Lei de responsabilidade fiscal não solucionará o futebol no Brasil, diz especialista

Wallace Graciano - Hoje em Dia
11/08/2014 às 16:31.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:44
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

Nos últimos dias, a votação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que renegocia as dívidas das agremiações dos clubes de futebol do país, tomou conta dos noticiários. De um lado, estavam as equipes, interessadas diretas, pois possuem dívidas com o fisco que  ultrapassam os R$ 4 bilhões. Do outro, estavam os atletas membros do “Bom Senso”, que pediam revisão do texto, por não concordarem com alguns pontos da proposta, principalmente o mecanismo estabelecido para controlar as contrapartidas oferecidas pelos times.    Após a discussão, o governo optou por adiar a votação da proposta para após o término do segundo turno das Eleições, marado para o dia 26 de outubro. Até lá, a expectativa é de intensas discussões entre as partes, uma vez que os clubes veem no projeto a salvação para equacionar as dívidas com a União.    Como a discussão é ampla, convidamos o empresário, jurista e consultor econômico Carlos Alexandre Moreira para explicar os detalhes do projeto e analisar a situação econômica dos clubes brasileiros. Em entrevista ao Hoje em Dia, o advogado, especialista na área financeira, afirmou que a proposta em tramitação na câmara beneficia os clubes, mas não solucionará o esporte no país.   Carlos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte pode beneficiar os clubes a curto, médio e longo prazo?   Bem, primeiramente devemos esclarecer ao leitor que existe um projeto que está sendo apelidado de “Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte” para buscar solucionar o problema tributário, esse projeto é específico para a realidade dos clubes. Não se trata da Lei de Responsabilidade Fiscal que já existe e que está em vigor no nosso País, que só se aplica à Administração Pública.   O projeto que está tramitando no Congresso Nacional prevê o refinanciamento das dívidas tributárias dos clubes de Futebol em 25 anos, criando alguns encargos a ser cumpridos pelos clubes, bem como punições novas para o descumprimento.   Do meu ponto de vista, entendo que o projeto beneficia muito os clubes, pois tira deles o peso imediato da enorme dívida tributária que têm, prorrogando-o para o futuro por 25 anos, mas a medida infelizmente está longe de solucionar o problema. Beneficia, mas não soluciona.   Para solucionar o problema de fato, é necessário um intenso trabalho de planejamento tributário, com a participação do poder público, especificamente direcionado para os clubes de futebol.   Os clubes realizam negociações e pagam salários que são só deles, só do seguimento do futebol, não podendo se comparar com a realidade e a rotina de qualquer outro seguimento empresarial.   Ter dívidas tributárias é muito mais comum do que se pode imaginar. A carga tributária do nosso país é capaz de quebrar qualquer empresa, principalmente em épocas de recessão, crise ou inflação em alta, quando o consumo cai. Mas perceba que essas situações não atingem o futebol nunca, em função da específica natureza dos contratos que os clubes celebram, mas que não os impedem de ter tributos em atraso.   Os principais tributos devidos pelos clubes incidem no faturamento (CSLL, IR) e sobre a folha de pagamento (Cofins). Agora imagine o tamanho do faturamento dos grandes Clubes, e a sua folha de pagamento. Daí o acúmulo de tributos em atraso.   Como o senhor vê a situação tributária do futebol brasileiro?   Sem solução.  Os valores dos negócios que os clubes movimentam são elevadíssimos, e os principais tributos incidem diretamente sobre esses negócios e sobre a folha de salários que os clubes pagam.   Por maiores que sejam os esforços para se pagar os tributos em atraso, a cada novo negócio e a cada mês, novos e altíssimos tributos incidirão, criando uma bola de neve interminável, e não é justo para com a sociedade que os clubes sejam perdoados ou imunizados.   Todos nós pagamos esses altíssimos tributos, pessoas físicas ou jurídicas. Não deve haver nenhum tipo de privilégio para ninguém e dívida tributária nenhuma deve ser usada como justificativa para a concessão de privilégios tributários. Já bastam as imunidades que nossa Constituição instituiu, indevidamente do meu ponto de vista.   A carga tributária aplicada aos clubes é alta, como eles questionam?   Sim. Altíssima. Mas é alta para todos, não só para os clubes. Para eles a dimensão desses tributos é expressiva porque o vulto dos negócios que eles celebram é muito alto, assim como os salários que eles pagam.   Como disse antes, a carga tributária no Brasil é perfeitamente capaz de quebrar uma empresa grande. É por isso que o trabalho que mais realizo para empresas é o de planejamento tributário. Hoje a preocupação das empresas é em sobreviver com competitividade na selvagem tributação que o sistema Brasileiro impõe.   Além disso as alíquotas são altíssimas. É praticamente um confisco velado. Como exemplo temos os dois tributos que incidem diretamente sobre o lucro, a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e o IR (Imposto de Renda).   Voltando à LRFE, supondo que a CBF e, consequentemente, as Federações concordem com os pontos dela, como o senhor vê as contrapartidas oferecidas pelos clubes e as punições aplicáveis em caso de não cumprimento do parcelamento das dívidas fiscais?   Começo dizendo que sou contra a utilização de contrapartidas para a redução ou retirada de tributos. Isso não funciona. Com o tempo fica banalizado.   Acredito que as contrapartidas proposta para o caso dos clubes de futebol não serão adotadas como deveriam e não terão nunca o alcance social que é desejado por aqueles que criaram a proposta. Serão banalizadas rapidamente.   Quanto às punições propostas, entendo que são inconstitucionais, ilegais, e que extrapolam o poder do Estado. O Governo não pode interferir nos resultados de um campeonato privado por causa de dívidas tributárias.   A Legislação Tributária já prevê todas as punições aplicáveis ao contribuinte que atrasa ou não paga seus tributos. Já temos multas, juros, certidões e execuções, mas alguém pode pensar que isso não surte nenhum efeito e eu sou obrigado a concordar, pois de fato não impede que as obrigações tributárias não sejam pagas.   Mas vivemos em um Estado Democrático de Direito e não podemos, sob pena de desrespeitar os direitos e as garantias individuais previstos na Constituição Federal, criar punições que extrapolem a esfera de competência do Poder Público, permitindo que o Estado promova uma ingerência em campeonatos particulares que classificam para torneios internacionais como Libertadores e Sul-Americana, e que podem conduzir um clube à disputa do Mundial Interclubes.   Devemos lembrar que a entidade que organiza o futebol é internacional, é a FIFA. É ela que organiza as regras de seus filiados ou delega competência para as Confederações que devem seguir o modelo pré-estabelecido.   Não há como o Estado Brasileiro interferir numa situação internacional.   Apenas a exigência de Certidões Negativas de Débito seriam eficazes para o controle do parcelamento?   Não. Não são. Se fossem o problema já estaria resolvida não só para os clubes, mas para todos nós. Mas as certidões estão previstas em Lei e devemos respeitar as Leis Constitucionais acima de tudo. Dentro do Princípio da Legalidade, e dentro da Constitucionalidade, podemos criar outros mecanismos.   Os jogadores, através do Bom Senso, questionam a proposta que tramita no congresso, principalmente sobre a frequência de fiscalização e ausência de indicação de quem será o responsável por ela. O senhor concorda com os pontos colocados pelos atletas? Acha que uma auditoria independente deveria ser feita?   Concordo, mas devemos lembrar que o problema é estrutural. Quem fiscaliza não fiscaliza apenas os clubes de futebol, mas também as empresas e os cidadãos.   Essa competência de fiscalizar pode ser delegada, mas não para uma entidade privada, não concordo com isso. Acho que o futebol pode ter uma entidade ligada ao Poder Público, independente, para essa fiscalização específica dentro dos contornos entabulados para a questão tributária dos clubes de futebol.   O modelo de "Fair Play Financeiro" proposto pelos atletas, que é baseado no europeu, poderia ser aplicável ao nosso futebol?   Com o atual sistema tributário Brasileiro dificilmente daria certo. Prejudica, também, a mentalidade dos cartolas brasileiros e a facilidade com que atletas e técnicos são contratados ou mudam de clube. O modelo europeu se funda basicamente na completa ausência de dívidas, não somente tributárias. Só as constantes trocas de técnicos já são suficientes para manter vivas as dívidas, por quebra de contrato, isso para dar um exemplo.   Ocorre que o sistema tributário europeu permite tranquilamente a funcionalidade desse modelo. Lá não existe o exagero tributário que existe no Brasil. Lá o sistema tributário não quebra empresas.   Aqui no Brasil arrecada-se exageradamente e gasta-se sem se ter a exata noção do custo dos serviços e da manutenção de estruturas governamentais. O modelo de “fair play” europeu não seria aplicável nem para as empresas brasileiras, pelo fato de que nosso sistema tributário é “monstruoso”.

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