Exemplo dentro e fora de campo, Tinga fala da experiência como dirigente

Guilherme Guimarães*
gguimaraes@hojeemdia.com.br
05/02/2017 às 08:47.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:42

Uma referência dentro e fora das quatro linhas. De um dos bairros mais pobres de Porto Alegre, a Restinga, Paulo César Fonseca do Nascimento, ou simplesmente “Tinga”, viajou o mundo, ganhou títulos importantes, enfrentou o preconceito e se tornou uma figura respeitadíssima. Dono de uma inteligência diferenciada no futebol, Tinga venceu no esporte, na vida e, mesmo sem querer, se tornou ídolo de grandes clubes. Após pendurar as chuteiras em 2015, no Cruzeiro, o ex-volante se preparou para assumir mais um desafio na carreira: gerenciar o departamento de futebol estrelado., o agora dirigente da Raposa conta suas pretensões e como decidiu atuar “por detrás das cortinas” esportivas.

Hoje você assume uma função diferente no futebol. Como foi sua transição do campo para os bastidores da bola?
A forma como pensei trabalhar e como me preparei fizeram a minha transição do campo para a cadeira de gestor ser natural. Acredito que aqueles atletas que, ao final da carreira, se tornam dirigentes de futebol, já têm essa facilidade por gerir seus antigos grupos de trabalho ainda quando jogadores. Nos dois anos depois de parar, fiz várias coisas que pudessem me auxiliar nessa mudança e me deixassem preparado.

O que você fez nesses dois anos longe dos gramados?
Assim que parei de jogar, procurei me entender, tirar conclusões sobre minha história, um menino da maior favela de Porto Alegre que viveu em grandes países, se inteirou em costumes muito diferentes. Depois busquei cursos na Universidade do Futebol, fiz Administração, oratória. Fiz tudo para me completar. 

Antigamente essas funções gerenciais no futebol não estavam tão em voga. Ex-jogadores preferiam enveredar-se no mundo dos treinadores. Você pensou em ser treinador?
Uma das coisas que o ex-atleta precisa saber é o que ele quer após sua aposentadoria. Eu não tinha dúvida de que queria ser um gestor de futebol. Não pensei em ser treinador, auxiliar e nem comentarista. Tive convite para trabalhar com tudo isso, mas nesses dois anos, sabendo do que queria, fui em busca respeitando o tempo que precisava para me preparar. Estou feliz por realizar um sonho. Não quero ser diretor executivo, quero ser gerente de futebol e tenho a pretensão de ser o melhor, entendendo a equipe, sendo campeão. 

Hoje em dia os cargos diretivos ganharam “muito cartaz” no futebol. O que você pensa disso?
Entendo que os protagonistas são os jogadores. O fato dessa valorização dos diretores hoje é algo bem midiático. Eu continuo achando que o diretor tem que trabalhar mais por trás da cortina. Quem tem que fazer o show bem feito são os jogadores. Tenho que entender que não sou mais protagonista, e isso está bem detalhado na minha vida.

Você conseguiu assimilar bem essa mudança?
Foi natural essa transição, pois sempre geri minhas coisas. Fora dos gramados eu sempre tive minhas empresas, e sempre fui muito ativo. Não é novidade gerenciar um grupo, dar palestras e falar ao público. Não é novidade para mim decidir. Conhecer futebol muitos conhecem, decidir futebol é que é diferente. Eu tomei decisões na vida desde que comecei no esporte, e depois com meus negócios. Nada é diferente do que eu já vinha fazendo. Claro, com conhecimento maior de causa por ter vivido 20 anos o futebol. 

Em 2017 o gol que te projetou no futebol comemora 20 anos. Lembra bem daquele Grêmio x Sport, no Campeonato Brasileiro de 1997? 
Começava ali a realização de um sonho. A maioria das pessoas que gostam de futebol sonha em chegar ao profissional. Depois daquilo ali uma série de situações apareceram na minha vida e tive que decidir. Acertei em algumas, errei em outras. Era um menino naquele momento, mas fui me formando como atleta e homem, até encerrar a carreira em 2015, no Cruzeiro. 

Você teve passagens marcantes por outros clubes. Mas o que o Cruzeiro representa para você? 
Simboliza muito na minha vida iniciar também a carreira como gerente aqui no Cruzeiro, clube que me deu a oportunidade de vir para a Toca II com 35 anos, me deu o que faltava na carreira, um título do Campeonato Brasileiro, tive duas vezes esse prazer. O Cruzeiro é maior do que qualquer jogador, eu não dei nada para o clube, o clube é que me deu a oportunidade de vivenciar e vestir essa camisa gigante. O Cruzeiro me fez aposentar feliz dos gramados e está sendo importante mais uma vez, abrindo um novo caminho na minha vida. Sou um cara de expressar aquilo que sinto. Quero entregar o melhor que posso, pois o DNA do Cruzeiro é um DNA campeão.

Você passou por grandes clubes no mundo. O que consegue trazer para o seu trabalho hoje, já que vivenciou experiências na Ásia e Europa? 
Na Alemanha foi um pouco mais enriquecedor para mim, fui para lá com 28 anos, extraí e percebi mais coisas. Na minha função hoje o grande diferencial é entender o ser humano. As partes técnicas e táticas quem tem que entender bem é o treinador. Tenho que saber o que está acontecendo em campo, pois sou o gerente de futebol, mas para se ter êxito no esporte ou em qualquer empresa hoje em dia temos que pensar nos cuidados humanos. Falo isso porque à medida que a tecnologia se equivale, todo mundo mexe nos mesmos aparelhos, faz o mesmo produto no computador, e a diferenciação fica com aquele que souber gerir pessoas. 

Existe diferença entre o ex-atleta que segue trabalhando no futebol com aquele profissional que se formou e aprendeu o esporte na universidade?
A diferença existe, mas isso ultrapassa a discussão de quem é melhor ou pior. Para mim as duas coisas se completam, pois em algumas esferas o acadêmico não alcançará a compreensão de certas coisas com facilidade, da mesma forma que o ex-atleta não alcançará certas ideias facilmente. Acredito que todos devem pensar em prol do futebol. É necessário somar as duas formações. Essa disputa não deve existir, é preciso pensar em crescer juntos, não em um eliminar o outro.

Os jovens jogadores precisam lidar com cifras milionárias muito repentinamente. O seu trabalho será, também, ‘segurar um pouco a onda deles’ e colocá-los no caminho certo na vida?
A gente tenta mostrar exemplos. Há 20 anos, quando fiz meu primeiro gol, os atletas referências ganhavam muito bem. A diferença hoje é que mais jogadores ganham acima da média. Naquela época você tinha que ser muito diferente para ganhar alto. A condução de como cada um lidará com seu dinheiro é pessoal. Temos um limite para interferir. Tentamos fazer essa interferência com exemplos. Tem pessoas que ganharam muito e hoje não têm nada. Falo para os jogadores que não é o quanto se ganha que se diferencia, mas o quanto se guarda. Isso é muito pessoal. Preocupei muito com a minha vida, nunca procurei ser ídolo, procurei ser respeitado. Imaginava que o ídolo um dia passa, mas o respeito continua. Acabam-se os gols, acabam-se as camisetas que ele defendeu, e só depois se dá conta daquilo que somos como pessoa. 

Você ficou conhecido como um paizão no Cruzeiro pelos conselhos que deu ao jovens jogadores. E quem foi esse paizão para o Tinga no começo da carreira?
Eu tive vários paizões. Zinho, Mauro Galvão, Dinho, Dunga, e depois convivi com vários treinadores, Tite, Abel Braga, Celso Roth, Dorival Júnior, vários presidente de clubes também aos quais tive acesso. Peguei um pouco de cada pessoa. Realmente eu lidava dessa forma na Toca II, como um pai para os mais novos. Muitas vezes a gente é rígido, mas sempre procurei ser o parceiro que queria que tivessem sido comigo. E parceiro é quem fala a verdade. Quando você tiver uma convicção que sua opinião é melhor para a pessoa, fale, pois isso é benéfico e vai ajudar na formação do atleta. 

*Colaborou Leonardo Parrela

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