
A eleição presidencial no Cruzeiro marcada para 21 de maio gera discussões inflamadas nos bastidores do clube. E não só pela disputa em si entre candidato já confirmado (Sérgio Santos Rodriguies) e possíveis adversários (Ronaldo Granata e Giovanni Baroni), mas, também, se ocorrerá e como será realizado o pleito nesse "estado de exceção" causado pela pandemia do coronavírus.
O Hoje em Dia buscou informações sobre possibilidades além de uma votação presencial, atualmente não recomendada como nos antigos moldes por causa de aglomeração de pessoas, levando-se em conta que parte dos conselheiros cruzeirenses se enquadra no grupo de risco e tem recomendação de permanecerem em suas residências - como medida de segurança ao Covid-19.
No estatuto do Cruzeiro, cuja atual versão é do ano de 2015, prevê no artigo 23, que trata do Conselho Deliberativo, a possibilidade de se utilizar "sistema eletrônico de votação" pelo clube.
O parágrafo segundo 'legisla' sobre essa premissa. "§ 2.º O voto é secreto, pessoal e intransferível. Deve ser manifestado através de cédula, que será colocada em envelope fornecido e rubricado pelo Presidente do Conselho Deliberativo e depositado em urna indicada pelos componentes da mesa, ou por sistema eletrônico de votação.", aponta esse ponto específico do estatuto.
Discordância
No dia 28 de março o presidente interino José Dalai Rocha, que hoje se recupera por ter contraído o coronavírus, emitiu uma carta dizendo que votações à distância não eram permitidas no Cruzeiro. E ainda chamou de "fake news" orientações contrárias ao que ele entendia como proibido pelo estatuto.
Em contato com o ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares, uma das figuras que mais conhece o documento regimental do Cruzeiro - por ter sido responsável por diversas atualizações do mesmo -, a explicação de que é possível sim votação à distância e que a palavra "eletrônico" mencinada no estatuto vai além do uso da própria urna eletrônica.
"Eu é que adotei essa mudança do estatuto quando era presidente do Conselho Deliberativo. Como vivemos em um mundo onde tudo está em evolução, prevemos naquela época não só o uso da urna eletrônica, que despontava como novidade, mas também uma eleição usando tecnologia. O Estatuto hoje prevê isso, não só o uso de urnas eletrônicas, mas qualquer método tecnológico disponível. Já vemos eleições à distância sendo realizadas em diversos órgãos do Poder Legislativo, que elegem por meios eletrônicos seus magistrados", explica.
Estrutura para eleição virtual
Aristóteles Lorêdo, ex-diretor do departamento de Tecnologia da Informação do Cruzeiro, diz que, inclusive, enquanto estava no cargo, procurou recentemente meios para que se pudesse fazer eleições virtuais no clube.
"O Cruzeiro está preparado sim para uma eleição virtual, não presencial. Recentemente quando estava à frente do setor de TI do clube eu mesmo estava olhando isso, preparando, trabalhando nessa questão. Tem empresas especializadas que realizam esse tipo de trabalho e eu conversei com profissionais de outros clubes que já usaram essa metodologia. Eles me passaram telefones dessas empresas, eu entrei em contato com representantes desses lugares. Como profissional da área de TI eu já tinha conversado com uma dessas empresas que faz trabalhos para clubes, eleições grandes. Eles fazem eleições à distância para vários tipos de negócios, inclusive no futebol", explica o conselheiro, demitido no fim de março deste ano.
Lorêdo ainda afirma que o processo terceirizado de eleição não gera custo alto para o clube e é seguro. "É melhor contratar uma empresa que faça esse tipo do trabalho, o custo é relativamente baixo. Não vale a pena desenvolver isso (sistema para eleição virutal) no clube se o mercado te oferece a preço em conta. Pra que investir nisso se o Cruzeiro, por exemplo, usará de três em três anos? Custo é baixo para fazer eleição eletronica. A empresa que trabalha com isso tem totais condições de auditoria, condição de tudo, com certificação, garantia de segurança em todo o processo de votação, tudo", afirma, garantindo o cumprimento do estatuto no que diz respeito ao voto secreto.
"Sim, há conselheiros que não tem muita habilidade com essas novas tecnologias. Mas praticamente todos tem um smartphone, um computador, um tablet. Tem netos, filhos, sobrinhos, esposas, pessoas que poderiam ajudá-lo a deixar apto o uso do sistema sem qualquer problema. Sobre o voto secreto, ele continuará sendo secreto. O Conselheiro pedirá ao familiar, caso necessário, apenas para deixá-lo apto ao voto, em sua própria casa. Dentro de sua casa o voto é secreto, o que fala o estatuto do clube é que o voto não seja disseminado no meio dos votantes e não em relação aos familiares", interpretou.
Metodologia do voto
Segundo Aristóteles Lorêdo, a empresa terceirizada contratada para realizar essa eleição virtual teria que ter acesso não só aos detalhes estatutários, mas também contatos de conselheiros para dar sequência ao pleito à distância.
"No Cruzeiro são 500 conselheiros possíveis de votar, algo muito simples. Essa empresa para realizar o serviço receberia informações importantes do nosso estatuto, no que diz respeito à eleição, analisaria o documento para enquadrar todos os moldes do processo eleitoral no sistema. Teria que ter um cadastro dos conselheiros aptos a voto para enviar os tokens de acesso ao sistema e mandar um tutorial completo por meio de whatsapp, e-mail ou qualquer outra ferramenta que poderia auxiliar nessa votação", explicou.
Outros clubes
Assim como em órgãos públicos, eleições à distância não são novidade em clubes de futebol. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Internacional, que tem o maior colégio eleitorial (composto por sócios) do Brasil, usa a tecnologia a favor do sistema eleitoral desde os anos 2010.
No Colorado, segundo informações do conselheiro Alê Dorneles ao HD, a votação virtual foi adotada em 2012, sendo que até 2010 o processo era 100% presencial. Atualmente as eleições são com procedimento misto, ou seja, virtual ou presencial, sendo que o sócio é quem escolhe o melhor método de acordo com as suas preferências.
No Bahia também já há trabalhos específicos para o uso da tecnologia em processos eleitorais.
"Quando eu era presidente iniciamos essa discussão do voto online, era até uma exigência do torcedor também. Umas três ou quatro empresas nos procuraram, passaram valores, claro, para sabermos qual o custo e se o valor ficava dentro das perspectivas orçamentárias do Bahia. Tudo dentro da responsabilidade fiscal e financeira", disse Marcelo Sant'anna, ex-presidente Tricolor.
Sant'Ana também detalhou novidades envolvendo a tecnologia em pleitos eleitorais no clube.
"O Bahia pode realizar agora em novembro sua primeira eleição virtual para presidente do clube. Mas para chegar a essa possibilidade dade foi percorrido todo um processo, foram feitos testes em outras votações do Conselho Deliberativo, e a pessoa poderia facultar se votaria online ou presencialmente, até para que em um processo eleitoral maior houvesse uma familiarização com o voto à distância", completou.