‘Fifa, CBF e Conmebol estão contaminadas pela ganância’, critica Zico

Henrique André - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
21/02/2016 às 09:21.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:30
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

Maior artilheiro da história do Maracanã, com 333 gols, e do Flamengo, com 509, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, de 62 anos, tem atualmente contrato como técnico em vigor com o Football Club Goa, da Índia. Com três disputas de Copa do Mundo no currículo pela Seleção Brasileira (1978, 1982 e 1986), Zico é um dos pioneiros no chamado “mercado alternativo” – como jogador e treinador, foi ídolo no Japão. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, por telefone, ele fala sobre os áureos tempos como jogador, analisa o momento do futebol brasileiro, revela por que não foi candidato à presidência da Fifa e ataca a corrupção que assola o esporte. Além disso, o “Galinho de Quintino” evidencia toda a admiração que tem por Reinaldo, camisa 9 do Atlético na década de 80.

Como é o futebol na India em relação ao nível técnico, estrutura e profissionalismo?

Contrataram muitos nomes importantes para jogar. São oito times apenas e cada time representa uma cidade. No primeiro ano foram muitos atrativos, como Del Piero, Trezeguet, Materazzi; agora, neste ano, Roberto Carlos, Malouda, Lúcio, Elano e outros grandes jogadores. Gostaria que tivesse apenas três estrangeiros e um trabalho de base. Se eles não fizerem isso, os estrangeiros vão para ganhar campeonato e dinheiro. Não ajudam no desenvolvimento do futebol indiano.

Você foi um dos primeiros treinadores brasileiros a explorar o chamado “futebol alternativo”. No Japão, é considerado Rei. Por que optou por este caminho? Por que o Zico não figura como treinador de um dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro?

Por causa do Flamengo e a minha ligação com o clube. Treinando os clubes que eu já treinei, a única possibilidade de enfrentar o Flamengo seria no Mundial de Clubes. Mas aí eu pediria demissão antes. Poucos jogadores no mundo têm história num clube como eu tenho com o Flamengo. Por isso optei por trabalhar fora do Brasil.

Como analisa o atual momento do nosso futebol?

Até a Copa do Mundo havia uma motivação grande. Foram repatriados muitos jogadores, os clubes fizeram muito investimento. Quando passou, os clubes caíram na real e viram que era preciso faturar.

Perdemos o nosso encanto? Podemos retomar os tempos áureos ou fomos engolidos pela inovação e disciplina europeias?

Pelo material humano que o Brasil tem, pode. Agora, tem que criar algumas alternativas para os jogadores não saírem tão cedo daqui, pois perdem a essência, a criatividade, a malícia, a ginga... A coisa está muito mecânica.

No fim do ano passado, você tentou viabilizar a candidatura à presidência da Fifa, mas não obteve o apoio mínimo necessário de cinco confederações. Acreditava ter respaldo? Ficou frustrado?

Não fiquei frustrado. Eu já esperava esta situação por causa do comprometimento de quem estava participando deste pleito, em relação à mudança. Eles não querem. Estão conectados. Tanto que não tem nenhuma novidade no que vai acontecer. Todos eles ou passaram na Fifa ou têm um cargo na confederação local. Falei com diversos diretamente. Quando eu falava, sem oferecer nada, havia um silêncio, esperando algo em troca. Gente que não falava em transparência e em democracia está falando. Agora, com os caras presos e punidos, apareceram para falar. Por que não fizeram quando estavam lá? Infelizmente este é o mundo do futebol. Temos uma Fifa desacreditada, assim como tem a Conmebol, a CBF. Todo mundo com problemas. Estão contaminados pelo vírus da ganância. É duro você ver a principal entidade do futebol ser ridicularizada. Comprovei tudo isso de perto.

Na ocasião, Michel Platini desdenhou da sua tentativa, deixando entender que você não era uma figura representativa e influente na política do futebol. Como é a sua relação com ele?

Não sei se isso foi verdade. Eu que conheço ele, sei que às vezes ele faz certas caras e fala certas coisas que dão esta impressão. Tenho uma amizade muito grande com ele, vi a mudança que fez na UEFA. Só tenho elogios a falar. Lamentei pelo envolvimento dele nesta situação. Porém, fazendo na Fifa o que ele fez pela UEFA, seria ótimo para o futebol. Ele era um dos favoritos. Só não aceito este tipo de situação que existe que é de votar em bloco. As Confederações não tem as mesmas ambições. Cada um tem sua história.

Quão difícil é não se corromper no bilionário ambiente da política do futebol?

Não é difícil. As pessoas não têm medo da corrupção. O que eles têm medo é de às vezes não votar e ser marginalizado. Isso não é transparência e nem democracia. Cada um tem que ter a livre escolha.

Pensa em se lançar como candidato à presidência da CBF? É uma realidade na sua cabeça?

Não. No momento não existiria uma possibilidade concreta disso acontecer, porque hoje a fórmula de eleição infelizmente não permite que uma pessoa que não é do métier consiga ter o apoio de 13 (federações). É complicado por causa desse comprometimento com o sistema.

O grande clássico nacional dos anos 80 envolvia Flamengo e Atlético. Como eram os encontros com os jogadores atleticanos na Seleção, depois de verdadeiras batalhas, como a final do Brasileirão de 1980 e o jogo de desempate da Libertadores de 1981?

Sempre foi tranquilo. Principalmente porque foi só depois daquelas partidas que a Seleção passou a ter uma base de Flamengo e Atlético. Dentro do campo o couro comia, mas cada um defendendo o seu clube. Era muito legal. Sempre tivemos uma amizade muito grande, que perdura até hoje; com Cerezo, Éder, Paulo Isidoro, Luizinho, João Leite... Ah! E o Reinaldo. Sempre fui fã dele. Um cara que sempre digo que se não tivesse os problemas no joelho, talvez fosse o jogador que mais se aproximasse de Pelé. Ele fazia coisas que eu parava em campo para ver.

Se você tivesse que escolher um dos grandes adversários que você tinha naquele time do Atlético, para jogar com você, no Flamengo, a opção seria por Luizinho, Cerezo, Reinaldo ou Éder?

Tem que fechar o olho, né? (risos). Ainda bem que fui felizardo e joguei com todos eles.

Depois de disputar três Copas como jogador da Seleção, como foi a experiência de encarar o Brasil no Mundial de 2006, na Alemanha, dirigindo o Japão?

Eu me lembrei muito do Didi. Ele foi bicampeão pelo Brasil e foi treinador do Peru na Copa de 70. Conversamos muito. A memória foi dele em suportar isso. É duro. Mas quando a bola entra em jogo, não tem jeito.

Você deixou de realizar algum sonho dentro do futebol? Se sim, qual?

O único lamento que tenho do futebol é não ter ido a uma Olimpíada. Fiz o gol da classificação da Seleção para a Olimpíada de Munique, esperava ser convocado, mas não fui. Foi a grande decepção da minha vida. Quem era o técnico já morreu, então não deu realmente para entender.

_________________________

Facebook: @zicooficial

Instagram: @zico_oficial

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por