Luiz Gustavo Lage: “Pode sim acontecer uma crise no esporte brasileiro após 2016”

Felippe Drummond Neto - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
17/03/2014 às 07:22.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:40
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

O currículo parece ter sido desenhado sob medida para o desafio que assumiu em novembro do ano passado. Com uma Olimpíada disputada, em Moscou-1980, como jogador de basquete, e uma sólida carreira no mercado financeiro, não faltam credenciais para o economista Luiz Gustavo Lage presidir o Minas Tênis Clube.   Sucessor de Sérgio Bruno Zech Coelho à frente de um dos clubes mais tradicionais e importantes da América, Lage se diz pronto para dar prosseguimento ao trabalho de sucesso implementado no Minas em seus 79 anos de existência.   “São 74 mil sócios, quatro unidades, uma receita equivalente ao 38º município do Estado de Minas Gerais, e uma população que equivale ao 42º município de um Estado que tem 853 cidades. O maior desafio é pegar uma empresa deste tamanho e ainda conseguir desafiar as pessoas a dar prosseguimento neste processo”, avalia.   Após a Copa do Mundo, o foco se torna a Olimpíada do Rio, em 2016. Como o Minas espera aproveitar a contratação de Cesar Cielo e a vinda do Comitê Olímpico Britânico (BOA) para utilizar o clube como QG?   O fato de o BOA ter escolhido o Minas como “casa” já nos abriu muitas portas e abrirá outras mais até 2016. Afinal, estamos falando da terceira potência olímpica utilizando nossa infraestrutura para se preparar. Com eles aqui, estaremos sendo divulgados no mundo todo.   Além disso, a relação entre Minas e BOA é muito boa para nós. Não é uma relação apenas comercial. Eles não estão alugando um local, não queremos dinheiro, o que queremos é criar um vínculo que não terminará na Olimpíada. Temos 1.500 meninos na base e teremos muita troca de experiência.   Com o Cielo é a mesma coisa. Não queremos apenas pagar para ele usar a touca do Minas. Resultados são importantes, mas vislumbramos além. Tenho certeza de que o número de crianças inscritas na escolinha de natação vai multiplicar com a presença dele. Garanto que este número será maior do que nos anos anteriores. Será um legado muito benéfico para a instituição.   Thiago Pereira disse que o esporte brasileiro pode entrar em crise após 2016, em vez de colher os frutos da Olimpíada. Você concorda?   Infelizmente, da forma como as coisas são geridas no Brasil, isso pode realmente acontecer. Mas a culpa também é da economia. Afinal, com o país crescendo perto de 1%, os patrocínios acabam sendo cortados pelas empresas. Existe um boom até 2016 que é natural. Mas, depois da Olimpíada, o natural é que tudo diminua. O importante é aprendermos mesmo com uma possível crise. Talvez a grande lição seja a necessidade de nos unirmos e nos planejarmos bem, para não continuarmos vivendo de imediatismo.   Seu antecessor no Minas, Sérgio Bruno, brigava pela melhor distribuição do dinheiro da Confederação Brasileira de Clubes formadores (CBC). Você segue com essa luta?   Claro! Existem atualmente aproximadamente R$ 118 milhões parados na CBC. Se olharmos quanto o Minas gasta por ano na formação de atletas, é claro que é um dinheiro do qual precisamos.
  A relação com a CBC é tensa?   A falta de reconhecimento é o que machuca a gente. Nossa grande briga hoje é para mostrar que quem gasta dinheiro são os clubes, não as federações e as confederações. Mas também não quero que o dinheiro venha todo para o Minas, como o Pinheiros não quer que o dinheiro vá todo para eles.    Queremos critérios para a distribuição. Na regulamentação, este dinheiro pode parar em clubes que nunca formaram um atleta. Queremos uma distribuição que reconheça os principais clubes formadores do Brasil. Existe ainda o dinheiro que vem da lei de incentivo ao esporte. Antigamente não tínhamos concorrência da federação e das confederações, que hoje estão captando o dinheiro do Ministério do Esporte. A fonte é a mesma. Sentimos uma falta grande do apoio deles no que diz respeito a recurso, afinal são os clubes que entendem e gastam com a formação dos atletas, e não as federações e confederações.   O senhor acha que a Lei de incentivo ao Esporte cumpre o papel dela?   Posso dizer que cumpre muito bem seu papel, mas precisa de alguns ajustes. É um dinheiro de renúncia fiscal, que é muito bem fiscalizado. Afirmo que todo o dinheiro que pegamos é muito bem aplicado e teve um resultado em cima. Quanto a isso estou tranquilo, afinal somos uma referência em prestação de contas. Este dinheiro tem ajudado ao Minas e a outros clubes.    Mas é preciso ter uma política e diretriz. Porque posso dar dinheiro para todos os clubes, mas é preciso ter uma prestação de contas. Além disso, um grande legado da Olimpíada aqui seria a criação de uma política de esporte. Hoje os atletas precisam praticamente abandonar a escola para continuar competindo. É preciso uma política integrada entre escola e clube. Se não vira opção dos pais, se vai estudar ou praticar esporte.   O Minas está sempre na vitrine do esporte mundial. Existe um intercâmbio do Ministério do Esporte com o clube pelo sucesso na gestão esportiva?   Não acontecia, mas nos últimos anos tem acontecido sim. O Ministério tem entendido qual o papel dos clubes e está tentando aprender conosco. Além disso, o Ricardo Leyser (secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte) abriu as portas para conversar e entender os clubes que formam, além de aprender um pouco. Hoje eles têm escutado muito. Visitado os clubes para aprender como é feita a gestão do esporte.   Qual o maior desafio como presidente do Minas?   O Minas é um clube com 79 anos de história, 74 mil sócios, quatro unidades, uma receita equivalente ao 38º município do Estado de Minas Gerais e uma população que equivale ao 42º município de um Estado que tem 853 cidades. Somos referência tanto esportiva como administrativa. E o maior desafio é pegar uma empresa deste tamanho e ainda conseguir desafiar as pessoas para dar prosseguimento neste processo, continuar cumprindo o papel que o Minas desempenhou nestes 79 anos de existência.   Como começou a sua história no Minas?   Minha relação com o clube foi imposta, a princípio, por meu pai, que sempre foi muito ligado ao esporte. Meu pai teve a vida toda uma forte ligação com o Minas, sempre frequentou o clube, virou diretor por duas gestões, foi jogador de vôlei, e também praticava atletismo. E como ele sempre vinha ao clube para jogar vôlei, acabava me trazendo junto.    Comecei no basquete aos 11 anos. Na escolinha, conheci dois dos meus melhores amigos. Quer dizer, devo ao Minas isso também. Depois, aos 16 anos, conheci minha esposa, também dentro do Minas. Tivemos três filhos que praticaram Esporte no clube. Por isso, a essência e cultura do Minas estão enraizadas em mim desde a minha infância.  Como jogador de basquete tive a oportunidade de ir a uma Olimpíada. O momento mais emocionante da vida de um atleta é entrar no Estádio Olímpico e participar de um desfile de abertura. Mas as coisas mais importantes que eu aprendi e senti vêm do meu dia a dia no Minas, da convivência com os companheiros de equipe e o técnico. Este ambiente do esporte foi muito importante para a minha formação.   Como foi sua trajetória de ex-atleta a presidente do Minas?   Parei de jogar muito cedo, em 1985, com apenas 26 anos. Fui à Olimpíada de 1980, com 21 anos. Nos Jogos seguintes, de Los Angeles, em 1984, tinha oito anos de namoro e havíamos marcado nosso casamento para o mês de julho, na mesma época do torneio. Fui convocado, mas pedi dispensa para me casar. Naquela época, ainda dava para conciliar profissão e basquete, mas eu não seria um profissional que viveria do Esporte. Então, já casado, optei por seguir apenas na minha profissão.
  A partir daí, dediquei minha vida profissional apenas ao setor financeiro. Quando meus filhos começaram a crescer, os levei para praticar esportes no Minas e voltei a frequentar o clube, mas apenas como sócio e pai.
Seis anos atrás recebi o convite do então presidente Sérgio Bruno para ser o diretor de esporte do clube, quando ele dava início a sua segunda gestão. Me senti honrado e vi que seria uma forma de retribuir ao Minas.   E como foi essa nova realidade no Minas?   Quando assumi a diretoria me envolvi a fundo com a gestão do clube. Nos últimos seis anos fui diretor de esporte e me tornei responsável pelas oito modalidades que temos. E, naquela época, o Sérgio Bruno já começou a preparar seu sucessor.
  Aliás, na minha opinião, a sucessão da presidência é um dos grandes problemas que as empresas sofrem, e o Sérgio foi muito feliz nisso. Ele criou uma comissão de gestão, com cinco diretores, ainda sem saber quem seria seu candidato à sucessão. Além de mim, a comissão era formada pelo Paulo Emílio, que é hoje o vice-presidente, o Carlos Henrique, atual diretor de Judô, José Ricardo Santiago, que era o diretor-secretário e diretor do vôlei masculino, e a Luiza Machado.   Fazíamos uma reunião mensal para acompanharmos mais de perto os números do clube, e a intenção dele era tirar de um de nós o seu sucessor. No ano passado, em janeiro, o Sérgio Bruno decidiu por mim e em outubro fui eleito.    Como foi ter de optar entre a vida de atleta e a vida profissional? E qual o momento mais difícil para o senhor como atleta?   Sucesso na vida é uma junção de dois fatores. Talento e determinação. Quem consegue reunir ambos acaba virando ícone, como Oscar, Ayrton Senna, Pelé, Zico, Tiger Woods, Michael Jordan, entre outros. No meu caso, nunca tive muito talento, acho que meu sucesso na quadra se deve muito mais à determinação que pelo meu talento. 
  Não ligo de escutar que Marcel e Oscar eram melhores que eu, mas não aceito que falem que eles tinham mais vontade do que eu. Um dos meus grandes defeitos era a necessidade de me sentir desafiado para ir bem. Quando o jogo era fácil, não me sentia assim e não tinha um grande desempenho. Mas quando enfrentava um jogador que diziam que era melhor que eu, ou jogava contra um time forte, eu crescia. Além disso, não era leão de treino, mas crescia muito nos jogos decisivos.
Quando fui convocado, em 1984, numa Olimpíada em que os Estados Unidos usaram algumas estrelas profissionais, ficava babando de raiva dos meus companheiros. Eu falava que se eu entrasse na quadra ia querer vencer, acabar com o jogo.
  Mas não tive a oportunidade. Fiz uma ótima escolha, hoje tenho 30 anos de casado, não me arrependo de nada. Muita gente me chamou de burro na época, que eu poderia ter adiado meu casamento. Mas, na época, foi a minha decisão.   Mas o peito não aperta quando pensa naquele jogo histórico contra os Estados Unidos, no Pan-Americano de 1987, que o senhor poderia ter disputado?   Lógico que penso como teria sido, queria ter jogado contra eles. Mas existe mais o sentimento de não ter jogado em 1984 do que em 1987, quando a seleção entrou para a história, no Pan-Americano de Indianópolis, ao derrotar na final a seleção americana nos EUA. Assisti àquela partida, mas não me deu tanta vontade de estar presente como na Olimpíada de Los Angeles.

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