luneng, da China. Não pensou duas vezes e pegou o primeiro voo para a Ásia.

“Decidi meter o pé para ajudar o meu irmão, fechar com ele. Disse: ‘vou ser tudo seu, escudeiro, empresário, segurança, cozinheiro. Se precisar fritar um ovo, eu frito! Se precisar lavar o chão, eu lavo!’ Não posso deixar ele cometer os mesmos erros que cometi ”, explica.

No fim do ano passado, o Shandong não quis dar a Urso o salário que os outros jogadores estavam ganhando e a paciência se esgotou. Era hora de voltar. Peter, então, pegou o telefone, fez algumas ligações para antigos contatos e trocou o empresário de Urso.

Saiu Nick Arcuri (“em dois anos não conseguiu nenhum contrato de patrocínio com Nike ou Adidas, coisa simples”). Entrou o uruguaio Juan Figer. Por meio do agente, surgiu a proposta do Atlético.

Um dia antes de vir a BH, porém, Urso recebeu uma oferta que o balançou: “Um caminhão de dinheiro do time chinês do Anselmo Ramon (Hangzhou Greentown). Era a grana ou o projeto do Galo, de disputar a Libertadores”. O Galo acertou empréstimo até dezembro.

Entretanto, poderia ter comprado Urso em definitivo. “Ele tem contrato com o Shandong até 2017. Ele não quer voltar. Fica 2016 aqui e será igual o Rafael Carioca”, completa Peter.

A operação financeira, entretanto, não é tão complexa como a que resultou na renovação de contrato com Carioca. A saída de Urso do Shandong está avaliada em US$ 2 milhões (R$ 7,2 milhões).

O começo
"Eu nasci em Taboão, atravessou uma ponte já é São Paulo, como se fosse Nova Lima com BH. Era pertinho do estádio do Morumbi. Eu comecei com oito anos de idade. Fui jogando no Taboão, no futsal, mas que disputa Liga Paulista, Copa Ouro. Mas o meu irmão odiava futebol, o Urso nunca gostou de bola. Eu fui evoluindo, vindo de família bem humilde, nunca teve condição de nada. Fiz meus testes, conquistando aos poucos e crescendo. Com 15 eu fui para a Portuguesa, fiz a categoria de base toda lá. Fui campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2002. Peguei o Ricardo Oliveira, que é meu amigo até hoje. Ele é de 1981, dois anos mais velho, mas na base, antigamente, eram três categorias juntos. Eu era 1983 e, moleque novo, caçula, convivi com o Ricardo, que já estava pronto para subir. Ele chegou tarde lá, depois de ser dispensado no Corinthians. Um cara da melhor qualidade. Encontrei com ele no ano passado durante as férias do Urso".

De volante a camisa 10 em Portugal
"Depois do título da Copa São Paulo, fui vendido para Portugal. Eu era volante, igual ao meu irmão. Pegador, igual o Urso. Eu fui contratado para jogar mais atrás, fiz a minha base toda assim na Lusa. No meio do caminho dos juniores, eu saí da Lusa. Eu fiz três anos no total. Mas, depois de um ano e meio eu fui para o Inter de Porto Alegre e trabalhei com o Lisca (Doido, atual treinador do Ceará). Lá eu encontrei com Rafael Sóbis, Daniel Carvalho, o Cleiton Xavier, que seria meu companheiro no Figueirense, outro grande amigo. Depois do Inter, eu voltei pra Lusa, virei profissional e fui para Portugal, no União de Leiria. Quando cheguei lá, era só cara experiente, o Helton (goleiro, ex-Vasco e do Porto), o meia Caico (ex-Galo). Eu, jovem, fui aprendendo. Já disputamos a Taça Uefa, que é a Liga Europa hoje. Baita experiência. Era volante, mas o treinador gostou de mim e apostou ao me colocar mais à frente, disse que eu era forte, mas tinha técnica. Gostei da ideia, fui aprendendo a fazer gol, a dar passe melhor. Adorei, deu certo também e continuei".

Retorno ao Brasil e vida de cigano
Eu voltei para o Brasil um ano depois, fui contratado pelo Marília, jogando mais ou menos como um segundo volante. Meu contrato em Portugal acabou e apareceu algumas coisas, mas não quis. Voltei para disputar o Paulistão e a Série B pelo Marília. Joguei pouco lá. Mas o treinador do Marília, o Luis Carlos Martins, gostou do meu profissionalismo. Ele foi para o América-RN e me levou junto. Depois, esse mesmo treinador me levou para o Mirassol. Neste momento, eu já estava fixado como um meia-atacante. Comecei a fazer gols no Mirassol, mas o time estava mal e os caras iam fazer a limpa, como sempre fazem, e eu estava no bolo. Um jogador que estava lá, era mineiro, acabou nem atuando tanto, mas fiz amizade com ele. É o Cadu, atacante forte, rodou pelo interior e foi para a Chapecoense. Eu fui junto. E, em 2007, quem conhecia a Chapecoense? Pensei em não ir, mas fui dispensado do Mirassol e o Cadu me levou.

Campeão em Chapecó
O treinador era o Agenor Piccinin. Cheguei desconhecido também, fiquei parado um tempinho, cerca de um mês. Estava fora de forma. Acabando o primeiro turno e eu comecei a jogar. Eu engordava um pouco nas férias. Quando comecei a jogar, disparei a fazer gol, fiz no Figueirense, o time cresceu e começou a sonhar. Chegamos na final e fomos campeões em cima do Criciúma. O maior salário do time era R$ 2 mil. Viajavamos de ônibus pra todo lado. Chapecó é longe das outras cidades. Hoje em dia os caras só andam de avião lá, sei como está, tenho amigos lá que me falam.  Logo depois do título, fui vendido para o Figueirense, que montou o melhor time da sua história, até hoje as pessoas falam isso para mim.

Menos de um mês depois, já estava disputando a final da Copa do Brasil contra o Fluminense. Tinha o Wilson, Ruy Cabeção, Chicão, Felipe Santana, André Santos, tinham três volantes e eu era o 10. Diogo, Cleiton Xavier e Henrique. Victor Simões e Otacílio Neto no ataque. Um puta time e todo mundo foi vendido no fim do ano.

Briga com Alexandre Gallo
Durante o Campeonato Brasileiro, eu briguei com o Alexandre Gallo no Figueirense, eu era um dos líderes do time, eu e o André. Antes era o Mário Sérgio, comentarista da Fox Sports, UM paizão. Ele teve problema de saúde e saiu. O Gallo chegou e chamou eu e o André numa sala reservada com a comissão técnica dele. Inclusive, um dos auxiliares era o Valdir (Benedito), que jogou no Atlético. O Gallo disse que eramos os líderes do elenco. Adorei ele, tive a briga com ele, mas nunca falei mal dele. Tinha um grande trabalho dentro de campo. Mas ele não gostava de bagunça no elenco, eu era brincalhão, o André também. Ele não gostou do nosso jeito e teve desavença justamente com os dois jogadores que ele chamou. O André foi criado lá dentro e ele não podia tirar ele de vez. O empresário do André era o dono do Figueira. Então o Gallo foi em mim. Deixou nós dois no banco contra o Vasco. Estava 3 a 0 para o Vasco e nós dois no banco. Nós dois entramos e eu fiz um dos gols do empate.

Calando o Mineirão
Contra o Cruzeiro, eu também fiquei no banco. O Felipe Santana fez um gol contra, o André empatou em um gol espírita. Aos 30 do segundo tempo eu entrei, frio, num jogo pegado, Mineirão com aquele campo gigante. Cruzeiro, camisa pesada, time com caras que seriam vice da Libertadores. No finalzinho, sobrou uma bolinha para mim e, de primeira, virei o jogo no último lance da partida. Mineirão lotado e sai mandando a torcida do Cruzeiro calar a boca. Foi fogo esse dia. Gol aos 48 minutos do segundo tempo, falaram que tinham 50 mil pessoas no estádio. Foi muito gostoso. Depois foi todo mundo vendido no fim do ano. Chegaram propostas de Corinthians, Vasco e Grêmio para mim.

  

Mais tempos difíceis no Olímpico
Decidi ir para o Grêmio. A proposta era financeiramente melhor e todo jogador fica impactado com os times de Massa, como Galo, Corinthians, Flamengo, Grêmio. Jogador sabe qual clube tem torcida quente e torcida fria. Galo e Cruzeiro, todo mundo sabe que a torcida do Galo é a que empurra o time, são os maloqueiros, no bom sentido. Ai fui para o Grêmio, joguei, cheguei junto com o Victor e moramos juntos no hotel. Me contrataram porque eu tinha características parecidas com o Diego Souza, que foi destaque da Copa Libertadores. Eu fui bem no Grêmio, joguei no começo, camisa 10, mas tive uma lesão no púbis. Era eu e o Roger na meia. Mas time grande não espera você se recuperar, se você machucou , tem três esperando a vaga. Igual é aqui no Atlético. Se der brecha, acabou. Comigo foi assim, não tive paciência, eu era novo e é algo que eu passo para o meu irmão sempre. Rapaz novo, dinheiro no bolso, fama, ele acha que é o tal. Infelizmente é assim com jogador. Só a experiência dos erros que ele aprende. Hoje eu tenho uma cabeça boa, se voltasse no tempo, eu ficaria calado, esperando outra oportunidade, com mais humildade. Eu pensava: 'tenho condições de jogar em qualquer clube do Brasil'. Comecei a agitar. Entrei em choque com o Rodrigo Caetano (que era o gerente de futebol e está no Flamengo hoje), sendo que ele que tinha pedido a minha contratação. Um baita profissional, enxerga o futebol. Quando eu estava no Grêmio, no meu primeiro ano, eu fui emprestado para dois clubes. Primeiro foi o Sport, depois o Criciúma.

99% no Atlético, mas aquele 1%...
Mas antes de ir para o Sport, ele (Rodrigo Caetano) resolveu me emprestar para o Ipatinga (que havia subido para a Série A). Eu disse não, porque o Ipatinga iria cair. Ai o Caetano ficou mais bravo. Antes do Sport, porém, apareceu a proposta do Atlético. O Rodrigo Caetano me avisou da proposta. Depois que eu bati o pé e não fui ao Ipatinga, disse que tinha condições de jogar em time grande. Eu cheguei ao Grêmio. Só precisava de sequência. Eu estava zerado da lesão no púbis quando veio a proposta do Atlético e disse que topava na hora, mesmo nível do Grêmio. 'Vamos embora'. Uma funcionária do Galo me ligou, marcou passagem para Belo Horizonte, eu acertei com um rapaz da cegonha (caminhão que transporta carros) para mandar meu carro para BH e eu chegaria no mês do centenário. Estava certo, já tinha arrumado a mala. Tudo OK. Deixei meu empresário resolver o resto. Meu telefone de repente tocou à noite. Era o Geninho. Falou assim: "tirei algumas informações com o Gallo (os dois são primos de segundo grau), você é um ótimo jogador, queria contar com você no Galo. Mas não vai dar para você vir agora para cá". Respondi: 'sério, professor?'. Aquilo foi como uma bomba no meu peito. Disse que respeitava a decisão dele e completei: 'então beleza, parabéns pro Galo', e desliguei. Sempre fui firme nas minhas posturas.

Sport e quase da Copa do Brasil, parte II
Depois eu fui falar com o Rodrigo Caetano e apareceu o Sport. Porque o Eduardo Baptista, que saiu do Fluminense, era preparador físico do Sport quando o pai dele, o Nelsinho, comandava lá. O Eduardo foi preparador físico da base e do profissional da Portuguesa. Então ele me conhece desde moleque. Ele sabia da minha capacidade, ligou no Grêmio e disseram que queria contar comigo. Isso antes no Criciúma. Cheguei lá o time já estava montadinho. Foi campeão da Copa do Brasil e eu não participei porque já tinha atuado na competição pelo Grêmio. Era um puta time, Carlinhos Bala, Romerito, Roger, centroavante, Dutra, só cara rodado. Mas eu pensei que tinha chegado para jogar, ser titular, fui com o aval do treinador, do filho dele. Fiquei no banco e não aguentei a situação. Pedi para ir embora, eu não tinha paciência (ficou só dois meses). Cheguei no diretor da época e avisei, agradeci a chance e acertei a minha saída. Nem quis saber de dinheiro nem nada. Fui para casa, estava casado na época. Avisei para arrumar as malas porque a gente ia embora naquele dia mesmo. Já liguei para o empresário comprar duas passagens para São Paulo. Larguei o meu carro para o César, zagueiro, que tinha feito a base comigo na Portuguesa. Deu tudo certo com a saída e, de São Paulo, me chamaram pro Criciúma, acertei valores e me apresentei em Santa Catarina.


No Tigre como conselheiro de Patric
Cheguei com moral no Criciúma. As coisas andaram, joguei bem, mas o time não deu liga, mesmo com grandes jogadores, como Jardel, Luis Mário (ex-Galo). Mas foi quando eu conheci o Patric, era da base e chegou ao profissional. Me identifiquei com ele, abracei, porque os mais velhos fazem trote com os jovens igual faculdade. Eu gostei muito dele e a minha família adorou ele também. Disse para ele: 'gostei de você, cara, a partir de hoje ninguém vai mexer mais com você'.  Cheguei no vestiário e gritei para todo mundo que o Patric era meu protegido, falei sério. Comecei a cuidar dele. Subiu ao profissional e comecei a levar ele para tomar um sorvete, comer um lanche, a mostrar como era gostoso a vida de jogador como profissional. Comecei a dar os primeiros conselhos. Até arrepia, porque ele me deu um abraço no dia da apresentação do Urso, na Cidade do Galo. Conselho que serve para hoje. Disse: 'você é jovem, talentoso, você tem uma força impressionante. Só falta a você calma, tranquilidade. Não precisa ser afobado quando a bola chegar ao seu pé'. Mas isso vai amadurecendo. É o que os caras fazem hoje em dia, o Ganso, o Rafael Carioca, caras que não tem pressa. São caras que dá gosto de ver, matam a bola com categoria. O Patric foi para a Seleção de base, fez um bom trabalho. Eu era jovem, mas tinha mais experiência. Depois de pouco tempo, nos reencontramos no São Caetano e ele foi vendido ao Benfica. Fiquei muito feliz por ele.Reprodução Instagram / N/A

Junior Urso e o irmão no escritório de Juan Figer

 Torrando as luvas do amigo

E eu sempre gostei de me vestir assim, com umas roupas diferentes, fazer as minhas palhaçadas e ele me pediu para ir com ele pro Shopping porque queria que eu ajudasse ele a se vestir. Fomos para São Paulo, onde foi feito a negociação com o Benfica. Fomos no Shopping Morumbi, chique, levei o Patric, moleque de Criciúma, não conhecia nada, São Paulo aquela terra gigante, maluca. Fomos na loja e montamos o look certinho. Falei: 'esse é o estilo para você se apresentar na Europa. É assim! Não vai chegar desse jeito seu, mulambo, que os caras vão te mandar de volta na hora. Meti um terno nele, mocassim, na beca!' Ai foi tranquilo. Mas na hora de pagar, eu vi que ia ficar caro e fiquei na porta da loja só espiando. Aí eu arrebentei com o Patric. Deu 25 mil reais, compramos muita coisa. ele queria me matar. Pagou, mas ficou na bronca. Eu ainda brinquei com ele: o dinheiro da sua luva foi todo na roupa, porque ele tinha pego pouco na luva. Tirei sarro dele demais. Foi para lá, depois voltou para pegar mais experiência, emprestado ao Cruzeiro e começou a rodar os clubes e retornar ao Atlético. Eu joguei com ele no Criciúma, depois fomos jogar no São Caetano. Dois clubes. Ele jogou no Coritiba com o meu irmão e agora no Atlético. Dois clubes também, olha que história! Ele é muito querido pela minha família, menino excelente. A mulher dele é nota mil. Tiveram um filhinho agora, eu não tive o prazer de conhecer ainda.

Dunga de olho
Depois do Criciúma eu voltei para o Grêmio. Aí tinha aquela história. O Grêmio tinha um tanto de jogador. Os novos, os que iam permanecer e os que iam para empréstimo. O Victor estava lá, titular. O Rafael Carioca tinha sido vendido para o Spartak, da Rússia. Mas o Rafael foi outro que dei muito conselho cedo. Peguei ele, abracei ele. Quando ele ficou sabendo que eu era irmão do Urso, ficou feliz da vida. Estávamos juntos outro dia, jantamos junto em BH e tudo mais. Quando eu estava no Grêmio, o Vágner Mancini foi demitido invicto do clube. Chegou o Celso Roth e ele gostava muito do meu trabalho. O Dunga, que estava na primeira passagem pela Seleção, foi assistir um treino do Grêmio no Olímpico. Arrebentei no treino. O Celso me chamou no canto, com a comissão dele: 'O Dunga só não virá aqui falar com você porque todo mundo ia notar e ia ficar chato. Mas ele me disse para você continuar assim, acompanhou você no Figueirense, que ele está de olho'. E, se tem uma coisa que o Dunga faz é realmente observar e dar chance para jogador A ou B. Aquilo para mim foi tudo que eu precisava! Nem consegui dormir! Fiquei com esperança, mas aconteceu coisas ruins no percurso, por brecha minha também.

Adeus ao Grêmio e a 'maior cagada da minha vida'
Eu estava na lista de empréstimo do Grêmio, de novo! Eles não queriam contar comigo mesmo. E os caras estavam fazendo um grande time. Contrataram o Alex Mineiro, o Ruy Cabeção, tinha cara muito bom e achei que ia entrar nessa, aproveitar a pré-temporada. Mas o Mauro Galvão disse que iam me emprestar de novo, ele era o diretor no lugar do Rodrigo Caetano. Os caras falaram: Peter, você vai treinar separado do grupo. Eu, o Anderson Pico, outros rapazes e o Jonas também. Ele iam emprestar o Jonas para a Portuguesa. Queriam me colocar junto nessa parada. O Jonas: 'bora negão, vamos para a Lusa? A gente aparece no mercado de novo'. Ai pensei: 'já joguei na Portuguesa e não queria dar esse passo para trás'. Falta de humildade minha, coisa de cara novo. Quando você está em um time grande, não aceita ir para um time médio para tentar ser contratado por um time grande da Europa. O Jonas foi e eu bati o pé de novo. Ele foi lá e arrebentou para a Portuguesa. Voltou para o Grêmio e fez milhões de gols. A torcida começou a gostar dele e ele foi vendido para o Valencia. Hoje, uma carreira abençoada e brigando por chuteira de ouro no Benfica. Não fui para a Lusa e fiquei treinando separado. A paciência esgota rápido. Ia estourar a qualquer momento. E eu sou calmo demais, te juro. Para me deixar nervoso, tem que fazer muita sacanagem. E mesmo assim eu ainda vou estourar no momento e depois vai passar. Sou do bem, não faço mal para ninguém. Só faço para mim mesmo e se fizer para o resto da minha vida, será para mim mesmo. Cheguei no Mauro Galvão e falei que não queria ficar mais no Grêmio, Disse que tinha condição de jogar lá, como já tinha jogado. Caso contrário, gostaria de ir para outro time que fosse bom para mim. Ele me deu um puta conselho. Quando coloco a cabeça no travesseiro e fico pensando na carreira, o Mauro Galvão sempre vem nos meus pensamentos. Ele disse: 'fica aqui, Peter, permanece no clube, espera uma nova oportunidade no time. Você tem alguma coisa (proposta)?'. Eu disse que não, mas menti, não tinha era nada. Eu tinha mais dois anos e pouco de contrato e fizemos um acordinho que foi a maior cagada da minha vida perto do dinheiro que eu ganharia se ficasse lá. O Roger ainda me deu um toque na época: 'não era para você ter saído, eu fiquei afastado no Corinthians um tempão. Eles me pagavam, eu treinava, e estava tranquilo. Jogador não pode abrir mão do dinheiro, porque a carreira é curta. Outra coisa, se aparecer alguma outra proposta, você estará em forma'. Não aceitei esses conselhos e fui embora. Apareceu o São Caetano.

Ganhando bem no ABC
No São Caetano eu ganhava bem menos, mas pagava direitinho, na época o clube estava bem. Eu peguei o Luan (ex-Cruzeiro), virou meu amigo. Pagava de 15 em 15 dias, direitinho, mas não era o salário do Grêmio, não se compara. As coisas não andaram profissionalmente. Comecei a ficar mal, de lá apareceu uma proposta logo em seguida. Graças a Deus, neste período, muita gente me ligava, de time médio, é verdade, mas aparecia sempre propostas. E veio o Juventude.

O Juventude estava bem na época, na Série B, hora boa para voltar a aparecer e ainda ofereceram o mesmo salário que eu tinha no Grêmio, não acreditei e aceitei na hora. Cheguei lá, fiquei seis meses sem receber. Puta que o pariu! Seis meses sem ver a cor do dinheiro nessa merda aqui. Me arrebentou. Ainda tinha aqueles flashes de cara experiente, de dar um novo rumo para a minha vida. Mas isso passava. Pensava que minha carreira só estava caindo. Entrei na Justiça contra o Juventude e até hoje não recebi. Apareceu o mundo árabe nesse tempo e fui para lá, em 2009.

 
 

Muita areia e pouca grana

Fui para o Al-Ettifaq, da Arábia Saudita, um clube legal. Fiz exames médicos, tudo bonitão, tirei foto com o empresário, ao lado dos sheiks, saímos no jornal, coisa linda. Pensei que iria me recuperar das cagadas que fiz, da grana perdida, Juventude não me pagou e voltar a jogar bem. Fomos para a pré-temporada em outra cidade. O diretor falou que quando voltássemos para a nossa cidade, eu iria receber o dinheiro. Voltamos e começamos a jogar o campeonato, os dias passaram e nada do meu dinheiro.  E eu já tinha ouvido umas histórias de que na Arábia eles pagam bem, mas pagam se quiser. Um amigo meu fala até hoje que ficam 5 meses sem pagar e depois paga os 5 meses tudo de uma vez. Comecei a ficar preocupado. Depois de um tempo, os caras falaram que não iam ficar mais comigo. Pensei: 'mentira que os caras me usaram desse jeito!'. Fiquei louco, mandaram eu ligar para o meu empresário, porque ele já sabia da minha luva, do salário, de tudo. Porque lá realmente existem contratos assim: o empresário faz o contrato para o jogador, faz um contrato de dois anos e recebe os seis primeiros salários já. Trabalha esses seis meses e depois recebe adiantado e assim vai. Então achei que tinha sido assim comigo.

Discussão judicial e impedido de jogar.
Voltei para o Brasil louco, eles me liberaram (passaporte), quebrei o escritório do meu empresário, que morava no mesmo prédio do Lula em São Bernardo do Campo. Era o Pedro Secol Panzelli, ele e a esposa. Peguei ele depois do Grêmio, porque eu estava trabalhando com o Vágner Ribeiro e antes dele, com o Edmundo (Animal). Quebrei o escritório, cheguei com dedo na cara, só não agredi ele, mas puxei pela camisa, fui para cima. "Você está de brincadeira com a minha carreira, pegou o meu dinheiro". Fui para a Justiça contra ele. Mas o meu contrato ficou preso. Um ano e meio sem jogar, aí fiquei mal, em depressão. Num dia estou com a camisa 10 do Grêmio, depois estou sem poder jogar, dinheiro indo embora novamente. Engordando, cabeça ruim, me separei da mulher, isso em 2010. Ganhei na Justiça um tempo depois, mas não foi a grana, só a possibilidade de voltar a jogar. Até hoje não recebi, mas um dia sai, se Deus quiser, do Juventude e do empresário. Quando chegou no veredito final, a juíza, com os advogados do empresário, meus advogados, eu e meu pai na mesa também. A juíza pediu meu depoimento e abri o meu coração. 'Só queria voltar a jogar futebol, é a minha vida, estou desde os 8 anos. Aí vem um empresário mal intencionado, que me decepcionaram'. A juíza entendeu e deu baixa na minha carteira de trabalho, me liberando para voltar a trabalhar. Foi um alívio depois da tristeza de ficar sem trabalhar. O único clube que abriu as portas para mim foi o Red Bull, em São Paulo.

Em busca de asas
Cheguei no Red Bull que tinha acabado de ser campeão da Série A3 do Campeonato Paulista, e fomos vice-campeões da Copa Paulista no segundo semestre, quando fiz gol, voltei a jogar bem, a sentir aquela sensação de jogar. E neste mesmo ano o meu irmão estava começando no Santo André e, como volante reserva, foi vice-campeão paulista perdendo para o Santos. Nesse time estava o Ricardo Goulart, que foi criado com o meu irmão na base, são amigos e foram rivais na China agora. Neste meio tempo, o Urso foi para o Ituano e eu estava no Red Bull. Ele arrebentou no Ituano e sempre tivemos dois sonhos: de jogar contra e jogar juntos. Isso, quando paro para pensar que não realizei, chego a chorar. A gente quase jogou contra. Na Copa Paulista, eu era titular do Red Bull e o Urso no banco do Ituano. Estou desenrolando no jogo e aos 20 do segundo tempo, fui substituído. Quando estou para sair, vejo o Urso se preparando para entrar. Foi surreal, foi uma sensação horrível. Um saiu e o outro entrou. No outro Paulistão, ele arrebentou, marcou o Ganso bem e o Avaí o contratou, depois foi para o Coritiba e foi parar na China, agora já começou bem no Galo e vai arrebentar também. Depois que acabou meu contrato no Red Bull, eu fui para o (são tantos clubes que eu até me perco). Fui para o Ypiranga de Erechim, disputar o Gauchão.

Mais uma fria no sul
É difícil dar a volta por cima. Quando você está acostumado com coisa boa, você chega num clube menor e não gosta da estrutura, reclama do jeito do pessoal, para se acostumar é horrível. Hoje em dia, se eu voltasse a jogar, estaria com outra cabeça. Eu chegava já desanimado, sem motivação. Não deu certo. Depois do Ypiranga, acertei com o Funorte-MG.

Cheguei com moral em Montes Claros-MG, a torcida fazendo festa, imprensa, minha chegada cheio de fumaça e coisa e tal. Gostei da cidade, um calor danado, mas era boa de viver. Salário bacana, estreie contra o Galo, enfrentando o Tardelli que já era um amigo, o Patric também estava! A minha ex-mulher é uma das melhores amigas da esposa do Tardelli e a gente saia direto. Acabou que não deu certo também, fiz só um gol, de pênalti, contra o América, lá na Arena do Jacaré. Fui muito motivado para esse jogo, porque queria arrumar uma "boca" no América, que é um clube estruturado, joga a Série B, terceira força do Estado, seria ótimo. Não consegui e do Funorte fui parar no Metropolitano, em Blumenau, onde o Léo Moura esteve há pouco tempo.

  

Na casa da Hering
O time é estruturadinho, paga certo, estádio gostoso de jogar. A Hering, que é da cidade, sempre patrocinava o clube. Camisas de treino de boa qualidade, pacotinho com o uniforme a cada treino, tudo organizado. O time não foi para frente e acertei no segundo semestre com o Cianorte, do Paraná. No fim do ano, fui para o Resende, para o Campeonato Carioca de 2014

Trintão no Rio
Fui jogar pela primeira vez no Rio, estava com trinta anos, trintão, experiente, me sentindo bem. Só precisava emagrecer um pouco (risos). Vou aparecer no Carioca. Com um mês eu estaria em forma, anos sem fazer a pré-temporada, depois de vários problemas particulares e financeiros. Quando o jogador está só focado no trabalho, com tudo extracampo bem encaminhado, a bola vem quadrada e desce redondo no peito. Se o cara estiver enrolado na vida, a bola vai bater na canela e ele vai errar o gol. O treinador do Resende era meu, era o auxiliar do Luxemburgo no Real Madrid, o Paulo Campos, ele me ligou e me chamou para ir pra lá: 'vem pra cá já, acerta o salário com o diretor'. O Resende paga bonitinho, em dia. Era a hora, tinha dado uma secada e passei as férias com o Urso em Jurerê-SC, onde ele tem uma casa. Controlei a cerveja e a comida. Voltei controlado. Era comigo. O Paulo Campos disse que o time-base era esse e eu estava no banco, mas falou que era os 11 já contando com a minha entrada no decorrer do campeonato. O cara que ficou no meu lugar era o Maranhão, ele iria jogar até eu ficar 100%, porque o Campos já tinha adiantado que a estreia no Carioca iria ser eu como titular, diante do Botafogo. Mas quando a cabeça não está no lugar...Não consegui emagrecer, não estreie contra o Botafogo e o menino que estava no meu lugar jogou bem e fez gol. Foi aquele sufoco, fiquei na reserva e não deu certo. De lá apareceu o time da minha cidade, Taboão da Serra, que disputa a quarta divisão do Paulista.

O pessoal falava que seria um sonho eu jogar lá. Os caras contrataram o Fabrício Carvalho (atacante que teve problemas no coração) e o Viola, com 46 anos. Eles queriam formar um ataque com nós três. Fizemos uns golzinhos lá, mas fomos desclassificados. Pensei: 'Não era isso que eu quero não, está errado. Meu fim tem que ser jogando dignamente. Trabalhei sozinho, minha família sem condições'. Neste momento, o meu irmão queria ir embora, no fim de 2014, estava sofrendo lá na China.

 Relação atual com o futebol

Nenhuma, nem pelada eu jogo. Videogame só quando o Urso chama para jogar, ai eu venho e bato nele, isso é desde sempre. Foi assim na vida toda e dá a maior dó dele. Futebol sempre foi assim para mim: ou é tudo ou nada. Nem jogo pelada. Morro de saudade, mas não tenho contato com a bola mais. Parei geral. Eu trouxe apenas uma chuteira para cá, porque o Lincoln falou que iria me convidar para a pelada dele. Ele fez amizade com o Urso no Coritiba. O apartamento que moramos em BH é dele, inclusive. Cheguei até a jogar com o time do Cuca no Shandong. Ele gosta de organizar umas peladas com a comissão técnica e enfrentava uns times amadores da China. Num desses jogos, eu acabei com a partida e o pessoal do Shandong até em chamou para o atuar pelo time B deles. Treinei e tal, fiquei animadão, era a minha chance de jogar com o Urso. Mas eles me enrolaram e não deu certo. Passei por vários times, tenho a lista completa. Guardo minhas coisas, camisa, troféu, medalha em São Paulo. Foram vários times, tem alguns que eu nem conto porque nem cheguei a jogar, treinar. Mal, mal vestir a camisa na apresentação.

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