'O americano deve sonhar com o acesso': Felipe Tigrão lembra carreira e mira alto com o Coelho

Lucas Borges
05/09/2019 às 20:35.
Atualizado em 05/09/2021 às 20:26
 (Mourão Panda / América)

(Mourão Panda / América)

Felipe de Oliveira Conceição, ou simplesmente Felipe Tigrão, é a bola da vez no América. Contratado há pouco mais de um ano para compor a comissão técnica permanente do clube, o ex-atacante do Botafogo assumiu, desde julho, a missão de recuperar o time, que estava afundado na zona de rebaixamento da Série B do Brasileiro.

Mesmo sem a grife de vários nomes que circulam pelo mercado de treinadores, e com a desconfiança de parte da torcida, que pouco conhecia seu trabalho à beira do gramado, Felipe vem apresentando excelentes resultados, sendo um dos principais responsáveis pela ascensão do time, que agora já sonha com o retorno à elite do futebol nacional.

Ao Hoje em Dia, o comandante do Coelho contou sobre sua trajetória promissora no futebol, abreviada por conta das lesões, e o desafio de trazer os bons ventos de volta ao Alviverde.

Como você avalia seu início e sua trajetória no Botafogo como jogador?

Eu cheguei ao Botafogo com 16 anos, na equipe sub-17. Passei três anos nas categorias de base, sendo artilheiro nas competições que disputei pelo clube. Subi para o profissional de 18 para 19 anos a convite do técnico Paulo Autuori., que era o treinador na época e tinha visto a final do Sub-20 (do Estadual). Eu fiz a pré-temporada do Campeonato Brasileiro de 1998 com ele, iniciei o Brasileiro jogando algumas partidas como titular. Depois, torci o joelho, que foi a primeira lesão grave que tive. Voltei em 1999, continuei com esse início de carreira promissor, com convocações para a Seleção Sub-20, estava na pré-lista do Pré-Olímpico – entre os 35 nomes – com o Vanderlei Luxemburgo e tive outra lesão séria em 99, de 19 para 20 anos. Rompi o tendão do reto-femoral (músculo) e fiquei um ano e oito meses sem disputar uma partida oficial. Então, foram duas lesões sérias em um início promissor, mas que acabaram atrapalhando a carreira toda. Nunca mais consegui um desenvolvimento físico adequado para jogar em alto nível.

Como foi jogar com o Bebeto?

O Bebeto e o Gonçalves voltaram ao Botafogo na época que eu estava surgindo. Era um grupo muito forte. Além dos dois, havia o Wágner e o Wilson Goiano; era a base do time campeão brasileiro em 1995, e o treinador era o mesmo. Ali você vai colhendo tanta coisa... É engraçado, a gente nunca sabe o amanhã, e hoje eu uso muitos dos aprendizados que tive naquela época como atleta. Seja a referência do Paulo Autuori ou de um grande jogador como o Bebeto, de comportamento, de atitude de um vencedor. Essas experiências de atleta acrescentaram muito na minha carreira como treinador.

Em quais treinadores você se inspira?

O Paulo (Autuori), não só como treinador, mas também como pessoa. Me ensinou muito e me ensina até hoje, ainda mantemos contato. Outros treinadores da época de Botafogo também, como Abel Braga e Joel Santana; todos eles tinham algum ensinamento. Eu tive um treinador em Portugal, o Manuel Cajuda, que foi um cara que me ensinou bastante também, um treinador espanhol também, o Rafael Sáez, que era do Celta de Vigo e depois treinou o Pontevedra. São algumas referências. Da nova geração, tenho o Carille como inspiração, por ser um cara de trabalho consistente e regular, que está obtendo êxito, além de ser um amigo que eu fiz.

Qual estilo de futebol você gostaria de ver seus times praticando?

Gosto de um time equilibrado. Não tenho uma linha só. A equipe que ganha títulos é uma equipe que tem uma performance muito boa, que é forte defensivamente, forte nas transições e ofensivamente também, com um bom jogo posicional, mas sempre com agressividade. Três palavras que podem definir meu estilo de jogo ideal seriam 'modernidade, agressividade e intensidade' Eu gosto de um time intenso, que controle o jogo, seja defendendo ou atacando.

É possível impor esse modelo em times com um investimento menor?

Você sempre tem que se adaptar ao contexto do clube, às características do atleta, ao ambiente externo do clube, da torcida e o que ela espera. Mas dentro do que eu acredito de futebol, em qualquer clube você consegue aplicar suas principais ideias, e é o que eu busco. Pelo América, no mínimo em 45 minutos de cada um dos 11 jogos que fizemos, tivemos o controle da partida, seja defensivamente, ou mesmo com volume ofensivo, controlando o jogo completamente. A gente tem conseguido fazer isso tanto dentro de casa quanto fora. Então, eu tenho esse estudo de caso com o América. E também no Botafogo. Quando eu cheguei (na base do Botafogo) e o time tinha resultados mais simplórios, nós conseguimos, depois de um tempo, sermos uma equipe que controlava as partidas, protagonista.

Por que Felipe Tigrão? De onde surgiu o apelido?

Eu gosto do apelido, mas hoje, como técnico, prefiro Felipe Conceição. O Tigrão veio da época em que eu jogava com o Donizete Pantera, e ele, com toda simpatia que tem, jogou na imprensa o apelido 'Tigrão'; seria a dupla felina. Logo depois, eu estava em uma fase boa, e a torcida começou a cantar a música do Bonde do Tigrão. Acabou pegando o apelido.Arquivo pessoal / N/A

Tem algum caso curioso da época de Botafogo, quando você atuou com grandes figuras do futebol brasileiro?

Tem muitos, mas alguns eu não posso contar porque pode comprometer as pessoas (risos). Além de Bebeto, Gonçalves, Donizete, queria citar outros, como o Dodô, que foi um atacante extraordinário. Bebeto e Dodô foram os caras com mais talento que eu vi na posição que jogavam. Tem uma historinha interessante com o Túlio Maravilha. Em 1998, eu estava subindo para o profissional, era um menino. Então, eu corria por mim, por ele, para o treinador, pro time (risos). Eu queria um lugar ao sol na equipe profissional. E ele (Túlio) foi até engraçado comigo. Ele começou a correr mais do que corria antigamente. Eu estava ali para ajudá-lo, mas ele também me ajudava muito. Mas teve um jogo em São Paulo, contra o Corinthians, que acabou sendo campeão brasileiro naquele ano; era um time muito forte. O Paulo Autuori pediu para a gente marcar os volantes. O problema era que os volantes eram nada menos que Rincón e Vampeta. Eram dois monstros que pisavam na área tanto defensivamente quanto ofensivamente o tempo todo. E o Túlio não conseguiu me ajudar tanto nesse jogo (risos). Eu tive que marcar praticamente sozinho os dois e não consegui, óbvio. Teve um momento do jogo em que o Autuori fez uma reclamação comigo no jogo me pedindo mais movimentação minha. Aí eu virei para ele e disse que estava fazendo por mim e pelo Túlio (risos). Foi uma coisa que eu lembro que foi muito engraçado.

Você mesmo disse que sua carreira foi muito atrapalhada pelas lesões. Você tem o sentimento de querer compensar, como treinador, o que não conseguiu conquistar como jogador?

Minha carreira como atleta foi mediana para baixo por causa das lesões. Parei novo, com 31 anos, e fiz muitos sacrifícios. Não tive alegria em metade da minha carreira. Não foi por prazer, tive muitas dores físicas, joguei por necessidade, por ter família. Não foi uma experiência prazerosa nesse sentido..Mas eu não comparo. Estou muito feliz como treinador, tenho meus objetivos e minhas ambições. Não tenho essa coisa de frustração como atleta, porque ainda joguei até os 31 anos, tive várias experiencias em times grandes e pequenos, joguei na Europa e na China... Então, hoje eu vejo que foi tudo uma preparação para virar treinador, que é onde eu estou me realizando mais.  

Como foi sua chegada ao América no ano passado para ser auxiliar permanente?

Eu tive uma experiência curta no profissional do Botafogo, mas fiquei dois anos como auxiliar permanente, mais três anos na base como treinador. Foram cinco anos de bom trabalho, que me deram a chance de ser treinador do profissional. Foi um merecimento e uma alegria enormes poder dirigir uma equipe onde estive por tantos anos trabalhando como atleta, treinador e auxiliar. Após a passagem pelo Botafogo, fui para o Macaé jogar a Série D do Brasileiro. Assim que a acabou a Série D, o (Ricardo) Drubscky (então treinador do América), me convidou para ser seu auxiliar. Naquele momento, ele foi o responsável pela minha vinda ao América. Me lembro bem que eu estava no carro, dirigindo, e rapidamente falei com ele: ‘Ricardo, eu vou porque é você’. Não pensei muito. Ele me disse para pensar, e eu disse que nem precisava.

O Drubscky foi seu treinador?

Não, ele foi meu professor no curso de treinador. Quando eu resolvi ser técnico, foi a primeira pessoa, através de um amigo, que eu visitei. Ele me recebeu na casa dele em 2012. Foi uma pessoa que me ajudou muito nessa transição e, novamente, está ajudando na minha carreira. É uma pessoa que eu admiro muito, respeito, e é uma referência que eu tenho.

O que faltou para o América permanecer na Série A, em 2018?

Faltou pouco. A gente teve uma sequência muito ruim antes da chegada do Givanildo (Adilson Batista era o técnico). Foram oito ou nove jogos sem vitórias, e ali foi o “X” da questão. Foram várias coisas pequenas, mas se olharmos a história do clube, foi a melhor campanha da equipe na era dos pontos corridos. Foi a vez em que o time ficou mais perto de ficar na Série A. Então, fica de lição, e que, se Deus quiser, o América logo vai ter essa oportunidade de permanecer na Primeira Divisão. É isso que a gente almeja.

Como foi assumir o time em um momento de grande pressão?

Primeiro, tenho que agradecer a coragem do presidente (Marcus Salum). Em um momento tão difícil, o mais fácil é trazer um técnico experiente, de nome, que minimiza os riscos e se torna um escudo neste momento. Mas eu construí uma história bacana em um ano de América, com muito trabalho e respeito com todos os funcionários e atletas do clube. Acho que isso me ajudou muito nesse momento. No mais, foi trabalho, muito trabalho. A gente está trabalhando muito para tirar o clube dessa situação. Conseguimos fazer uma parte (sair do Z-4), mas temos outra pela frente para fazer, e, com certeza, vai ser necessário muito trabalho.

Você conseguiu resgatar vários jogadores que estavam em baixa no elenco, como o próprio Júnior Viçosa. Até que ponto a confiança e o trabalho interno da comissão técnica fazem diferença para recuperar esses jogadores?

No futebol você tem as questões técnicas, físicas e psicológicas, e ai entra a gestão do grupo e do ambiente, que também são muito importantes. Até hoje, já utilizamos cerca de 23 atletas em 11 jogos. Além de ser necessário, em um campeonato tão puxado, você está motivando e valorizando todo mundo. Procuro tratar todo mundo igual, fazer trabalhos onde todos participem e ganhem todo o conteúdo tático para, na hora que precisar, poder cobrar. Te garanto que em 90% dos trabalhos, todos os jogadores os fazem de forma igual dentro de campo. Então, isso me ajuda na gestão com eles.

Mesmo com a contratação de dois goleiros e a presença de outro experiente no elenco, você deu chance para um goleiro da base. Como foi apostar em um garoto após a saída de João Ricardo, um ídolo da torcida?

Eu passei por essa transição em um clube grande, com muita pressão. Essas experiências me ensinaram a conviver hoje com alguns contextos como treinador. O que o Jori está passando hoje, de se firmar no gol do América, primeiramente, é por merecimento dele. É um menino que sempre trabalhou de maneira correta e tem muito potencial. Então, fico feliz de estar contribuindo para ele conquistar as coisas que merece. E não é só ele. Hoje estamos fazendo um trabalho a curto prazo, em que precisamos de resultados, mas o Flávio já jogou duas vezes, é um menino que vem treinando muito bem. No último jogo, o João e o Luan já ficaram no banco, o Luisão está treinando com a gente. Então, além do trabalho a curto prazo, também estamos fazendo um trabalho de médio e longo prazo para valorizar. Você tem o Jori, tem o Zé Ricardo, que vem fazendo uma baita sequência, o Matheusinho, também em excelente nível. Tem o Flávio e os meninos subindo, então, é um processo que vai dar bons resultados já a curto prazo. Pode ter certeza que virão grandes resultados a médio e longo prazo.

Quais os principais fatores para a recuperação do América na Série B?

A confiança mútua. Ou seja, a confiança dos atletas para comigo e de mim para os atletas. E o trabalho de todos no clube, do presidente ao porteiro, querendo que o América fique cada vez mais forte e busque grandes objetivos na Série B. O principal fator é o trabalho. Nós estamos trabalhando bastante e colhendo os frutos.

Até onde o América pode chegar na Série B?

Não há limites. A gente vem olhando jogo a jogo, um passo de cada vez. Não estamos pensando lá na frente, mas sim no próximo jogo, que é contra o Botafogo (SP). Estamos há oito jogos sem perder desde que entrei. Estamos com a terceira melhor campanha nesses 11 jogos. Então, isso nos dá esperança e confiança. Mas confiança e esperança de trabalhar mais e vencer o próximo jogo, não de pensar além disso.

O americano pode sonhar com o acesso à Série A?

Deve. Todos devemos e trabalhamos para isso dentro do clube. Mas nossa realidade, hoje, é trabalhar jogo a jogo.

Qual a mensagem você pode passar para a torcida do América, que está surpresa positivamente com seu trabalho?

Primeiro, é agradecer. Estou sendo até chato de todo jogo em casa estar chamando a torcida. Mas que os torcedores tenham a consciência que estão ajudando muito. Nos últimos jogos em casa, foram três vitórias e um empate, e muito tem a ver com nossa torcia, com nosso ambiente, que está muito bom dentro de casa. E continuo pedindo para que a torcida continue com a gente, que confie no trabalho desse grupo, que é um grupo de caráter, de trabalhadores, que, com certeza, independentemente do resultado, vão honrar a camisa do América. Disso eu não tenho dúvida.

Quais os principais concorrentes do América na briga pela parte de cima na tabela?

Hoje, nossos principais concorrentes são aqueles que estão em torno da gente na tabela, como Brasil de Pelotas, Londrina... Estão todos muito perto. A gente tem que buscar os mais próximos e, depois, com a confiança e com a conquista de novos lugares na tabela, olhar para os outros concorrentes. É assim que estamos trabalhando.

Quem foi melhor: o Felipe Tigrão jogador ou o Felipe Conceição treinador?

Difícil, hein? (risos). Como eu disse anteriormente, hoje me sinto mais realizado, mais feliz, mais maduro. Faz parte da idade, a gente vai ficando mais velho e aprendendo a curtir mais as coisas da vida, até a pressão. Mas são duas carreiras distintas, que eu sempre gostei. Fui feliz em realizar uma partida como atleta. Infelizmente tive dificuldades de realizar sem dor em alguns momentos. Sou feliz como treinador. É o mesmo Felipe, em cargos diferentes.Vitor Silva/SSPress/Botafogo / N/A

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